Mario Nelson Duarte (*)
Quando ouço falar dessas obras insanas que estão tentando fazer, na região do Encontro das Águas, no Amazonas, lembro uma poesia de Carlos Drummond de Andrade sobre o Salto das Sete Quedas, no início da construção da Usina de Itaipu (PR). Um texto doloroso e doído, em que a estupidez humana vitoriosa era denunciada e lastimada.
Será que vai acontecer a mesma coisa na conjunção do Negro com o Solimões? Aliás, agora, estamos prestes a ver uma agressão mais insana ainda, porque existem soluções (lógicas e racionais) técnicas (e econômicas) para evitar a depredação daquela maravilha da natureza - soluções que não foram encontradas no caso da grande barragem da fronteira com o Paraguai.
Ao contrário da destruição do Guaíra, lastimada por Drummond, não existe qualquer motivo econômico significativo para que o superporto seja mesmo construído no local indicado - o que existe é a cupidez financeira dos donos da Terra (Terra com maiúscula mesmo, denunciando os tubarões que se julgam senhores da vida) e um jogo de vaidades em que ELES não admitem a hipóteses de "derrota" em seus planos criminosos.Vale a pena ler na íntegra o poema de Drummond, face à destruição do Salto das Sete Quedas. E vamos invocar a força dos nossos “Encantados” do Encontro das Águas, para que nos livremos dessa nova maldição.
Conferindo:
Em 1982, às vésperas dos 80 anos, o poeta Carlos Drummond de Andrade expressou sua inconformidade com a destruição do Salto de Sete Quedas, um patrimônio natural do Brasil e da humanidade. Na edição de 9 de setembro, quando afinal se anunciava o fechamento das comportas para a criação do lago da hidrelétrica de Itaipu, Drummond publicou este poema no Jornal do Brasil em letras grandes. Os versos ocuparam uma página inteira, toda a capa do Caderno B:
Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram/Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio/ Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira,/vão juntar-se os sete fantasmas das águas/assassinadas por mão do homem, dono do planeta.
Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato/ Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada/Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas/ Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se/entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano/para tornar-se empresa gélida, mais nada.
Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto/ Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censurae a maldição que o tempo irá trazendo?
Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes/ vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada/ (“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”)/ E patati patati patatá...
Sete quedas por nós passaram
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las
e todas sete foram mortas
e todas sete somem no ar
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Salto_de_Sete_Quedas
Quando ouço falar dessas obras insanas que estão tentando fazer, na região do Encontro das Águas, no Amazonas, lembro uma poesia de Carlos Drummond de Andrade sobre o Salto das Sete Quedas, no início da construção da Usina de Itaipu (PR). Um texto doloroso e doído, em que a estupidez humana vitoriosa era denunciada e lastimada.
Será que vai acontecer a mesma coisa na conjunção do Negro com o Solimões? Aliás, agora, estamos prestes a ver uma agressão mais insana ainda, porque existem soluções (lógicas e racionais) técnicas (e econômicas) para evitar a depredação daquela maravilha da natureza - soluções que não foram encontradas no caso da grande barragem da fronteira com o Paraguai.
Ao contrário da destruição do Guaíra, lastimada por Drummond, não existe qualquer motivo econômico significativo para que o superporto seja mesmo construído no local indicado - o que existe é a cupidez financeira dos donos da Terra (Terra com maiúscula mesmo, denunciando os tubarões que se julgam senhores da vida) e um jogo de vaidades em que ELES não admitem a hipóteses de "derrota" em seus planos criminosos.Vale a pena ler na íntegra o poema de Drummond, face à destruição do Salto das Sete Quedas. E vamos invocar a força dos nossos “Encantados” do Encontro das Águas, para que nos livremos dessa nova maldição.
Conferindo:
Em 1982, às vésperas dos 80 anos, o poeta Carlos Drummond de Andrade expressou sua inconformidade com a destruição do Salto de Sete Quedas, um patrimônio natural do Brasil e da humanidade. Na edição de 9 de setembro, quando afinal se anunciava o fechamento das comportas para a criação do lago da hidrelétrica de Itaipu, Drummond publicou este poema no Jornal do Brasil em letras grandes. Os versos ocuparam uma página inteira, toda a capa do Caderno B:
Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram/Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio/ Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira,/vão juntar-se os sete fantasmas das águas/assassinadas por mão do homem, dono do planeta.
Aqui outrora retumbaram vozes da natureza imaginosa, fértil em teatrais encenações de sonhos aos homens ofertadas sem contrato/ Uma beleza-em-si, fantástico desenho corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno mostrava-se, despia-se, doava-se em livre coito à humana vista extasiada/Toda a arquitetura, toda a engenharia de remotos egípcios e assírios em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se por ingrata intervenção de tecnocratas/ Aqui sete visões, sete esculturas de líquido perfil dissolvem-se/entre cálculos computadorizados de um país que vai deixando de ser humano/para tornar-se empresa gélida, mais nada.
Faz-se do movimento uma represa, da agitação faz-se um silêncio empresarial, de hidrelétrico projeto/ Vamos oferecer todo o conforto que luz e força tarifadas geram à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos, de bilhões de touros brancos integrados, afundam-se em lagoa, e no vazio que forma alguma ocupará, que resta senão da natureza a dor sem gesto, a calada censurae a maldição que o tempo irá trazendo?
Vinde povos estranhos, vinde irmãos brasileiros de todos os semblantes/ vinde ver e guardar não mais a obra de arte natural hoje cartão-postal a cores, melancólico, mas seu espectro ainda rorejante de irisadas pérolas de espuma e raiva, passando, circunvoando, entre pontes pênseis destruídas e o inútil pranto das coisas, sem acordar nenhum remorso, nenhuma culpa ardente e confessada/ (“Assumimos a responsabilidade! Estamos construindo o Brasil grande!”)/ E patati patati patatá...
Sete quedas por nós passaram
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las
e todas sete foram mortas
e todas sete somem no ar
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Salto_de_Sete_Quedas
(*) Mario Nelson Duarte é jornalista, amante da música e pesquisador da cultura brasileira.
Um comentário:
Caro Mário Nelson, infelizmente em nome do progresso, muitas barbaridades contra o homem e a natureza são cometidas neste nosso Brasil.
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