quinta-feira, 2 de abril de 2009

VINTE ANOS

Se hoje eu tivesse vinte anos, não ficaria omisso. Quanto maior fosse meu descontentamento, maior seria meu envolvimento. Faria política, seria um revolucionário, lutaria para fazer a revolução, porque essa é a única forma de mudar um país. E faria isso dentro da democracia, por meio da educação, escolheria candidatos e lutaria por eles, ou seria eu próprio um jovem candidato.

*Cristovam Buarque

Se hoje eu tivesse vinte anos, faria o mesmo que fiz quanto tinha essa idade, em 1964. Ingressaria em um partido ilegal, porque não acreditaria nos que estão aí; não me candidataria, pois não teria orgulho de qualquer cargo; defenderia o voto nulo, já que não acreditaria em qualquer candidato; lutaria para retomar a democracia, pois estaria desconfiado da atual; propor-me-ia a fazer uma revolução, porque não estaria contente nem com o Brasil do presente nem com o previsível no futuro.

Mas tenho muito mais do que vinte anos, e sou obrigado a dizer que esse não seria o caminho certo para hoje.

Depois de um esforço de duas décadas, não devemos desprezar a democracia que conquistamos, mesmo com todos os defeitos que ela ainda apresenta. O que está em jogo não é, como nos meus vinte anos, o direito de falar e votar, mas o que propor, o que fazer. Não é poder fazer política, mas o que fazer na política. Se eu tivesse vinte anos hoje, escolheria lutar pela revolução que o mundo precisa fazer no século XXI: a revolução que ofereça a mesma chance entre gerações, com desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente (assunto que não existia nos meus vinte anos); e a mesma chance entre classes sociais, com uma escola igual para todos – algo que, presos ao socialismo, sequer considerávamos nos meus vinte anos. Eu seria militante da causa revolucionária de colocar os filhos dos trabalhadores mais pobres na mesma escola dos filhos dos mais ricos patrões. Ensinando-lhes o amor ao País, a necessidade da igualdade de oportunidades para todos os brasileiros, o respeito à natureza, um ofício para construir um Brasil melhor.

Quanto aos políticos atuais, lembro-me que foram (fomos, também sou um deles) escolhidos em eleições democráticas, nas quais o eleitor – inclusive o leitor deste artigo – pôde fazer sua escolha. Situação muito diferente daquela dos meus vinte anos. A cada quatro anos, temos chance de mudar todos os eleitos. Nenhum tendo sido cassado ou imposto por ditadores.

Quanto aos partidos, é certo que em quase nada se diferenciam entre si, tanto nas propostas quanto no comportamento. O próprio Presidente diz que é preciso fazer saladas de partidos para podermos governar; mesmo assim, há um leque tão grande de opções que é possível encontrar diferenças, ainda que sutis. Além do mais, é possível criar novos partidos, com total liberdade.

Se tivesse vinte anos, seria um educacionista e não teria alternativa, a não ser ingressar no mundo da política legal, partidária. Apesar do meu descontentamento com os políticos e partidos atuais, lutaria por meu país dentro de algum partido.
Lutaria para mudar os políticos; se nenhum merecesse meu apoio, lutaria para derrotar todos na eleição seguinte. Mas não defenderia mais o voto nulo, como fiz nos meus vinte anos, durante a ditadura que tutelava a política. Se fosse preciso, seria candidato também. Porque não é a democracia que está errada, não é a política que está errada, são os eleitos que não atendem às nossas expectativas.

Quando, depois de nove anos no exterior, escolhi Brasília para morar, e aqui cheguei há trinta anos – no dia 15 de março de 1979 –, não pensava em ser candidato a qualquer cargo. Tanto que escolhi esta cidade, onde não havia eleição para deputado federal ou distrital, nem senador, nem governador, prefeito, vereador. Vim para ser professor e fui envolvido pela política. Não nego as frustrações do dia-a-dia dessa atividade. Não nego o sentimento de tempo perdido pelos livros não lidos ou não escritos, e por limitar minha atividade docente na UnB a somente uma aula por semana. Mas tenho a satisfação de dizer que, na minha atividade política, transformei idéias de livros em leis no Diário Oficial. Por programas e leis, que implantei ou aprovei, como governador ou senador, pude mostrar que é preciso e é possível mudar o Brasil, fazer uma revolução na educação e pela educação. Mas, sobretudo, posso dizer que não fiquei omisso.

Se hoje eu tivesse vinte anos, não ficaria omisso. Quanto maior fosse meu descontentamento, maior seria meu envolvimento. Faria política, seria um revolucionário, lutaria para fazer a revolução, porque essa é a única forma de mudar um país. E faria isso dentro da democracia, por meio da educação, escolheria candidatos e lutaria por eles, ou seria eu próprio um jovem candidato.

É certo que, com a idade, a gente muda. Talvez eu tenha ficado velho, mas o Brasil também mudou. E o que eu pensava no passado pode ter ficado velho também.

*Senador da República e professor da UNB

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense

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