segunda-feira, 1 de novembro de 2010

RUBIÃO E A LOUCURA MACHADIANA


A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente. Machado de Assis, em “O Alienista” (1882).

Ademir Ramos (*)

Senhor da ética, cumpridor dos seus deveres, respeitador das famílias e dos bons costumes. Assim, era Rubião, homem cândido, herdeiro de uma grande herança, a viver na capital da corte palaciana, na masmorra da solidão de sua existência reta e devota às leis, como bem queria o positivismo filosófico e o Partido Temporal do Império.

Mas, num certo dia, em Quincas Borba (1891), Machado de Assis, conta-nos que Rubião, deixando-se seduzir pelo Partido, delegou aos benfeitores a responsabilidade de administrar seus bens e valores – toda a sua riqueza - por acreditar que o homem, por mais vil que seja principalmente aquele que vive na capital do império, é capaz de se redimir perante o povo, sem recorrer aos expedientes imorais, corruptos e extrapalaciano com denominações estranhas ao vocabulário político da época.

Firme em seus propósitos provincianos e ingênuo, Rubião delega poderes, votando na escolha do seu benfeitor para que respondesse pelo gerenciamento do seu patrimônio e, muito mais ainda, pelo seu própri futuro. Feito isto, sentia-se confiante que o mundo seria muito melhor porque os homens pactuavam ações de reciprocidades.

De pronto, seus benfeitores começaram a dilapidar seu patrimônio, apropriando-se de toda sua fortuna. Nada tendo mais para saquear, então resolveram, com referendo dos burocratas da saúde, interná-lo no sanatório palaciano, para protegê-lo dos insanos que ainda hoje circulam, assiduamente nos arraiais do poder central, apropriando-se indevidamente do patrimônio do povo, sobretudo, o erário público.

Rubião alienado de seus bens, do amor, da razão e da política desaparece da capital palaciana e, juntamente com o seu fiel escudeiro, Quincas Borba, alucinado e faminto, aparece nas ladeiras de Barbacena, formulando discursos obscuros, sem que sentido houvesse, segundo os tradutores plantonistas da corte.

Rubião dizia para os passantes – ao vencedor, as batatas! -, o que realmente nada entendiam porque não conheciam a trajetória deste provinciano, nascido na capital do país, enganado e expropriado de seus bens e valores por não acreditar que os homens palacianos são ávidos para lucrar, principalmente, quando pensam que tudo podem e que todo homem tem o seu preço.

Rubião, depois de adormecer ao relento, como milhares de brasileiros sem teto, emprego, educação, saúde, cultura e segurança, a viver na rua da amargura por esse grande país, posiciona-se contra os transtornos políticos sofridos e grita sonoramente, por mais uma vez - Ao vencedor, as batatas! -, nesse momento, conforme o registro de Machado de Assis, “deu com olhos na rua, sem noite, sem água, beijada do sol”.

O pior de tudo é que o seu grito não tinha eco junto aos brasileiros porque muitos se encontravam surdos, cegos e mudos, até o dia em que acordaram do pesadelo e juntos gritaram com Rubião, reivindicando Direito, Participação e Soberania. Nessa oportunidade, inaugura-se uma nova prática política promotora do desenvolvimento qualitativo, sendo economicamente justa e socialmente sustentável.

Desprendido de toda forma literária afirma-se que a loucura de Rubião marcada por amores, delírios e sonhos, torna-se a obsessão do povo brasileiro que delega representação a terceiro para intervir na política como se fosse o próprio sujeito da história. A sorte é que todos podem acordar do pesadelo - “dando com os olhos na rua” - e quem sabe construir novas pontes para o planalto, assegurando a fortuna a todos, não mais como partilha, mas como Direito fincado nos interesses populares de um continente social.

(*) Professor, antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

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