domingo, 15 de agosto de 2010

LA CONDAMINE

Márcio Souza (*)

O primeiro cientista importante a atravessar a Amazônia foi o francês Charles Marie de La Condomine. Era um típico sábio do século 18, meio cientista, meio soldado e meio aventureiro. Aristocrata, com amigos em altos postos, matemático, astrônomo e naturalista, num momento em que a ciência ganhava força e prestígio, um de seus contemporâneos escreveu que La Condamine reunia em sua personalidade a própria essência de um tempo marcado pelo fenômeno religioso, refinamento intelectual, extrema licenciosidade, sofisticação dos modos e brutalidade.

Nascido em 1701, em uma família de prestígio e que enriquecera com os lucros auferidos nos negócios que mantinha no Mississipi. Aos dezoito anos torna-se oficial do exército e participa de combates no norte da Espanha. Foi no cerco da cidade de Rosas que ouviu pela primeira vez sobre o Peru, os Andes e os Incas, em conversas com um oficial espanhol prisioneiro de guerra.

Quando deixou o exército dedicou a estudar matemática, astronomia, navegação, conquistando um posto da Academia de Ciência de Paris, aos vinte e nove anos. Participou de uma expedição científica à Costa Bárbara da África e se tornou amigo do filósofo Voltaire. Finalmente em 1742 a Espanha autorizou que cientistas franceses atravessassem seus territórios na América do Sul.

Uma expedição seguiria para o norte de outra para o sul. Um velho debate estava no centro dessas expedições. Isaac Newton afirmava que a terra tinha mais volume no equador que nos pólos, contrariando o cientista francês Cassini. O debate científico ganhou tintas nacionalistas entre ingleses e franceses e para acabar definitivamente com a teima era preciso realizar medições exatas do globo terrestre.

Para o norte rumavam os cientistas Clairault, Camus e Le Monnier, sob a direção do grande do grande matemático Maupertius, que mais tarde seria nomeado por Frederico, o Grande, da Prússia, Presidente da Academia de Ciências de Berlim. E para o sul, sob o comando de Charles Marie de La Condamine, que assumia posto graças ao prestígio de Voltaire e uma doação de 100 mil libras. O sábio estava com 34 anos.

Fica claro que La Condamine estava muito pouco interessado em refutar Isaac Newton. Fosse este o seu interesse principal, não teria sido necessário ir até o Peru, atravessar os Andes e navegar pelo rio Amazonas. Bastava que a expedição montasse sua sede em Cayene , possessão francesa, e ali fizesse as triangulações necessárias.

Mas o interesse francês era outro, o desejo era de entrar nos bem escondidos territórios espanhóis e portugueses da América, conhecer seus mistérios escondidos por mais de dois séculos. A expedição científica partiu para o Peru em 1755, mas não teve muita sorte. Nos sete anos de trabalho, cinco membros da equipe morreram em situação trágica e alguns outros enlouqueceram frente aos rigores da selva equatorial.

Para completar, os quatro primeiros anos de mensurações foram perdidos, já que a outra expedição, com menos atropelos, regressou a Paris com provas conclusivas de que Newton estava correto. Os remanescentes da expedição abandonaram La Condamine e regressaram à França, mas o sábio perseverou, havia muito o que analisar naquele pedaço fantástico do planeta. Praticamente repetindo a rota de Francisco Orellana, La Condamine se juntou ao jesuíta Maldonado e deixou a localidade de Tarqui e deslocou-se para Laguna, ainda no Equador, onde se une ao corpo da expedição.

La Condamine faz estudos e observações sobre os povos indígenas, a flora e a fauna, sempre maravilhado com a profusão de novidades apresentadas pela exuberante natureza tropical. La Condamine foi o primeiro cientista a fazer a descrição de várias espécies desconhecidas dos europeus até então, como os botos, o uso do curare e a borracha.

É também o primeiro a confirmar a existência de uma ligação entre a bacia do Orenoco e a do Amazonas, ligação esta que será usada, muito depois, pelo cientista alemão Alexandre Von Humboldt. La Condamine também se sentiu atraído pelo mito das Amazonas, relatado em cores dramáticas por Carvajal. Ele buscou de todas as formas maiores informações entre os índios e os missionários, convencendo-se da existência dessas extraordinárias criaturas.

(*) É amazonense, escritor, dramaturgo e articulista de a Crítica

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