sexta-feira, 17 de abril de 2009

ANÁLISE DO NOTICIÁRIO DA CÂMARA SOBRE O PORTO DAS LAJES

O fato jornalístico em sua leitura traduz variadas interpretações que podem abrigar interesses e valores para o cumprimento de determinados fins.

Ademir Ramos*

Há muito anos registro a tensão vivida entre os jornalistas de redação e as assessorias de imprensa, em particular, das Casas Legislativas do Estado. As razões são múltiplas, mas se tiver errado podem atirar pedras. No entanto, farei um pequeno recorte para analisar e, sobretudo, compreender a produção dos textos de dois tarimbados jornalistas de batente referente à cobertura da Audiência Pública ocorrida na Câmara Municipal de Manaus (CMM), na quinta-feira (16) passada relativo à pretensa construção do Porto das Lajes, na confluência do Encontro das Águas, na Zona Leste de Manaus; ambos são meus amigos de muitas datas, Gabriel Andrade e Isaías Oliveira e todos dois são competentes profissionais do campo redacional de reconhecido valor na imprensa local.

No entanto, o fato jornalístico em sua leitura traduz variadas interpretações que podem abrigar interesses e valores para o cumprimento de determinados fins. Por isso, a neutralidade é descartada nesse campo de força, permitindo que se questione diretamente o texto e conseqüentemente a leitura construída pelo autor quanto à trama que fora trabalhada referente à informação e a versão que o jornalista releva em noticiar o fato.

Como objeto de análise recorro ao institucional, o noticiário da CMM postado em sua página eletrônica do dia, sob a responsabilidade dos jornalistas referenciados acima. Ademais, como não estou em Manaus e não estive presente na Audiência Pública, desconheço a versão da imprensa local, valendo-me apenas da leitura de uma fonte instituível, o PICICA – Blog do Rogeliocasado – para formular alguns questionamentos quanto à interpretação do fato.

O PICICA noticia que: “desde as duas horas da tarde, a Câmara Municipal de Manaus realiza audiência pública sobre a construção do Porto das Lajes. Presentes vários vereadores, membros do movimento SOS Encontro das Águas, além de membros da comunidade do Aleixo. A iniciativa foi do vereador Marcelo Ramos, do PC do B. No flagrante fotográfico acima, o representante do IPAAM relata quais os procedimentos que envolvem a concessão de licença para estudos de impacto ambiental. Até a presente data não foram apresentados os complementos de estudos solicitados pelo órgão licenciador, após a apresentação do relatório inicial. Antes dele houve a apresentação do ponto de vista da empresa Log-In Intermodal, e em seguida pronunciou-se o padre Orlando Barbosa, que atua na comunidade do bairro Antônio Aleixo e faz parte do movimento SOS Encontro das Águas”.

No noticiário da CMM, postado às 15h57, o jornalista Gabriel Andrade apresenta versão do fato excluindo as manifestações dos atores comunitários e das representações das Organizações Sociais, dando ênfase somente a fala do diretor da empresa Lajes (Log-In) Logística S/A, Lauritis Hausen, embora registre no corpo da matéria a presença dos mesmos, sem voz e sem direito ao contraditório. No pé de página, entre parênteses, o jornalista convida o leitor a ficar atento para a postagem de novas notícias sobre a audiência, o que realmente foi feito, silenciando as lideranças sociais.

Eis a matéria em foco: “estão participando do debate vários vereadores e representantes de entidades da sociedade civil organizada, como o Clube de Dirigentes Lojistas, Federação das Indústrias, prefeitura de Manaus, Assembléia Legislativa, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas e, ainda, Arquidiocese de Manaus e movimentos populares, além do diretor da Lajes Logísticas S. A., Lauritis Hausen.

Ao abrir a sessão, Marcelo Ramos disse que não há desenvolvimento econômico sem prejuízos ambientais, por isso é preciso garantir medidas compensatórias para a comunidade, e propôs a visita de uma comissão de vereadores ao local.

O primeiro palestrante foi o diretor da empresa responsável pela construção do porto. Lauritis Hausen justificou que não compareceu à primeira reunião convocada pela CMM porque a empresa ainda está complementando estudos solicitados pelo Ipaam. Mesmo assim, ele apresentou conceitos e linhas gerais do projeto.

