Márcio Souza*
Começo por duas afirmações necessárias. Não há uma literatura amazônica. E na origem, a Amazônia não era Brasil. No que diz respeito à primeira afirmação, o que há é uma literatura que se escreve na Amazônia, e que faz parte – quando merece - do corpus da Literatura Brasileira. Quanto à segunda afirmação, na verdade os portugueses tinham duas colônias na América do Sul. Uma descoberta por Cabral em 1500,que se chamava Vice Reino do Brasil. A outra se chamava Grão Pará, descoberta por Vicente Iañes Pinzon em 1498.
Esses dois Estados Coloniais se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o então Império do Brasil decidiu enviar mercenários ingleses para promover a invasão e a anexação do seu vizinho de língua portuguesa. A violência era naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias, a cultura e a economia dessas duas colônias. O Grão-Pará era um sonho de país independente e não uma fronteira econômica. E nem se chamava Amazônia: esta é uma invenção do Império que foi retomada pela República.
No Grão Pará a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente. Produzia objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, molas e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários. O marquês de Pombal nomeara seu próprio irmão, Xavier de Mendonça Furtado, para dirigir a colônia, com o intento de reter o processo de decadência do Império português que dava mostras de ser incapaz de acompanhar a evolução do capitalismo da I Primeira Revolução Industrial.
Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor do que nos outros lugares.
O Grão-Pará desfrutava, além disso, de uma cultura urbana bastante desenvolvida, com Belém construída para ser a capital administrativa. Ou a sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que conheceu um importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual recorrera-se ao arquiteto e urbanista de Bolonha, Antônio José Landi. Em compensação, a colônia chamada Vice Reino do Brasil dependia amplamente da agricultura e da agroindústria, tendo, portanto uma forte proporção de mão-de-obra escrava. Em meados do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto o Brasil conseguem criar uma forte classe de comerciantes, bastante ligados à importação e exportação, senhores de grandes fortunas e bastantes autônomos em relação à Metrópole.
Mas enquanto os comerciantes do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime da escravidão, os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos extrativos, especialmente o tabaco e a castanha-do-pará.
A invasão e a anexação do Grão-Pará marcaram o começo de um novo processo e provavelmente, aos olhos das elites do Rio de Janeiro, só poderia ser a força. Para as elites do Grão-Pará, íntimas dos ideais da Revolução Francesa, adquirida na tomada e ocupação de Caiena, logo perceberam que a via da república era mais adaptada à América que um regime monárquico. Os ministros do jovem e impetuoso Imperador brasileiro não podiam admitir tal coisa.
E entre 1823 a 1840, o que vai se ver é um processo de provocação deliberada seguida pôr uma severa convulsão social e a conseqüente repressão. Se me permitirem a comparação audaciosa, foi como se a Guerra da Secessão nos Estados Unidos tivesse sido vencida pelo Sul atrasado e escravagista. Com a guerra civil e a repressão a Amazônia perdeu 40% dos seus habitantes. A anexação destruiu todos os focos de modernidade. Entre o Império e as oligarquias locais, nenhum diálogo era então possível.
*Escritor amazonense ganhou reconhecimento internacional pela originalidade de suas obras, que passaram a ser traduzidas em diversos países do mundo: “Galvez, Imperador do Acre”, “Mad Maria” e tantas outras. http://www.marciosouza.com.br/
Começo por duas afirmações necessárias. Não há uma literatura amazônica. E na origem, a Amazônia não era Brasil. No que diz respeito à primeira afirmação, o que há é uma literatura que se escreve na Amazônia, e que faz parte – quando merece - do corpus da Literatura Brasileira. Quanto à segunda afirmação, na verdade os portugueses tinham duas colônias na América do Sul. Uma descoberta por Cabral em 1500,que se chamava Vice Reino do Brasil. A outra se chamava Grão Pará, descoberta por Vicente Iañes Pinzon em 1498.
Esses dois Estados Coloniais se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o então Império do Brasil decidiu enviar mercenários ingleses para promover a invasão e a anexação do seu vizinho de língua portuguesa. A violência era naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias, a cultura e a economia dessas duas colônias. O Grão-Pará era um sonho de país independente e não uma fronteira econômica. E nem se chamava Amazônia: esta é uma invenção do Império que foi retomada pela República.
No Grão Pará a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente. Produzia objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, molas e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários. O marquês de Pombal nomeara seu próprio irmão, Xavier de Mendonça Furtado, para dirigir a colônia, com o intento de reter o processo de decadência do Império português que dava mostras de ser incapaz de acompanhar a evolução do capitalismo da I Primeira Revolução Industrial.
Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor do que nos outros lugares.
O Grão-Pará desfrutava, além disso, de uma cultura urbana bastante desenvolvida, com Belém construída para ser a capital administrativa. Ou a sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que conheceu um importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual recorrera-se ao arquiteto e urbanista de Bolonha, Antônio José Landi. Em compensação, a colônia chamada Vice Reino do Brasil dependia amplamente da agricultura e da agroindústria, tendo, portanto uma forte proporção de mão-de-obra escrava. Em meados do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto o Brasil conseguem criar uma forte classe de comerciantes, bastante ligados à importação e exportação, senhores de grandes fortunas e bastantes autônomos em relação à Metrópole.
Mas enquanto os comerciantes do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime da escravidão, os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos extrativos, especialmente o tabaco e a castanha-do-pará.
A invasão e a anexação do Grão-Pará marcaram o começo de um novo processo e provavelmente, aos olhos das elites do Rio de Janeiro, só poderia ser a força. Para as elites do Grão-Pará, íntimas dos ideais da Revolução Francesa, adquirida na tomada e ocupação de Caiena, logo perceberam que a via da república era mais adaptada à América que um regime monárquico. Os ministros do jovem e impetuoso Imperador brasileiro não podiam admitir tal coisa.
E entre 1823 a 1840, o que vai se ver é um processo de provocação deliberada seguida pôr uma severa convulsão social e a conseqüente repressão. Se me permitirem a comparação audaciosa, foi como se a Guerra da Secessão nos Estados Unidos tivesse sido vencida pelo Sul atrasado e escravagista. Com a guerra civil e a repressão a Amazônia perdeu 40% dos seus habitantes. A anexação destruiu todos os focos de modernidade. Entre o Império e as oligarquias locais, nenhum diálogo era então possível.
*Escritor amazonense ganhou reconhecimento internacional pela originalidade de suas obras, que passaram a ser traduzidas em diversos países do mundo: “Galvez, Imperador do Acre”, “Mad Maria” e tantas outras. http://www.marciosouza.com.br/
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