sábado, 15 de maio de 2010

ANÁLISE DO EIA/RIMA DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE


Philip M. FEARNSIDE (*)

Em 22 de julho de 2009, o Presidente Lula afirmou que não vai empurrar goela abaixo a hidrelétrica de Belo Monte (Peduzzi, 2009). É fundamental o debate sobre esta obra: de como ela se insere em questões maiores sobre o desenvolvimento da Amazônia; o uso da energia do País para exportação de alumínio e outros produtos de alto impacto ambiental; e a maneira com que são tomadas as decisões.

I. A BELO MONTE COMO INDUTORA DA DESTRUIÇÃO DO XINGU

Nunca se deve perder de vista a questão das barragens planejadas a montante de Belo Monte. O plano original para o rio Xingu compunha um total de seis barragens, a maior sendo a hidrelétrica de Babaquara com 6140 km2, extensão duas vezes maior que Balbina ou Tucuruí (Brasil, ELETROBRAS, 1987). As cinco barragens acima de Belo Monte, sendo em grande parte em terras indígenas, foram vistas como politicamente inviáveis a partir de outubro de 1988, quando a nova Constituição exigiu a aprovação do Congresso Nacional para qualquer hidrelétrica em área indígena (Artigo 231, Parágrafo 3). E, sobretudo a partir de fevereiro de 1989, quando a manifestação de Altamira deixou claro o grau de resistência local a esses planos.

Após a manifestação de Altamira, menções às barragens a montante de Belo Monte sumiram do discurso público da ELETRONORTE, retornando em 1998, quando a hidrelétrica de Babaquara reapareceu repentinamente, com um novo nome (barragem de Altamira), listada no Plano Decenal de ELETROBRAS para o período 1999-2008, com sua conclusão prevista, na época, para 2013, ou sete anos após a conclusão prevista, na época, para Belo Monte (Brasil, ELETROBRÁS, 1998, p. 145).

Um estudo de viabilidade e um Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) foram preparados para Belo Monte em 2002 (Brasil, ELETRONORTE, 2002, s/d [2002]). No entanto, decisões judiciais impedirem que essa versão do EIA-RIMA fosse oficialmente entregue para aprovação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA. As versões de 2002, diferente dos planos dos anos 1980, excluíram do texto cálculos que incluíssem as barragens a montante. No entanto, o texto incluiu a menção explícita de que qualquer barragem a montante a Belo Monte aumentaria bastante a produção de energia da usina (Brasil, ELETRONORTE, s/d [2002], p. 6-82).

Os autores dos 36 volumes do atual EIA-RIMA (Brasil, ELETROBRAS, 2009) não mencionaram este detalhe, que diz respeito ao assunto mais básico da discussão sobre Belo Monte: se esta seria, de fato, a única barragem no rio Xingu. Os planos em 2002 foram para uma capacidade instalada de 11.181,3 MW, mas no próximo ano foram consideradas configurações da barragem com 5.500, 5.900 e 7.500 MW, para serem mais razoáveis com a vazão natural do rio Xingu, sem a regulação da vazão por meio de Babaquara/Altamira (Pinto, 2003).

No entanto, a barragem de Babaquara/Altamira continuou a ser incluída em apresentações dos planos do setor elétrico (e.g., Brasil, MME-CCPESE, 2002; Santos, 2004), e verbas foram incluídas no orçamento federal de 2005 para um estudo de viabilidade melhorado da barragem de Altamira/Babaquara.

Em 2005, o Congresso Nacional subitamente aprovou a construção de Belo Monte, sem debate e muito menos com consultas aos povos indígenas, como mencionado na Constituição. A facilidade com que a proteção da Constituição foi rompida no caso de Belo Monte levantou a possibilidade de contar com a regulação do rio Xingu com Babaquara/Altamira. Embora nenhuma conexão com Babaquara/Altamira seja admitida pelo setor, a evolução dos planos para Belo Monte seguiu exatamente como este autor previu (Fearnside, 2006a): os desenhos revisados com potências mais modestas para Belo Monte foram abandonados, com o plano atual até ultrapassando um pouco a potência prevista no plano de 2002, ficando em 11.233,1 MW.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) divulgou em 17 de julho de 2008 uma resolução dizendo que não seriam construídas mais hidrelétricas no rio Xingu, além de Belo Monte (OESP, 2008). Trata-se de uma notícia muito bem vinda, mas que pode ser revertida quando chegar o momento no cronograma para construir Babaquara/Altamira. Se for seguir o cronograma previsto no Plano Decenal 1999-2008, este momento chegaria sete anos após a construção de Belo Monte. Assim, há necessidade de uma ferramenta jurídica para que compromissos deste tipo (de não fazer determinadas obras) sejam feitos de forma realmente irrevogável.

