domingo, 7 de novembro de 2010

VITÓRIA ÉPICA DO POVO

Márcio Souza (*)

De vez em quando a palavra de ordem “o povo unido jamais será vencido” torna-se verdade política. Esta semana, em reunião corrida no Rio de Janeiro, o Iphan tombou o Encontro das Águas como patrimônio cultural e paisagístico nacional. Não foi um gosto simples ou simbólico, o ato teve conotações épicas, pois com isso põe um basta na tentativa de um grupo de maus empresários locais e nacionais, mais afeitos ao lucro e sem nenhum compromisso com o povo amazonense, de construir um porto nas Lajes, intitulando-se de “porto verde”, numa demonstração de sarcasmo e querendo insultar a inteligência.

O Porto das Lajes já nasceu fracassado, tratava-se menos de empreendimento que um explícito processo de predação contra nossa terra. Era um porto exclusivo de carga para o Distrito Industrial, que oferecia empregos de peão aos nativos e os cargos mais altos para os arrivistas de fora. Por isso mesmo, órgãos como a Suframa, que têm uma visão pervertida de desenvolvimento, andaram fazendo eco com a megalomania da Ditadura Militar, mas que deveriam estar atentos as conseqüências sociais dos projetos que apoiam, fizeram vistas grossas e, nos bastidores, sustentaram o absurdo seguindo a lógica utilitária de que aquela área não serve para outra coisa que o uso e abuso dos caçadores de lucros.

Muito me admiro que a Suframa seja comandada por uma amazonense. Tão subserviente aos interesses mais escusos esta senhora tem sido, geralmente acobertando a exploração trabalhista, os crimes ambientais e as alquimias de evasão fiscal das empresas do Distrito Industrial e de certos investidores.

Veja-se o exemplo recente do tal Porto Chibatão, aquele que desabou sobre as autoridades municipais e estaduais de defesa do meio ambiente, promotores e juízes, matando dois trabalhadores e atirando lixo nas águas do outrora majestoso rio Negro.

A impressão que se tem é que este tipo de “negócio”, que prosperou nos desvãos da lei, em que muitos fecharam os olhos, representa a importação de um tipo de capitalismo de jagunços, de cangaceirismo empresarial, que vai passando como um trator por cima dos interesses da sociedade a custas de favores e propinas.Por isso, a vitória de ontem, no Rio de Janeiro deve ser comemorada e alardeada.

Mesmo porque foi uma vitória dos movimentos sociais organizados do bairro do Aleixo, das entidades católicas e dos professores da Ufam que se engajaram na luta. Porque não fosse esse punhado de cidadãos conscientes, o malfadado Porto das Lajes já estaria em obras e preparando-se para vazar óleo, atirar água salgada e detritos em nome do progresso e da modernidade. Vale aqui lembrar que os artistas e intelectuais também deram a sua contribuição, capitaneados pelo nosso grande poeta e militante da justiça Thiago de Mello.

Mas é preciso registrar a omissão do movimento estudantil, que parece prisioneiro do corporativismo e só se manifesta fisiologicamente. Isto é muito sério, pois o movimento estudantil é o celeiro das futuras lideranças políticas, e pelo visto a próxima safra será de oportunistas sem compromisso com os interesses do povo.

Agora que foi afastado o perigo do Porto das Lajes, temos de voltar nossa energia contra o tal Monotrilho. O prefeito Amazonino Mendes já se manifestou claramente contra a ideia e não creio que o governador eleito Omar Aziz queira entrar para a história de nosso estado como o administrador que deu navalhada no rosto já sofrido de nossa cidade.

Omar Aziz não é político arrogante e sabe ouvir o clamor que vem da sociedade. Os Monotrilhos foram desaprovados em todas as cidades desenvolvidas do mundo, e os empresários desse falido sistema de transporte se voltaram para o terceiro mundo, onde acham que há administradores públicos prontos a fechar os olhos para efeitos danosos em troca de um depósito em paraíso fiscal.

(*) É escritor com diversas obras publicadas pelo mundo, um dos militantes do Movimento S.O.S. Encontro das Águas e articulista de A Crítica.
Foto: Thiago de Mello em celebração na Ponta das Lajes.

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