Segundo Hausen, a empresa é sócia do grupo Simões, que atua há mais de 40 anos no Amazonas. Ele disse ainda que a obra vá movimentar R$ 200 milhões, gerar 600 empregos diretos na fase de implantação e 200 outros quando construída, o que ele acha importante no momento em que o país enfrenta reflexos de crise econômica mundial. Hausen descartou o perigo de danos ambientais causados pelo empreendimento e ressaltou as vantagens que o novo porto trará para o desenvolvimento econômico do Estado.

Ele garantiu que o porto estará abaixo do Encontro das Águas e irá diminuir riscos de navegação numa extensão de mais de dez quilômetros, evitando que os navios naveguem perto das balsas que servem à rodovia BR-319, ou dos portos da refinaria, do Comando Naval e de outros portos comerciais particulares.

Na visão do empreendedor, a construção do porto próximo do Distrito Industrial evitará também o tráfego de caminhões e carretas pelo centro da cidade, o que representa ganho para a cidade. ‘O projeto é sustentável, está sendo implantado numa área de mata secundária que foi fazenda de criação de gado, ocupará apenas 156 mil metros quadrados em terreno de mais de 600 mil metros quadrados, o que significa que mais de 70% da área ficará intacto’, informou o empresário.

Segundo Lauritis Hausen, o projeto terá estação de tratamento de esgoto, sistema de prevenção e controle de vazamento de óleo, neutralização de emissões de carbono compensando emissões de gases de efeito estufa, um parque botânico, um centro de educação ambiental e de pesquisa ambiental para produção de mudas para reflorestamento e incentivo à produção de conhecimento sobre meio ambiente e preservação florestal.

‘Não haverá agressão ao meio ambiente nem à paisagem, nem existe o risco de interferência com o micro-sistema ecológico do Lago do Aleixo’, garantiu, lembrando que nas proximidades existem outros portos em funcionamento, além do mirante da Embratel e outras construções na orla do rio e próximas ao Encontro das Águas.

(Aguarde mais notícias sobre a audiência que discute a construção do Porto das Lajes)”.

O PICICA noticia ainda que: “a audiência pública sobre a construção do Porto das Lajes quase todos os vereadores se fizeram presentes. Muitos reagiram ao modo ofensivo com que foi tratada a inteligência dos amazonenses, tamanho o empenho dos empreendedores em desinformar a população. O vereador Dr. Denis, do PTB, parabenizou o vereador Marcelo Ramos pela iniciativa de provocar o debate. A vereadora Glória Carrate manifestou sua indignação pela maneira como empreendedores conduziram o debate, em franco desrespeito a todos os presentes, especialmente os comunitários”.

No entanto: o leitor fica no aguardo do noticiário oficial, matéria esta que só será postada às 17h57, assinada pelo jornalista Isaías Oliveira, que noticia apenas a fala dos vereadores, deixando de fora as vozes dos comunitários e das organizações sociais como fez Gabriel Andrade, em texto anterior.

Assim sendo: “ao fazer intervenção durante a audiência pública na Câmara Municipal, nesta quinta-feira, 16, para debater a construção do Porto das Lajes, o presidente da casa, Luiz Alberto Carijó (PTB), previu que a audiência será o ponto de partida para a revisão do Plano Diretor de Manaus, uma vez que o debate em andamento envolve não somente aspectos ambientais, mas a relação entre progresso e responsabilidade social.

- A partir de hoje os projetos suscetíveis de causar impactos ambientais e sociais devem ser debatidos com a salvaguarda desta casa -, disse o vereador. Segundo ele, o momento da discussão política na Câmara é impar, porque proporciona o debate da relação do progresso com o desenvolvimento sustentável, envolvendo os atores do capital e do trabalho, e a representatividade política da sociedade. Carijó pediu equilíbrio na condução da questão, porque os empresários, que geram emprego, também são parte da população da cidade.

O presidente da Câmara defendeu o aprofundamento nas questões técnicas do projeto para que o assunto não continue a ser discutido sem conhecimento. ‘A nossa responsabilidade é muito grande e não podemos deixar este assunto ser discutido em uma só audiência’, afirmou Carijó, lembrando que é na Câmara que se decide o futuro da cidade. - Precisamos ter o respeito devido para com esta casa e fazer valer a nossa prerrogativa de legisladores em todas as questões relativas a esse futuro -, concluiu.

