terça-feira, 28 de abril de 2009

OS PARADOXOS DA CIÊNCIA POLÍTICA NO AMAZONAS

Diferentemente da diversidade temática de outras regiões brasileiras, às vezes tenho a impressão que as pesquisas em ciências sociais na região norte (em um caso especial, o Amazonas) se resumem a sustentabilidade floral e a cultura dos ditos povos da floresta (conforme a nova rotulação). Espero estar completamente equivocado e que este equívoco não esteja imperiosamente na pauta acadêmica. Penso que para além da sustentabilidade floral e cultura dos ditos povos da floresta, os homens da região amazônica são agentes racionais e fazem política em organizações e em instituições políticas.

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Em todos os países centrais e em grande parte do Brasil, a subárea da Ciência Política tem dado galopes importantes em direção à sua institucionalização científica e à sua profissionalização no campo das Ciências Sociais. De forma contrária, é importante que se relate também, ainda que na contracorrente de certa tendência universalista, e certamente isso se aprofunda em algumas regiões do país, em geral aquelas afetadas pela matutice intransigente, a subárea sofre duros percalços e dolorosas derrotas.

Não estou com dubiedades tão presentes nas falas e nas escritas de meus pares. Não é necessariamente isso. O que quero dizer, de fato, é que ao contrário da Sociologia e da Antropologia, a Ciência Política, passa por zonas azuis que favorecem seu desenvolvimento, e por zonas cinzentas, que em pouco ou nada se aproximam de uma construção autônoma do campo acadêmico e profissional. É precisamente aí que quero chegar.

Mas, por incrível que pareça, as coisas estão mudando em diferentes ritmos e, é claro, de forma desigual do ponto de vista regional. Nas Regiões Sul e Sudeste, por exemplo, a discussão já está em alto nível: teorizações sofisticadas, produção científica de qualidade internacional, acentuada desmarginalização dos profissionais da área e outras coisas do tipo são sinais claros de que aos poucos a Ciência Política vem conquistando espaços importantes em todos os níveis da vida pública e política do Brasil (estas e as outras informações que se seguirão podem ser confirmadas pelo ranking das Pós-Graduações da CAPES ou no site da Associação Brasileira de Ciência Política, ABCP).

Na Região Nordeste, que concentra os estados de pior IDH do país, de forma inédita, a Ciência Política avançou significativamente, em especial na última década. Em todos os estados, sem exceção, já produzem quer nas graduações das universidades públicas, quer nas pós-graduações, extensa literatura tocando em temas como democracia, participação política, clientelismo, coronelismo... Dou um destaque especial a dois estados. Primeiramente, Pernambuco que já tem um programa de mestrado e doutorado em Ciência Política consolidado e reconhecido internacionalmente pelas análises sobre questões militares e políticas públicas; e o estado do Piauí que já está na sua segunda turma de mestrado acadêmico.

Quanto à Região Centro-Oeste, infelizmente, não possuo os dados e as leituras necessárias e suficientes para uma análise mais pontual. Por isso, poupo o leitor de informações distorcidas que escapam da probabilidade racional mínima e dos fatos que fundamentam a construção de um argumento razoável.

Na Região Norte, saímos definitivamente das zonas azuladas e entramos de igual forma nas zonas acinzentadas em termos de desenvolvimento da Ciência Política. A dinâmica da Ciência Política aqui nos trópicos úmidos passa por uma crise de natureza improlífica. Para além da crise improlífica, passa também por uma crise intelectual. Este tipo de comportamento pouco tem contribuído para a solidificação da subárea.

Com exceção da Universidade Federal do Pará, que já possui um mestrado acadêmico e outros programas de especialização em Ciência Política, todos os outros estados da região estão passando por problemas gravíssimos neste campo de conhecimento tão importante para as ciências sociais no Brasil. O que ainda há de esperança é o fato de a Universidade Federal do Amapá ter feito contratações de alguns professores de Ciência Política; e a Universidade Federal de Rondônia, em função da extensa zona fronteiriça com a Venezuela, ter criado uma graduação e um programa de pós-graduação interinstitucional em Relações Internacionais.

Diferentemente da diversidade temática de outras regiões brasileiras, às vezes tenho a impressão que as pesquisas em ciências sociais na região norte (em um caso especial, o Amazonas) se resumem a sustentabilidade floral e a cultura dos ditos povos da floresta (conforme a nova rotulação). Espero estar completamente equivocado e que este equívoco não esteja imperiosamente na pauta acadêmica. Penso que para além da sustentabilidade floral e cultura dos ditos povos da floresta, os homens da região amazônica são agentes racionais e fazem política em organizações e em instituições políticas. E que estas organizações e instituições importam no debate acerca da otimização da democracia política, para a arrancada do desenvolvimento econômico regional e para a inclusão social. Creio novamente estar completamente equivocado, mas avalio que estes estudos muitas vezes – para não dizer sempre – se limitam a descrever as conseqüências e não as causas de nossos dilemas. Pior ainda: com um exagero retórico (passional, superficial e vulgar) e uma protomilitância que afeta diretamente os resultados, o que rompe com toda a cadeia lógica de uma boa pesquisa.

É óbvio que a permanência desse tipo de pauta acadêmica viciada pela especulação financeira das agências de financiamento de nada contribui para o potencial crescimento da Ciência Política. Pelo contrário, incentiva seletivamente o eixo temático para outras problemáticas e grupos de interesse. A política torna-se apenas um tema transversal: política cultural, política indígena, políticas afirmativas etc. Em suma: a política subtraída das instituições políticas.

A ausência de uma pauta de problemas e de temas da Ciência Política (presidencialismo, federalismo, sistemas partidário-eleitoral, judicialização da política, cidadania, decisão do voto, políticas públicas, formação de governos e a separação dos poderes, relação Executivo-Legislativo, teoria política, política internacional, conflitos de fronteira etc.), de pesquisadores e professores com sólida formação na área, como é natural, inviabiliza qualquer tipo de crescimento da subárea.

Este é um problema grave nas ciências sociais no Amazonas. A mesma ciência social que se diz multidisciplinar ou interdisciplinar (nunca sei a forma correta!), mas que na prática funciona como um alucinado mantra monodisciplinar.


Que fazer? Não temos outra saída: só a contratação urgente de professores-pesquisadores com formação na área e correr atrás do tempo perdido. Espero que a nova gestão da reitoria resolva este problema de uma vez por todas. Aqui fica uma sugestão.

*Mestrando em Ciência Política pela UFPA e bolsista da CAPES
.

Um comentário:

Khemerson disse...

Parabéns pelo artigo instigante sobre a ciencia política, Breno. Com o seu artigo (que considero na verdade, um ensaio), muitas questões referentes a estas disciplinas nos trazem subsídios práticos para pensarmos nossos saberes enquanto cientistas sociais. Em tempo, creio que o fortalecimento da tríade sociologia - antropologoa - ciencia política passa necessariamente por uma auto-crítica nossa em relação ao nosso comportamento intelectual perante às questões postas. É nosso papel respondê-las sem perdermos a dimensão da crítica e o espaço para sofisticarmos nossa prática intelectual encontra-se na graduação e na pós-graduação, a partir de posicionamentos e proposição de projetos de pesquisa e extensão que atendam às demandas sociais, culturais, políticas e econômicas da nossa sociedade. Este espaço está aberto aos colegas sociólogos, antropólogos e cientistas políticos para debaterem aos temas e questões referentes ao objeto das ciencias sociais.