A história recente do setor hidrelétrico na Amazônia não é promissora. Há dois casos documentados onde as autoridades desse setor diziam não dar continuidade a determinada obra devido ao impacto ambiental, mas na realidade, quando chegou a hora no cronograma, fizeram exatamente o que haviam prometidos não fazer. De fato, o que aconteceu seguiu os planos originais, sem nenhuma modificação resultante das promessas feitas por preocupações ambientais. Um caso foi o enchimento de Balbina, que era para permanecer durante vários anos na cota de 46 m acima do nível do mar, mas foi diretamente enchido, além da cota originalmente prevista de 50 m (Fearnside, 1989).

O outro caso foi Tucuruí-II, onde a construção foi iniciada em 1998, sem um EIA-RIMA, baseado no argumento (duvidoso) de que sua construção não ocasionaria impacto ambiental, por não aumentar o nível da água acima da cota de 70 m de Tucuruí-I, mas, na realidade, a partir de 2002 o reservatório simplesmente foi operado na cota de 74 m conforme o plano original (ver Fearnside, 2001, 2006a). Estes casos (Balbina e Tucurui-II) são paralelos a atual situação de Belo Monte e a promessa de não construir Babaquara/Altamira.

II. ESTRATÉGIA DE AVESTRUZ NA QUESTÃO DE “ENERGIA LIMPA‖

Hidrelétricas emitem metano, um gás de efeito estufa com 25 vezes mais impacto sobre o aquecimento global por tonelada de gás do que o gás carbônico, de acordo com as atuais conversões do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC). O EIA-RIMA de Belo Monte afirma que ―uma das conclusões principais dos estudos realizados até o momento indica que, em geral, as UHEs [Usinas Hidrelétricas] apresentam menores taxas de emissão de GEE [Gases de Efeito Estufa] do que as Usinas Termelétricas (UTEs) com a mesma potência‖ (Brasil, ELETROBRÁS, 2009, Vol. 5, p. 47). Infelizmente, pelo menos para a época dos inventários nacionais sob a Convenção de Clima (1990), todas as grandes hidrelétricas na Amazônia brasileira (Tucuruí, Samuel, Curuá-Una e Balbina) tinham emissões bem maiores do que a geração da mesma energia com termelétricas (Fearnside, 1995, 2002, 2005a,b). O EIA-RIMA afirma que ―o trabalho realizado no rio Xingu, na área do futuro reservatório do AHE [Aproveitamento Hidrelétrica] Belo Monte, aponta para a estimativa de emissão de metano de48 kg/km2/dia, da mesma ordem de grandeza que os reservatórios de Xingó e Miranda (Brasil, ELETROBRÁS, 2009, Vol. 5, p. 47). Xingó e Miranda são duas hidrelétricas não amazônicas que os autores calculam ter um impacto bem menor do que uma termoelétrica do tipo mais eficiente (Brasil, ELETROBRAS, 2009, Vol. 5, p. 48).

Os autores calculam essas baixas emissões de metano das hidrelétricas por ignorar duas das principais rotas para emissão desse gás: a água que passa pelas turbinas e pelos vertedouros. Essa água é tirada de uma profundidade suficiente para ser isolada da camada superficial do reservatório, e tem uma alta concentração de metano dissolvido. Quando a pressão é subidamente reduzida ao sair das turbinas ou dos vertedouros, muito desse metano é liberado para a atmosfera, como tem sido medido em hidrelétricas como Balbina, no Amazonas (Kemenes et al., 2007) e Petit Saut, na Guyana Francesa (Abril et al., 2005; Richard et al., 2004). O EIA-RIMA considera apenas o metano emitido na superfície do próprio lago, e nem menciona as emissões das turbinas e vertedouros.

