Almir Pazzianotto Pinto (*)
Há 25 anos o Jornal da Tarde (25/5/1985) comentava a onda de greves que assolava o País. Em caixa alta estampava a manchete: A Cidade da Greve - São Bernardo, onde a diversão é olhar passeata na rua. Na opinião de Antonio Dalto, presidente do Clube dos Lojistas, expressa na ocasião, "greve agora é lazer por aqui; o pessoal sabe que vai ter passeata, todo mundo pra rua, olhar; sabe se vai ter assembleia no Estádio de Vila Euclides, todo mundo interessado, como se fosse assistir a um artista de televisão".
No mesmo mês, 370 funcionários da GM em São José dos Campos foram submetidos a cárcere privado durante 36 horas pelo Sindicato dos Metalúrgicos em greve (Folha de S.Paulo, 6/5/1985). A paralisação dos Correios, também em maio, recebeu ampla cobertura da imprensa. A direção da estatal usou a polícia para garantir o ingresso dos carteiros que desejassem trabalhar no Centro de Triagem Postal do Jaguaré, (Folha de S.Paulo, 12/5/1985).
Balanço realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revelava que a greve de 53 dias nas montadoras e fábricas de autopeças causou prejuízos de 10 trilhões de cruzeiros e resultou na demissão de 5 mil operários (2/5/1985).
Atento ao problema, o então presidente José Sarney declarou à imprensa: "Na minha mão o poder civil não definhará, nem a anarquia substituirá o direito justo da tranquilidade pública" (Jornal do Brasil, 4/5/1985).
Em 21/10/1985 a Folha publicou editorial sob o título Grevismo inconsequente. Em 4 de novembro o Jornal da Tarde informou a paralisação de 550 mil operários em São Paulo, uma terça parte dos trabalhadores da indústria.
A greve geral, planejada para o final de 1986 pela CUT e pela CGT, malogrou, como registraram os jornais de 13 de dezembro. O caderno de Economia da Folha publicou em manchete: Greve fracassa, CUT e CGT trocam acusações. O Jornal do Brasil dizia: Greve não foi geral nem nacional. E o Estado noticiou a opinião do presidente Sarney, para quem o movimento foi como a "batalha de Itararé", aquela que não houve.
Rápida passagem pelos jornais e revistas das décadas de 1970 e 1980 trará à memória panorama dominado por milhares de paralisações, algumas em busca de melhores condições de trabalho, muitas com objetivos políticos.
Dez anos depois a CUT imobilizava a Petrobrás. Reportagem da revista IstoÉ estampava na capa: Greve - Querem Parar o País - A CUT de Vicentinho provoca o caos e tenta dobrar o governo (24/5/1995).
O uso abusivo de paralisações levou a sociedade a trocar o apoio àquilo que supunha ser instrumento de luta do operariado pela repulsa ao grevismo inconsequente. Deu-se conta de que estava diante de movimentos anárquicos que boicotavam o sistema produtivo, causando danos às empresas, aos trabalhadores e à população indefesa.
Cautelosamente, os empresários passaram a evitar regiões vítimas da maré de violência. São Bernardo do Campo, a cidade símbolo do novo sindicalismo, deixou de atrair investimentos, antigas indústrias partiram à procura de locais seguros e numerosos galpões foram relegados ao abandono.
Simultaneamente, a abertura do mercado interno, decretada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, permitiu a importação de veículos modernos, de melhor qualidade, a preços competitivos. Em poucos meses rodavam pelo Brasil automóveis e utilitários importados da União Soviética, do Japão, da Coreia do Sul e, mais recentemente, do México e da China. O impacto sobre as montadoras nacionais foi duro e imediato, obrigando-as a reduzir pessoal e investir na produção de novos modelos, sob pena de serem tragadas pela concorrência. Embora com atraso, os operários de São Bernardo deram-se conta das mudanças e reconheceram ser vital a adaptação às novas exigências, o que significa agir dentro das normas do Estado Democrático de Direito, substituindo a violência inútil pelo esforço de produção e negociações diretas.
A criação do Comitê Sindical de Empresa, encarregado da solução de conflitos nos locais de trabalho, é a mais notável contribuição oferecida pelos metalúrgicos do ABC paulista à necessária adequação das leis trabalhistas aos novos tempos.
A Constituição de 1988 e a Lei n.º 7.783/89 conferem tratamento equilibrado ao direito de greve no setor privado. Trabalhadores e patrões conhecem os limites a que estão sujeitos na esfera das relações de trabalho. Cumprir as normas legais não significa renunciar ao direito de greve, mas exercê-lo, como derradeiro recurso, no momento da negociação.
Apesar das lições do ABC, não foi erradicado o perigo de voltarmos ao grevismo irresponsável. Com as facilidades do regime democrático, e graças à legislação que perpetua diretores pelegos, algumas entidades terceirizam piquetes, abusam dos carros de som, bloqueiam portões, hostilizam e agridem quem deseja trabalhar.
Dirigentes pelegos não se preocupam com a manutenção das atividades industriais nos municípios que controlam, ou com o desaparecimento de postos de trabalho. É-lhes indiferente, também, precipitar trabalhadores em aventuras destinadas ao fracasso. Com o dinheiro da contribuição sindical e a arrecadação de taxas impostas a associados e não-associados, podem dar-se ao luxo de não trabalhar e impedir quem deseja fazê-lo.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo indica o caminho a ser seguido: conservar abertos os canais de diálogo por intermédio das comissões de fábrica e prevenir conflitos pela via da negociação, afastando a intromissão não desejada do Estado. Essa é a fórmula do sucesso, que deveria ser adotada pelos empregadores e entidades sindicais.
(*) É advogado, foi ministro do trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho e articulista de O Estado de S. Paulo.
