sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

AS SEMENTES DE DOROTI MUELER SCHWADE

Elisa Wandelli (*)

Morta por um AVC (acidente vascular cerebral) Doroti Mueler Schwade, na quinta-feira (2), esposa do guerreiro branco Egydio Schwade. O rito de passagem vem sendo celebrado na Igreja de sua comunidade, em Presidente Figueiredo (AM), cujo altar retrata uma enorme pintura do rosto mítico do guerreiro Maroaga, com lágrimas escorrendo devido à construção da BR 174 e da hidrelétrica de Balbina dentro do território Waimiri-Atroari, ameaçando de extinção, o seu combativo povo karib, testemunho vivo da história do nosso Amazonas, assim como Doroti e sua famíla, que muito representa para luta da soberania desses povos e da biodiversidade amazônica.

A indigenista, agroecologista e militante socioambiental Doroti Alice Mueler Schwade com sua sensibilidade e determinação é uma das grandes protagonistas de conhecimento para a sustentabilidade da Amazonia. ¨A índia-branca¨ Doroti, nasceu em Blumenau, SC, e veio para Amazônia nos anos 60, ainda muito jovem, pronta para lutar em defesa dos povos indígenas. Nesta luta social pela vida, cultura e autodeterminação, a jovem indigenista conheceu o militante social e religioso Egideo Schwade, com quem veio a se casar, e juntos plantaram alternativas para a soberania dos povos e para o respeito a todas as formas de vida na Amazônia.As sementes de amor e de sustentabilidade plantadas por Doroti Schwade não são contaminadas com agrotóxicos, herbicidas, inseticidas, não são transgênicas e nem precisam ser semeadas com adubos químicos.

As sementes de Doroti valorizam a vida, a soberania e organização dos povos. A força dessas mulheres em relação ao meio ambiente são regadas com a integração da sabedoria tradicional e popular e do conhecimento cientifico e muito amor.

Doroti transita com completo domínio entre o saber científico e o popular, sabe fazer uma inteligente sinérgica entre a ciência libertadora e as práticas tradicionais dos povos da Amazônia, transformando-se numa incansável educadora e construtora participativa de conhecimentos para a sustentabilidade das comunidades locais.

Doroti é uma grande experimentadora agroecóloga, compartilha seus conhecimentos com as comunidades amazônidas, os movimentos sociais e com os órgãos de pesquisa, extensão e ensino que buscam a sustentabilidade orgânica. Sua filosofia de uso dos recursos naturais, deorganização social, comunitária, de economia solidária e suas práticas agroecológicas, bem como centrada na criação de abelhas nativas no sítio da família Schwade-Mueller, em Presidente Figueiredo (AM), em parceria com os cursos da EMBRAPA, do INPA, da UFAM, IFAM e UEA que tratam da sustentabilidade rural.

Doroti nos ensina que a agricultura deve produzir vida e não a morte dos igarapés, a infertilidade do solo, o desmatamento das florestas, a perda do conhecimento tradicional e alimentos que degradam a saúde humana. Ensina-nos também que a verdadeira economia solidaria começa com a mesa farta, diversa e saudável de nossas famílias e de nossos vizinhos. Doroti nos alerta que povos soberanos se alimentam de seus produtos regionais, realizam agricultura sem dependência de agrotóxicos e adubos químicos, usam sementes que não perderam a capacidade de se multiplicar anualmente para enriquecer a indústria agroquímica e integram conhecimentos científicos e tradicionais em prol da qualidade de vida.

A "india branca" Doroti demonstra que apesar de sua dedicada militância e magistério em prol de um mundo melhor, a principal função social que homens e mulheres podem desempenhar para este fim é formar crianças éticas, humanitárias que valorizem a diversidade social e todas as formas de vida. Doroti e Egideo Schwade constituíram uma família com cinco maravilhosos filhos, todos cidadãos que sabem amar e respeitar e que constituem um exemplo para a transformação social e a qualidade de vida para sua comunidade e para a Amazônia.

Hoje, membros dos movimentos socioambientais, indígenas, feministas, agroecologistas, das pastorais sociais, os que constroem uma ciência libertadora, assim como as pessoas éticas, estão de luto pela passagem de Doroti Mueller Schwade. No entanto, todos temos muito a saudar e a agradecer pelo exemplo de vida e pela constante luta de Doroti em prol de um mundo justo e igualitário.

As homenagens estão sendo realizadas na Igreja de sua comunidade em Presidente Figueiredo, cujo altar consiste de uma enorme pintura do rosto do lendário cacique Maroaga com lágrimas escorrendo devido à construção da BR 174 e da hidrelétrica de Balbina dentro do território Waimiri-Atroari, ameaçando de extinção, o combativo povo Kiña. Os Waimiri-Atroaris e os demais povos da Amazônia perderam hoje uma grande aliada contra os impactos de obras faraônicas como a BR 174, BR 319, a hidrelétrica de Balbina, as hidrelétricas do Madeira e as do Xingu.

Consola-nos saber que entre as mais belas sementes de Doroti continua frutificando entre nós sua maravilhosa família cujos filhos, Adu, Ajuri, Maiká, Maiá, Luiz e o queridíssimo companheiro Egideo Schwade continuarão exercendo dignamente suas cidadanias e nos mostrando que uma outra Amazônia é possível.

(*) É Bióloga, Pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental e militante do Movimento Socioambiental na Amazônia.

2 comentários:

NCPAM disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
NCPAM disse...

Embora a morte celebral tenha sido anunciada no dia 02, somente no dia 03, foi atestada a morte de nossa companheira de luta e ideal, Doroti.Contudo para nós que a conhecemos e militamos juntos a sua presença sempre será lembrada contra os canalhas invasores que tudo fazem para depredar a nossa Amazônia.