domingo, 15 de agosto de 2010

O VÔO DA ÁGUIA

Elza Souza (*)

A noite no Teatro Amazonas era de gala. Antes mesmo de começar o espetáculo que encerraria o 2º. Festival Amazonas de Dança, a emoção já rolava na platéia. Jovens como a Maria Luiza de 12 anos, preparavam avidamente as suas máquinas para as fotos especiais que pretendiam tirar. A meu lado alguns bailarinos esperavam ansiosos que as imensas cortinas vermelhas se abrissem.

Na festa foram homenageados dois ícones da cultura amazonense. José Rezende que graças a sua dedicação o ballet no Amazonas tornou-se respeitado e ansiado por nossa juventude. E o professor José Nogueira, um cidadão de Fordlandia, quase um norte-americano amazônico mas na verdade ele é mesmo um caboclo de luta e de saber que muito eticamente conquistou seu espaço na dança folclórica em nosso estado. Graças ao mestre Nogueira o festival folclórico da Escola Marquês de Santa Cruz do bairro de São Raimundo, ganhou notoriedade e hoje talvez lhe dê algumas decepções.

A dança e a música clássicas merecem um papel mais visível na sociedade. São atividades artísticas que desenvolvem a sensibilidade, o gosto pela beleza e pela desenvoltura, tudo o que nos falta no momento, principalmente entre os mais jovens. Os festivais que vêm acontecendo na cidade são importantes mas precisam criar raízes, como uma árvore mesmo a espalhar seus galhos e persistir eternamente igual o angelim-pedra que só cai pela ganância humana. Sem isso, pelo menos uns quinhentos anos elas poderiam durar. Árvore e arte.

“Pas de Quatre de Pugni” foi o primeiro número do programa e a leveza das bailarinas encantou a todos. Como é bonito de se ver e ouvir toda aquela movimentação etérea no palco. Logo me lembrei da minha infância quando um dia a mamãe Nilza, hoje com 85 anos, trouxe para se apresentar na sala de casa uma bailarina de verdade e era daquele mesmo jeito, com aquelas roupas de filó em rosa bem clarinho, o cabelo, sapatilhas, tudo com essa mesma beleza.

A Ana Botafogo deu um brilho próprio ao festival e não poderia faltar a um evento desses. A dança, clássica ou contemporânea, faz parte de sua história e levou sob as suas sapatilhas, o nome do Brasil pelos palcos mundo afora. Enquanto estava na fila para entrar no teatro ouvia os comentários de admiração quanto ao seu trabalho. Sei que perdi muita coisa por não ter assistido “Coisas da Vida” quando Botafogo mostrou sua exuberância em solo e poesia na abertura do festival. A bailarina uruguaia Maria Riccetto do American Ballet Theatre que formou o par de dois ao lado do bailarino mais aguardado da noite, mostrou porque veio. Sua apresentação foi impecável e demonstra uma profissional com um repertório extenso como Pétala em Cinderela, Mercedes em Don Quixote, Giselle de Giselle, Clara em O Quebra Nozes, a Fada Lilás e a Princesa Florine em A Bela Adormecida entre muitos outros.

Todas as apresentações nessa noite foram de total encantamento, de arrepiar qualquer pingüim. Os nossos dançarinos estão de parabéns e se pudesse daria um beijo em cada um pois sou tiete no que se refere a dança e música de qualidade. Mas a noite era do meu bailarino preferido, o amazonense Marcelo Mourão e meus olhos só enxergavam ele no palco. Contemporâneo ou Pás de Deux, tudo o que Marcelo fez no palco foi emocionante e emocionou. “Maravilhoso” como disse a jovem aprendiz de bailarina que estava a meu lado.

Num entrosamento completo entre técnica, movimento e talento, Marcelo arrasou. Em cada passo a ousadia, a leveza e a perfeição num corpo absolutamente viril e marcado pelo esforço e pela força de vontade de quem conquistou um lugar a que poucos homens têm acesso. Está marcado na minha mente, para sempre, o momento que ele se ajoelhou para agradecer o público. Seus braços longos e perfeitos pareciam as longas asas de uma águia ao se abrirem para o sol em perfeita sintonia com a natureza. Após o delírio da platéia tive a impressão que o artista sucumbiria à emoção. Observei no seu semblante uma escancarada felicidade e as lágrimas por pouco não caíram.

Ao público não restava nada mais do que aplaudir. E o teatro explodiu de felicidade, também. Minha homenagem sincera a este profissional da dança que me encantou desde a primeira vez que o vi no palco da praia da Ponta Negra, nem lembro mais em que ano. Além do artista que é, posso afirmar pelas entrevistas que assisti dele, que Marcelo é “boa gente” e se preocupa com a juventude da cidade onde nasceu. Estrela ele é de verdade e de talento, mas não parece. Sua simplicidade é envolvente e merece o beijo de sua fâ número 1. E olha que não pedi autógrafo nem do Roberto Carlos no seu auge, mesmo tendo a oportunidade. Mas do Marcelo tive a coragem de tirar uma foto a seu lado. Estou feliz.

(*) É jornalista e estudiosa da história da cultura do Amazonas ellzasouza@yahoo.com.br

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