A revisão da literatura incluída nos EIA-RIMA sobre emissões de gases por hidrelétricas está restrita aos estudos dos grupos ELETROBRAS e FURNAS, como se o resto do mundo não existisse (ver Brasil, ELETROBRAS, 2009, Vols. 5 & 8). A revisão é tão seletiva que não há a menor chance de ser explicado por omissões aleatórias. Apenas são mencionados trabalhos que não desmentem a crença dos autores do EIA-RIMA, de que as emissões de hidrelétricas são muito pequenas. Não é mencionado o corpo volumoso de pesquisa na hidrelétrica de Petit Saut, na Guyana Francesa, onde há uma série de monitoramento de metano bem mais completa do que em qualquer barragem brasileira (Galy-Lacaux et al., 1997, 1999; Delmas et al., 2004; Richard et al., 2004; Abril et al., 2005; Guérin et al., 2006).

Também não são mencionados os trabalhos do grupo que estuda o assunto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE (de Lima, 2002; de Lima et al., 2002, 2005, 2008; Bambace et al., 2007; Ramos et al., 2009), nem os estudos do grupo na Universidade de Quebec, no Canadá, que também estudou barragens amazônicas (Duchemin et al., 2000), nem os estudos do laboratório de Bruce Forsberg, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA (Kemenes et al., 2006, 2007, 2008; Kemenes & Forsberg, 2008), e, tão pouco, as minha próprias contribuições a essa área, também no INPA (Fearnside, 1995, 1996, 1997, 2002, 2004a,b, 2005a,b,c, 2006b,c, 2007, 2008a,b). Os resultados de todos esses grupos contradizem, de forma esmagadora, o teor da EIA-RIMA em sugerir que hidrelétricas têm pequenas emissões de metano.

A conclusão do grupo que assina a parte do EIA-RIMA sobre emissões supostamente modestas de metano pelas hidrelétricas tem sido desacreditada por observadores independentes no meio acadêmico, devido às obvias omissões da emissão pelas turbinas e vertedouros (Cullenward & Victor, 2006).

As Organizações Não Governamentais (ONGs) vão mais longe, com acusações explícitas de conflito de interesse (McCully, 2006). A essa altura, o grupo que assina a parte do EIA-RIMA sobre emissões não tem a menor desculpa para omitir as emissões das turbinas e vertedouros, sendo que o primeiro autor dessa parte do EIA-RIMA tem sido presente em múltiplas reuniões onde resultados que contradizem as suas conclusões foram apresentados, incluindo o evento da UNESCO em dezembro de 2007, ocorrido em Foz de Iguaçu, que é mencionando no EIA (Brasil, ELETROBRAS, 2009, Vol. 5, p. 50). Ele até tem o seu nome incluído na lista de autores de um trabalho sobre as emissões em Petit Saut no qual os dados desmentem frontalmente as conclusões dos grupos da ELETROBRÁS e FURNAS (Abril et al., 2005).

Fingir que emissões apenas ocorrem pela superfície do lago, sem considerar a água passando pelas turbinas e vertedouros, é uma distorção ainda mais grave no caso de Belo Monte do que para outras barragens, uma vez que a área do reservatório da Belo Monte é relativamente pequena, porém, com grande volume de água passando pelas turbinas. No caso de Belo Monte junto com Babaquara/Altamira, as emissões das turbinas são enormes, especialmente nos primeiros anos, e esse conjunto de barragens levaria 41 anos para começar a ter um saldo positivo em termos do efeito estufa (Fearnside, 2005c). Concentrar as análises de emissões das hidrelétricas apenas na superfície dos reservatórios, como foi feito no EIA-RIMA, é igual a não observar um elefante no meio de uma pequena sala, por fixar os olhos em um dos cantos da sala.

III. O CUSTO DE BELO MONTE

O custo de Belo Monte é um fator essencial no realismo, ou na falta de realismo, do cenário oficial de ter apenas uma barragem (Belo Monte) no rio Xingu. Estimativas atuais do custo para a implementação de Belo Monte variam de R$7 bilhões (estimativa do governo), a R$20-30 bilhões (estimativa de CPFL Energia) e R$30 bilhões (estimativa de Alstom) (Canazio, 2009). Vale à pena mencionar que há uma longa tradição em obras hidrelétricas, assim como em outros tipos de grandes obras, de ter custos reais muito além das previsões iniciais.

