Márcio Souza (*)A relação dos brasileiros com o Estado sempre foi paradoxal. O povo tem o Estado como algo mais que uma simples parte da cena política, o tem como uma entidade orgânica, concreta, que produz conseqüências individualizadas. Por isso, é relacionamento que não leva muito em condição o fenômeno de causa e efeito, transferindo para o Estado todo o tipo de fascínio e repulsa. Mas a história que emergirá daqui tem uma só força motriz, entender como o relacionamento do Estado com a Cultura produz fenômenos políticos.
Como esses fenômenos acabam por gerar problemas e de que forma esses problemas são solucionados. Neste quadro o relacionamento da Cultura com o Estado só poderá ser atribulado.De qualquer modo, é bom esclarecer desde logo que o Estado não é um agente solitário, que a edição de programas institucionais não são explicáveis pela simples redução ao próprio Estado. Há outros agentes em cena, e um dos mais ativos são os próprios artistas.
É claro que há sempre a tendência de afirmar que os estados podem tudo fazer, como se não fossem uma instituição multifacetada e permeável as influências externas. Por certo que o Estado age, mas ao codificar uma ação aparece moldada por diferentes forças sociais e históricas, fruto de conflitos e competições internas.
Por esta perspectiva, ninguém pode se eximir de responsabilidade. Uma política desastrosa somente se torna funcional com a aquiescência de alguns e a indiferença de outros. O que hoje pode aparecer como funcional ao sistema, foi muitas vezes mais resultado de um consenso, imposição pura e simples.
Este processo de troca entre Estado e sociedade é que vale a pena elucidar, para evitar maniqueísmos ao mesmo tempo em que se propõe uma aproximação sem pressupostos. O que se deseja apresentar aqui é um ensaio analítico de largos processos históricos, sabendo desde o princípio que esses processos raramente se deixam mostrar em sua total complexidade. Por tudo isto, entende-se aqui o conceito de Cultura não na amplitude antropológica, mas no restrito campo da produção artística, e poderemos apreciar melhor o desenrolar dessa história da atribuições.
Para começar , a Questão Cultural, das mesma forma que a Questão Social, tirando o plano do discurso retórico, no Brasil sempre esteve nas mãos da Polícia Política e não no primeiro escalão administrativo. Talvez por isso o esforço de compreensão sobre os mecanismos criados pelo Estado para intervir no campo cultural somente mereceu comentários tangenciais ou circunstanciais às contingências.
Explico-me: refletindo a tradição autoritária brasileira, os debates sobre a Cultura ou se referem aos temas aos temas da liberdade de expressão ou, nos instantes da trégua, ao problema do fomento à produção. No entanto, a história dos mecanismos criados pelo Estado brasileiro é uma questão importante pela própria questão , e porque está no centro de um emaranhado de problemas que rodeiam um imperativo óbvio: O Brasil necessita de uma política cultural nova e capaz de ajudar a construir uma Cultura democrática.
O emaranhado de problemas que o tema de Cultura e sua relação com o Estado suscitam, já foi apontado muitas vezes pelos principais teóricos da questão (Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, Cascudo, Carlos Guilherme Mota, Sérgio Miceli, etc.) e pela sensibilidade de muitos artistas conscientes.
O controvertido relacionamento do Estado com a Cultura no Brasil levanta perguntas bastante interessantes. Algumas dessas perguntas se relacionam com termas centrais, tais como o próprio caráter do Estado no Brasil e a significação da Cultura para a maioria, ou a questão da Cultura e a noção de identidade nacional. Outra, não menos interessantes, aponta para o lugar da Cultura no cenário político da nação
(*) É manauara, escritor, dramaturgo e articulista de a Crítica.
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