segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

POLÍTICA CULTURAL

Márcio Souza (*)

Em 15 de Janeiro de 1985, a ditadura militar chega ao fim, com a eleição de Tancredo Neves. Embora Tancredo não consiga tomar posse e venha a falecer, gerando uma enorme frustração nacional, é em seu governo que finalmente o Ministério da Cultura é criado. Seu sucessor, José Sarney, poeta e romancista, membro da Academia Brasileira de Letras, acreditou no novo ministério e chegou a nomear uma personalidade, o economista Celso Furtado, em cuja gestão se consolidou as principais estruturas administrativas do novo órgão.

Infelizmente a Nova República, como se convencionou chamar o primeiro governo civil em vinte anos, dava seus primeiros passos no terreno hostil e inflacionário da economia dos anos oitenta.

Este quadro de escassez de recursos, de inflação e descontrole monetário, não era exatamente ideal para o fortalecimento de um Ministério da Cultura, um terreno onde altos investimentos se faziam necessários, não apenas como forma de apoiar a produção cultural, mas especialmente para garantir o pagamento da dívida social que se acumulava no setor, onde estava sendo cavado uma espécie de abismo cultural e um processo de exclusão de massas populacionais inteiras.

É interessante observar o final dos anos 80, quando a capacidade de investimento do Estado se torna cada vez menor e se aguça a crise econômica, como as duas vertentes de política cultural, tão heterodoxas em suas origens, acabam por convergir, para dar corpo à idéia de que todos os recursos financeiros aplicados na Cultura não passam de gastos, de dinheiro desperdiçado, lançado a fundo perdido e com resultados duvidosos.

Na medida em que os artistas, saídos da experiência de resistir à ditadura militar, perfilavam sempre no lado oposicionista e de esquerda, os tecnocratas encarregados de montar o orçamento federal, todos sobreviventes da ditadura a que tinham servido com desvelo, logo encontraram uma forma de encolher o orçamento destinado aos órgãos da cultura. Do encolhimento orçamentário ao desejo de eximir o Estado de suas responsabilidades, jogando no colo do mercado e do empresariado a obrigação de investir em arte e cultura, foi um passo.

Em 1986 é criada a Lei Sarney, primeira legislação de incentivos fiscais, que veio marcar profundamente a vida cultural do país. Os limites e a participação relativa dos recursos de renúncia fiscal em relação ao orçamento efetivo do Ministério da Cultura é um assunto ainda por ser devidamente analisado. O problema é que nos anos 80, ao lado da instabilidade econômica, estava à ascensão da cultura de massas, a primazia da televisão e a quebra das hierarquias culturais.

O Brasil entrava nesse admirável novo mundo com algumas fraquezas e lastros até então ignorados. A parte fraca estava na credulidade dos intelectuais em se manter aferrado aos velhos dogmas simbólicos, por isso acabaram ou envergonhadamente aderindo ao sistema ou se transformaram em hipérboles da respeitabilidade conservadora. Os lastros resistentes são creditados, de um lado, à cultura popular, que no Brasil já se distanciara da cultura rústica desde os anos 30 e aprendera a se relacionar com a indústria cultural; de outro lado, à cultura da juventude, porque aos jovens só interessa a cultura das experiências compartilhadas, o que cultura de massas faz sem remorsos.

Mas voltemos a problematizar a questão institucional. Hoje não temos a censura, mas se de um lado conseguimos construir pela primeira vez na história desse país, um Estado sem nenhum mecanismo de censura, de outro lado avançamos muito pouco no esforço político de repor a Cultura no centro das decisões nacionais, fazendo-a política de Estado e vetor para o desenvolvimento social e econômico do país.

(*) É manauara, dramaturgo, escritor com reconhecimento internacional e articulista de a Crítica.

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