No caso de Belo Monte, grande parte da discussão omite muitos dos custos evidentemente necessários: linhas de transmissão, subestações, etc. Um estudo do Fundo de Estratégia de Conservação mostra a inviabilidade de Belo Monte sozinha, com apenas 2,8% de chance de compensar o investimento se forem consideradas as estimativas dos vários riscos, e um máximo de apenas 35,5% de chance de ser financeiramente viável se for usada no cálculo uma série de presunções otimistas (Sousa Júnior et al., 2006, pp. 72-74). O estudo conclui que o projeto anda em direção a uma ― crise planejada‖, onde, uma vez construído a Belo Monte, a necessidade de também construir a Babaquara/Altamira vai ser subitamente descoberta, e essa obra muito mais danosa vai, então, se concretizar. O mesmo cenário tem sido previsto por este autor há décadas (Fearnside, 1989, 1999, 2001, 2006a).

IV. O USO DA ENERGIA

A questão de qual uso vai ser feito da energia produzida deve ser a primeira pergunta a ser respondida, antes de se propor uma hidrelétrica. Neste caso, este aspecto não foi discutido e vem sendo apresentado de forma enganosa, implicando que a usina irá fornecer energia para os lares da população brasileira. De fato, o plano tem evoluído ao longo do planejamento da obra. Inicialmente, uma boa parte da energia gerada seria transmitida para São Paulo, incluída à rede de distribuição nacional. Os planos passaram a destinar a maior parte da energia para usinas de alumina e alumínio no próprio Pará, na medida em que ficou óbvio que o custo de linhas de transmissão até São Paulo seria excessivo, sendo que a produção em plena capacidade de Belo Monte (sem Babaquara) é de apenas 2-3 meses ao ano. O resto do tempo a linha de transmissão teria que ficar com energia reduzida, e durante vários meses ficaria sem energia alguma.

A solução encontrada é de ter uma linha de transmissão para a região Sudeste, com capacidade menor (e cujos detalhes e custos são ainda indefinidos). A mudança não só diminua o benefício social da energia, mas também aumenta o impacto ambiental. O plano original de transmitir o grosso da energia para o Sudeste casaria com o ritmo anual de geração de energia nas hidrelétricas daquela região, que é o inverso do ritmo do rio Xingu.

Quando as usinas do Sul-Sudeste produzem pouco, a diferença seria preenchida pela energia recebida de Belo Monte, assim evitando os custos e as emissões de gases de efeito estufa com geração com combustíveis fósseis. Porém, com a opção de usar a geração altamente sazonal de Belo Monte para abastecer usinas de alumina e alumínio, a Belo Monte acaba justificando a construção de grandes usinas termoelétricas em Jurití e Barcarena, para suprir energia às indústrias do setor de alumínio durante o resto do ano.

Assim as emissões de gases de efeito estufa aumentam ainda mais, além de consumir ainda mais dinheiro brasileiro. O grande beneficiário seria a China. Em negociações decorrentes de uma visita presidencial a China em 2004, foi acordada a implementação de uma usina sino-brasileira para alumina em Barcarena (PA), que se espera ser a maior do mundo quando finalizada (Pinto, 2004). A usina sino-brasileira (ABC Refinaria) espera produzir 10 milhões de toneladas de alumina anualmente, um marco originalmente previsto para ser atingido em 2010. Isto seria maior que a produção anual de 7 milhões de toneladas da empresa Nipo-brasileira (Alunorte) no mesmo local — um aumento enorme quando comparado à produção atual de Alunorte de 2,4 milhões de toneladas anuais (Pinto, 2005). Além disso, a empresa Alcoa, dos Estados Unidos, planeja usar energia transmitida de Belo Monte para produzir 800 mil toneladas de alumina anualmente em uma usina nova em Jurití (na margem do rio Amazonas em frente à foz do rio Trombetas).

A produção anual de alumínio da usina nipo-brasileira (Albrás) aumentaria de 432 para 700 mil toneladas (Pinto, 2005). Também são previstas expansão das usinas da Alcoa/Billiton (Alumar) no Maranhão e da usina CAN (Companhia Nacional de Alumínio), no Estado de São Paulo.

O setor de alumínio no Brasil emprega apenas 2,7 pessoas por cada GWh de energia elétrica consumida, um saldo infeliz que apenas perde para as usinas de ferro-liga (1,1 emprego/GWh), que também consomem grandes quantidades de energia para um commodity de exportação (Bermann & Martins, 2000, p. 90).

