quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

APEGO DO POLVO AO PODER

Ellza Souza (*)

O discurso do mandatário do planeta Erbop mais parecia uma despedida. As palavras chaves eram esquerda, pobreza, controle, antes era assim e hoje é assado, cheguei onde cheguei, elite, liberdade. Dava para captar a emoção pelo trono perdido. A sensação é de que vou mas deixo meus ensinamentos, a minha cria. Não posso esquecer num de seus primeiros discursos há quase uma década a básica promessa de que não faltará comida em nenhum prato erbopiense. Cumprir pelo menos essa promessa já estaria de bom tamanho para encerrar bem um ciclo.

Escrevo como cidadã que faz questão de viver nesse exuberante país. Apesar de trabalhar, estudar, cumprir as minhas obrigações e respeitar o próximo, nesses últimos tempos fui empurrada para a classe C ou L não sei. Só sei que é uma classe dos carentes ou dos lisos para brincar um pouco com a situação. É fato a situação caótica das pessoas dessa classe. Não ter trabalho causa problemas mentais e emocionais. Ao procurar um médico no posto dificilmente você consegue atendimento. Para conseguir uma emergência para evitar a morte você precisa chegar de madrugada para pegar uma ficha. Os remédios “acabaram”. O hospital não tem leitos e isso é corriqueiro. É comum as pessoas dessa classe morrerem no corredor sem conseguir falar com o médico. Muitos prédios bonitos foram construídos e servem adequadamente a propagandas enganosas mas a saúde do erbopiense continua ruim. O equipamento enferrujado, material básico insuficiente, profissionais (atendentes e médicos) incompetentes.

Isso só na área da saúde. As outras áreas estão péssimas. Se a mensagem que passo aos jovens é de que “eu consegui você também consegue”. Conseguir sem estudar, sem esforço, só com uma boa garganta então estamos no caminho certo. Não vale mais a pena estudar e as escolas públicas estão às moscas. Por que a escola particular é atualmente um bom negócio? Não precisa ter estudado mas precisa pelo menos ter lido um bom livro para discernir que é por causa do ensino público ruim. Nem a classe dos L quer estudar num lugar de abandono e tristeza onde tudo pode acontecer. E para essa classe é só o que lhes resta. Falta o professor que tem mais o que fazer do que bater cabeça com jovens rebeldes, falta o aluno que vai aprender com outras galeras a maneira correta de se comportar. O gestor da escola nem se fala, está mesmo é preocupado com seus conchavos políticos e quer conseguir um lugar melhor onde não precise fazer nada e possa arrastar um “bolinho” dos recursos públicos muito mal administrados.

Talvez por viver num lugar onde a concorrência é mal vista, cada vez que me aproximo de uma prateleira de supermercado, me assusto. Que inflação é essa sob controle? Numa cidade que se gaba dos quase dois milhões de habitantes dos quais um milhão, novecentos e noventa e nove é da classe L, só existem dois supermercados que são donos dos preços altos, do mau atendimento, de produtos vencidos. Esse e outros desmandos significam falta de comando, de regras, de competência, de estudo, para gerir e entender a coisa pública e a privada. Mas esses mesmos hum milhão e tal prestam-se a votar no oba oba, no discurso engraçado, no trabalhador que chegou lá.

Trabalhador, que trabalhador? No discurso quase de despedida do mandatário de Erbop se falou em estado “indutor e controlador”. Essa fala parece dizer tudo o que representou nesses últimos anos de governo. Controle pelos incompetentes e pelo descaso. Não vi desenvolvimento, desculpem a minha ignorância. Esse negócio de cotas, “sou de esquerda”, filme de bonzinho, nunca dantes nesse Erbop havia visto. Sabia que existia mas camuflado agora está escancarado o preconceito, a separação, as diferenças. Quem é pobre é pobre mesmo. Quem é rico é rico mesmo. Meio termo pra que? E a bandidagem está no topo podendo comprar até a alma de sua mãe.

Vale a pena manter a classe L na mais completa dureza e na ignorância. Quem pode comprar um tambaqui a R$ 80, um abacaxi a R$ 4, um quilo de carne a R$ 20. Só mandatário e político. É pro parlamento que eu vou. Mas antes vou riscar do meu currículo tudo que aprendi. Vale agora ensinamentos que beiram a cara de pau, a bossalidade, a falta de ética, o apego ao poder.

O mandatário falou também em liberdade. Como isso é possível com o estado “indutor e controlador” que ele tanto apregoa. Fiquei burra, lesa e cada vez mais lisa nos últimos anos da minha existência. Da liberdade, porém, não abro mão. Preciso ser livre para expressar meu sentimento, a minha opinião., a minha aversão. Ainda acho que vale a pena ter esperança de um Erbop melhor.

(*) É escritora, jornalista e colaboradora do NCPAM/UFAM.

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