domingo, 28 de novembro de 2010

EU MORRO, TU MORRES E ELES MORREM CARIOCAS

Ivo Aguiar (*)

Uma senhora, moradora de um morro carioca, sentindo fortes dores no abdômen foi ao INSS e após inúmeras tentativas e uma longa espera conseguiu uma consulta. O doutor, suspeitando do pior, recomendou uma biópsia, constatando um câncer em fase inicial. A partir de então, imaginem, a pobre aposentada fez uma verdadeira via-crúcis para tratamento do tumor. Depois de algum tempo, finalmente a primeira sessão de quimioterapia foi marcada.

A doença não lhe roubou a vaidade e no dia da ‘quimio’ fez um ritual de maquiagem: cabelo arrumado, batom nos lábios e vestido novo pontualmente às seis da manhã. Só não imaginava que àquele horário, policiais e traficantes resolvessem travar tiroteio em frente à rua que morava. Balas zuniam nos seus ouvidos, voando por cima dos telhados, entre árvores e fios de alta tensão. Os traficantes, camuflados pela favela, exibiam o poder de fogo de suas pistolas, fuzis, e granadas, amedrontando ainda mais a comunidade. Os policiais revidavam, atirando de dentro de um veículo batizado de ‘caveirão’, cujos vidros estilhaçados, a lataria perfurada, e os pneus estourados dimensionavam a intensidade do combate.

Para aquela velha senhora, no meio do fogo cruzado, a cena não era inédita, tanto que os buracos na porta de entrada do seu humilde barraco poderiam ser considerados como new designer de múltiplas fechaduras, feitas de pólvora e chumbo.

Todas as vezes que ocorriam tiroteios ela escondia-se debaixo da cama, esperava tudo acalmar e apesar de seus mais de sessenta anos, seguia tranquilamente sua rotina de dona de casa, lavando, passando, cozinhando. Mas, naquela manhã ela havia marcado um importante compromisso com a vida, num hospital da zona sul, e para chegar até lá teria que decidir-se a enfrentar balas. Decisão difícil a dessa pobre senhora: em casa o tumor, na rua a linha de tiro entre a polícia e os traficantes. Nessas horas, ainda que se tenha um helicóptero para o transporte do paciente, não se está totalmente seguro durante o voo.

Não lhe restando alternativa, abriu o portão e saiu desesperada, correndo morro abaixo. Sem saber se foi ela que se desviou das balas ou se foram as balas que se desviaram dela, chegou ilesa e ofegante até a esquina.

Na manhã seguinte, os jornais estamparam na primeira página o corpo de um dos meliantes, crivado de balas, dentro de um carrinho de supermercado. Enquanto o de uma velha senhora, que escapou dos tiros numa manhã carioca, descansou anônimo numa fria lápide de um hospital na zona sul.

(*) É Administrador, Matemático e Estudante de Jornalismo da UFAM.

Um comentário:

Anônimo disse...

Manifesto aos editores do blog NCPAM.

Textos como esse " despolitizados" não podem fazer parte deste blog. Dessa forma o blog vai perder crediblidade, pelo menos a minha !

aiaiaiaia....