Diferentemente de produzir metais para o consumo dos próprios brasileiros, produzir para exportação é essencialmente sem limites em termos das quantidades que o mundo possa querer comprar. Portanto, não há limites sobre o número de hidrelétricas ― necessárias para essa exportação, a não ser que o País tome uma decisão soberana sobre quanto quer exportar desses produtos, se é que quer exportar uma quantidade qualquer. Até hoje, o assunto não foi discutido pela sociedade brasileira. Essencialmente, o resto do mundo está exportando os impactos ambientais e sociais do seu consumo para o Brasil, país que não só aceita, mas até subsidia e facilita a destruição que isto implica.

A atual história da indústria de alumínio deve deixar revoltado qualquer brasileiro que tenha um mínimo de senso patriótico (e.g., Bermann, 2003; Ciccantell, 2005; Monteiro & Monteiro, 2007; Pinto, 1997). O suprimento de energia para essa indústria de exportação, que é a principal razão da construção de Belo Monte, causa os mais variados impactos ambientais e sociais através da construção de hidrelétricas, além de requerer pesados subsídios de várias formas, especialmente a construção das barragens com o dinheiro dos contribuintes brasileiros, deixando as conhecidas faltas de recursos financeiros para saúde, educação e outros serviços governamentais.

O aumento da capacidade geradora com a construção de hidrelétricas é sempre apresentado como uma ―necessidade, fornecedora de energia para lâmpadas, televisores, geladeiras e outros usos nos lares do povo do País (e.g., Brasil, MME, 2009). Mal se menciona que grande parte da energia vai para alumínio e outros produtos eletro-intensivos para exportação, e que a energia já exportada anualmente em forma de lingotes de alumínio excede em muito a produção de qualquer uma das obras atualmente em discussão. O cenário de referência, ou ― linha de base‖, para a hipótese de não ter a hidrelétrica é sempre apresentado como sendo a geração da mesma energia com petróleo, nuclear, ou outra fonte indesejável. Mas no caso de Belo Monte, a alternativa real seria simplesmente não gerar a energia e ficar com menos exportação de alumínio (e de empregos) para o resto do mundo. Enquanto isso, poderiam ser realizadas aquelas discussões ainda inexistentes ou escassas sobre o desenvolvimento econômico da Amazônia, o uso da energia do País, e a maneira com que são tomadas as decisões.

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Foto: O autor do texto segurando a bandeira em defesa do Encontro das Águas contra a construção do Porto da Lajes.

(*) É pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) .

Um comentário:

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1. Argumentos falaciosos:
1 – Emissão de metano – igarapés, lagos, alagados, pântanos, banhados e charcos também emitem metano, assim como reservatórios de água, açudes e lagos de hidroelétricas, em escala mais ou menos moderada: vamos aterrá-los, todos? O argumento é sério? Se é, teremos que começar a aterrar tudo urgentemente.
2 – Utilização privilegiada por mineradoras da energia gerada : o sistema nacional é interligado e todos sabem disto. Os recentes apagões na região nordeste comprovam a necessidade de gerarmos mais energia, com alguma margem de sobra, já que chuvas são sazonais e as necessidades de desenvolvimento impõem que geremos mais energia barata e abundante.
3 – A construção de uma única usina no Rio Xingu foi um compromisso assumido oficialmente pelo governo do PT, do qual Dilma também faz parte. Supor que esse pacto poderá ser quebrado é como afirmar que Lula tentaria um terceiro mandato, mesmo ele negando peremptoriamente tal suposição reiteradamente publicada.
4 – Milhares de pessoas terão que ser deslocadas …. (ué, não é proibido pelo Código Florestal ocupar as margens de rios, entre 30 e 100 metros das margens, segundo a largura do rio?) – o reservatório ocupará espaço que já é ocupado pelas cheias do rio, na maior parte.
5 – Há formas mais racionais e limpas de gerar energia: nenhum país do mundo tem nas energias solar e eólica suas fontes principais, pois são sazonais e caras. São formas complementares, mas não são a base da matriz energética de nenhum país do mundo.
6 – Houve quatro audiências públicas locais para discutir o projeto, as quais as ongs estrangeiras e locais, aliadas a partidos emergentes, tentaram boicotar e agora dizem que ‘não houve discussão’, que o projeto é ‘autoritário’. Houve uma intensa batalha judicial – ganha pelo governo. Vamos aceitar o veredito, ou só o aceitamos quando é a nosso favor?
Obs.: Por que razão, em 2002/2003, as ongs tentaram impedir na justiça a conclusão dos estudos sócio-ambientais da FADESP- UFPA? Não precisa nem responder …