quinta-feira, 30 de abril de 2009

OS NOVOS RUMOS DA LITERATURA AMAZONENSE

Durante tanto tempo ocupada em retratar, principalmente, o universo do ribeirinho, do caboclo ou do indígena e suas angústias na luta de sobrevivência frente à floresta amazônica, como fez com tanta maestria pelo natural de manicoré Arhur Engracio, e alcançou o seu ápice em rigor estético com o português Ferreira de Castro, foi nada mais que uma arte fruto de uma estrutura social “ruralizada” e tradicional outrora predominante na Amazônia. Mas esse tema, que para muitos foi alvo de preconceito, tem perdido cada vez mais importância, ou pelos menos cada vez de dividir seu espaço com uma literatura mais urbana (como disse o escritor Max Carpentier), que só agora ganha mais espaço em nossa cena literária.

Ricardo Lima*

Karl Marx, no seu magistral A Ideologia Alemã, ao analisar como as estruturas econômicas exerciam uma influência avassaladora sobre a mentalidade dos indivíduos, produziu uma teoria de tamanho impacto sobre o século XX que boa parte dos sociólogos a partir dele se ocuparam em negar ou ratificar suas idéias.

De fato, as condições econômicas influenciam a vida espiritual de um povo, muito embora o fator econômico não seja determinante. Isso Marx já afirmara no Capital. Infelizmente muitos daqueles que tanto criticarem-no tenham esquecido, ou mesmo desconheça por completo, que ele tenha, na sua obra mais importante, reformulado muitas das idéias do materialismo histórico.

Quando se fala em vida espiritual, não se engloba apenas a concepção de religião ou as crenças morais, se inclui também a produção intelectual, a arte e, portanto, a literatura. Então, tomando esse direcionamento, o escritor, como qualquer outro cidadão, é alguém que sente a angustia, as aspirações e idéias de seu tempo, ou seja, é influenciado por esta “produção material” que Marx descobrira; um dos fatores que impulsiona a evolução do fazer literário é a dialética da sociedade, tendo por conseqüência nestes homens, escritores e sujeitos da história, a ânsia por resolver e entender a dinâmica do meio onde vivem, e não simplesmente uma necessidade de superar seus mestres, como afirma o teórico literário Harold Bloom; que o diga então Emile Zola, que tentou criar uma escola literária capaz de equipara-se ás conquistas científicas de seu tempo, o resultado foi o Naturalismo.

Mas onde pretendo chegar com essa explanação é decifrar o novo rumo que a literatura amazônica está tomando; durante tanto tempo ocupada em retratar, principalmente, o universo do ribeirinho, do caboclo ou do indígena e suas angústias na luta de sobrevivência frente à floresta amazônica, como fez com tanta maestria pelo natural de manicoré Arhur Engracio, e alcançou o seu ápice em rigor estético com o português Ferreira de Castro, foi nada mais que uma arte fruto de uma estrutura social “ruralizada” e tradicional outrora predominante na Amazônia. Mas esse tema, que para muitos foi alvo de preconceito, tem perdido cada vez mais importância, ou pelos menos cada vez de dividir seu espaço com uma literatura mais urbana (como disse o escritor Max Carpentier), que só agora ganha mais espaço em nossa cena literária.

O progresso, esta força inexorável, que destrói as antigas relações de produção para criar uma outra, racional e competitiva, recomeçou no Amazonas, depois de décadas de torpor após a decadência da borracha, nos anos sessenta. As condições materiais de existência, em constante urbanização, “em suas disparidades e antagonismos” (para usar uns termos de Octavio Ianni), chama cada vez mais atenção desses escritores, principalmente os da nova geração. Os temas típicos de grandes metrópoles, crimes, narcotráfico, desemprego, a miséria das periferias — no nosso caso a problemática das invasões... O desespero do cidadão frente a um modelo social que tende a relegá-lo ao anonimato, estranho tanto para com os outros quanto para consigo mesmo, incapaz de gerir relações com base emocional, enfim, o homem que estes novos escritores, enfocam é um ser individualista que tem por base o cálculo em suas relações com o outro, enxergando os homens como meios que, se bem aproveitados, se pode chegar a um fim especifico...

Mas esse processo de urbanização não ocorre de maneira tão mecânica como se pode imaginar, com a simples substituição do tradicional pelo moderno. Como já foi constatado por estudiosos da urbanização na América Latina, como Rubem Oliven, Gilberto Velho e Florestan Fernandes, o desenvolvimento no nosso continente foi desigual, tardio, dependente e combinado, portanto, as estruturas modernas convivem de forma hora tensa, hora harmônica, com o tradicional.

A mesma tensão entre tradicional e moderno ocorre em nossa região, com a cultura cabocla dividindo espaço com formas culturais e econômicas racionalizadas. Estes novos escritores, entre os quais eu me incluo, mostram em seus textos esta referida ambigüidade do entrelaçamento entre a cultura tradicional amazonense e o impulso capitalista vindo dos grandes centros.

A nova literatura amazonense começou a mostrar sua face na década de 70, época em que o clube da madrugada dava sinais de esgotamento; entre um de seus primeiros registros é a obra “O Tocador de Charamela” do já falecido Erasmo Linhares, volume de contos que, embora com algum toque de prosa rural, já mostrava a tônica do que viria ser uma nova tendência dos artistas “barés”, o enfoque de um “mundo cruel, mesquinho e desumano,” como escrevera Tenório Teles no prefácio da obra.

Na ânsia de compreender a mutação social da sociedade amazonense, os novos escritores acabam, mesmo que inconscientemente, também por desenvolver uma nova forma de linguagem artística para interpretar o mundo amazônico.

*Editor e pesquisador do NCPAM

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