Há 25 anos o Jornal da Tarde (25/5/1985) comentava a onda de greves que assolava o País. Em caixa alta estampava a manchete: A Cidade da Greve - São Bernardo, onde a diversão é olhar passeata na rua. Na opinião de Antonio Dalto, presidente do Clube dos Lojistas, expressa na ocasião, "greve agora é lazer por aqui; o pessoal sabe que vai ter passeata, todo mundo pra rua, olhar; sabe se vai ter assembleia no Estádio de Vila Euclides, todo mundo interessado, como se fosse assistir a um artista de televisão".
No mesmo mês, 370 funcionários da GM em São José dos Campos foram submetidos a cárcere privado durante 36 horas pelo Sindicato dos Metalúrgicos em greve (Folha de S.Paulo, 6/5/1985). A paralisação dos Correios, também em maio, recebeu ampla cobertura da imprensa. A direção da estatal usou a polícia para garantir o ingresso dos carteiros que desejassem trabalhar no Centro de Triagem Postal do Jaguaré, (Folha de S.Paulo, 12/5/1985).
Balanço realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo revelava que a greve de 53 dias nas montadoras e fábricas de autopeças causou prejuízos de 10 trilhões de cruzeiros e resultou na demissão de 5 mil operários (2/5/1985).
Atento ao problema, o então presidente José Sarney declarou à imprensa: "Na minha mão o poder civil não definhará, nem a anarquia substituirá o direito justo da tranquilidade pública" (Jornal do Brasil, 4/5/1985).
Em 21/10/1985 a Folha publicou editorial sob o título Grevismo inconsequente. Em 4 de novembro o Jornal da Tarde informou a paralisação de 550 mil operários em São Paulo, uma terça parte dos trabalhadores da indústria.
A greve geral, planejada para o final de 1986 pela CUT e pela CGT, malogrou, como registraram os jornais de 13 de dezembro. O caderno de Economia da Folha publicou em manchete: Greve fracassa, CUT e CGT trocam acusações. O Jornal do Brasil dizia: Greve não foi geral nem nacional. E o Estado noticiou a opinião do presidente Sarney, para quem o movimento foi como a "batalha de Itararé", aquela que não houve.
Rápida passagem pelos jornais e revistas das décadas de 1970 e 1980 trará à memória panorama dominado por milhares de paralisações, algumas em busca de melhores condições de trabalho, muitas com objetivos políticos.
Dez anos depois a CUT imobilizava a Petrobrás. Reportagem da revista IstoÉ estampava na capa: Greve - Querem Parar o País - A CUT de Vicentinho provoca o caos e tenta dobrar o governo (24/5/1995).
O uso abusivo de paralisações levou a sociedade a trocar o apoio àquilo que supunha ser instrumento de luta do operariado pela repulsa ao grevismo inconsequente. Deu-se conta de que estava diante de movimentos anárquicos que boicotavam o sistema produtivo, causando danos às empresas, aos trabalhadores e à população indefesa.
Cautelosamente, os empresários passaram a evitar regiões vítimas da maré de violência. São Bernardo do Campo, a cidade símbolo do novo sindicalismo, deixou de atrair investimentos, antigas indústrias partiram à procura de locais seguros e numerosos galpões foram relegados ao abandono.
Simultaneamente, a abertura do mercado interno, decretada pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, permitiu a importação de veículos modernos, de melhor qualidade, a preços competitivos. Em poucos meses rodavam pelo Brasil automóveis e utilitários importados da União Soviética, do Japão, da Coreia do Sul e, mais recentemente, do México e da China. O impacto sobre as montadoras nacionais foi duro e imediato, obrigando-as a reduzir pessoal e investir na produção de novos modelos, sob pena de serem tragadas pela concorrência. Embora com atraso, os operários de São Bernardo deram-se conta das mudanças e reconheceram ser vital a adaptação às novas exigências, o que significa agir dentro das normas do Estado Democrático de Direito, substituindo a violência inútil pelo esforço de produção e negociações diretas.
A criação do Comitê Sindical de Empresa, encarregado da solução de conflitos nos locais de trabalho, é a mais notável contribuição oferecida pelos metalúrgicos do ABC paulista à necessária adequação das leis trabalhistas aos novos tempos.
A Constituição de 1988 e a Lei n.º 7.783/89 conferem tratamento equilibrado ao direito de greve no setor privado. Trabalhadores e patrões conhecem os limites a que estão sujeitos na esfera das relações de trabalho. Cumprir as normas legais não significa renunciar ao direito de greve, mas exercê-lo, como derradeiro recurso, no momento da negociação.
Apesar das lições do ABC, não foi erradicado o perigo de voltarmos ao grevismo irresponsável. Com as facilidades do regime democrático, e graças à legislação que perpetua diretores pelegos, algumas entidades terceirizam piquetes, abusam dos carros de som, bloqueiam portões, hostilizam e agridem quem deseja trabalhar.
Dirigentes pelegos não se preocupam com a manutenção das atividades industriais nos municípios que controlam, ou com o desaparecimento de postos de trabalho. É-lhes indiferente, também, precipitar trabalhadores em aventuras destinadas ao fracasso. Com o dinheiro da contribuição sindical e a arrecadação de taxas impostas a associados e não-associados, podem dar-se ao luxo de não trabalhar e impedir quem deseja fazê-lo.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo indica o caminho a ser seguido: conservar abertos os canais de diálogo por intermédio das comissões de fábrica e prevenir conflitos pela via da negociação, afastando a intromissão não desejada do Estado. Essa é a fórmula do sucesso, que deveria ser adotada pelos empregadores e entidades sindicais.
(*) É advogado, foi ministro do trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho e articulista de O Estado de S. Paulo.
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