Os vereadores Leonel Feitoza (PSDB), Hissa Abrahão (PPS) e Glória Carrate (PMN) se posicionaram em defesa das comunidades do entorno do projeto do novo porto e da preservação ambiental do Encontro das Águas. Arlindo Junior (PMDB) disse que não iria fazer cavalo de batalha na questão, mas ficaria do lado da população, da seriedade e do que é certo.

Wilton Lira (PTB) lembrou as agressões que vem sendo praticadas ao meio ambiente urbano de Manaus e pediu maiores esclarecimentos em relação ao impacto sobre o Encontro das Águas. Ele deixou perguntas inquietantes: o projeto prevê viveiros de peixes amazônicos para repovoar o lago, haverá fiscalização nos navios para não provocar danos ambientais pelas espécies diferentes trazidas nos lastros que possam causar desequilíbrio nos rios amazônicos, como fizeram estudo de impacto ambiental em dois ou três meses se sabemos que o regime dos nossos rios é anual?

O PICICA informa também que: “o vereador Elias Emanuel (...) lembra que a Câmara já legislou sobre a construção de portos na cidade de Manaus: face ao impacto no sítio urbano situado entre a praia da Ponta Negra e o bairro do Educandos, a lei só permite a construção de portos a partir do bairro dos Buritis. De modo geral, os parlamentares manifestaram-se em defesa do Encontro das Águas, patrimônio dos amazonenses, a exemplo do pronunciamento do vereador Leonel Feitoza. O parlamentar lembra as promessas feitas durante a construção do porto de Itacoatiara para escoamento da soja, que resultou em poucos empregos. Lamentou, ainda, o preço que a cidade pagou pelo ‘progresso’, ao se verificar a poluição dos igarapés da cidade de Manaus. O vereador Mario Frota invoca o turismo como estratégia econômica das mais relevantes para o estado do Amazonas para a qual o Encontro das Águas não pode sofrer a agressão que sobrevirá com a construção do Porto das Lajes. O parlamentar cobra um pronunciamento do governador do Estado e do prefeito municipal”.

Considerações finais: tanto a CMM como o PICICA silenciou às lideranças comunitárias
e as vozes das organizações sociais. No entanto, o enfoque das matérias é bastante diferente, em se tratando da pretensa construção do Porto das Lajes na confluência do Encontro das Águas. Sem a versão do PICICA, a compreensão do leitor seria estropiada. O fato é que tanto o noticiário institucional quanto o instituível fundamentaram suas versões no valor da representação parlamentar. Contudo, a diferença se faz a partir do recorte do discurso em relação ao interesse dominante privatista versus ao interesse público e social. Eis a razão de se cobrar dos Agentes Públicos uma manifestação clara e objetiva, contrariando a postura dos governantes que imputam ao mercado a medida de todas as coisas. Aliás, esta conduta tem sido a razão da grande crise, o que pode resultar em perdas irreparáveis para o patrimônio natural originado da fauna e flora amazônica, representando saque e desperdício da nossa riqueza por razões oportunistas incentivado por um modelo de desenvolvimento predador, que aliena o homem e o meio ambiente para satisfação dos aventureiros e dos corruptos palacianos.

* Professor, Antropólogo e Coordenador Geral do NCPAM do Departamento de Ciências Sociais da UFAM.
Foto: Rogelio Casado

Um comentário:

Anônimo disse...

Os poderosos sempre tem como manipular a mídia, e dar seu parecer sobre o que bem entenderem.
Dessa forma, como uma casa (CMM) que é vinculada diretamente e que tem suas regalias bancadas muitas vezes pelos detentores desse poder poderá fornecer informações que venha ferir seus mantenedores.
A mídia é suja, e principalmente os meios mídiaticos da política, e em Manaus não seria diferente, já perpetua-se a politica das oligarquias e coronéis de barrancos empoderados e cauterizados no poder no Estado.
Como ir contra essa maré e ferir seus interesses, somemte um "louco"* para colocar em risco sua carreira e relata ao público o que de fato acontece nos bastidores do poder.
*= Loucura neste caso está diretamente vinculada a honestidade e transparência, já que hoje rimos de quem é honesto e fala a verdade.
Um espaço democrático como este blog é fundamental para que estejamos a par do que realmente acorre na politica e sociedade do amazonas, já que estes loucos professores e pesquisadores são os poucos que restam por essas bandas.