sexta-feira, 26 de novembro de 2010

BARCELOS, ENTREPOSTO DE EXPLORAÇÃO HUMANA

Ellza Souza (*)

Como no tempo da escravidão, o piabeiro trabalha muito, ganha quase nada e ainda solapa a natureza. O produto pescado ou seja, os lindos peixinhos que decoram aquários no mundo inteiro, valem ouro em outras águas. Aqui na Amazônia, de onde eles saem, mal valem um prato de comida diário da cesta básica brasileira. Recentemente em um programa de televisão um desses pescadores contou que para ganhar um salário mínimo ele precisa entregar ao atravessador cerca de 55 mil desses preciosos peixinhos. E reclamava de outra dificuldade patrocinada por esses empresários que é a demora para receber tão ínfimo pagamento por tão desnaturada atividade. Não tem jeito de acabar a exploração do ser humano no mundo. Sempre tem os que querem faturar com a desgraça alheia.

Outro problema enfrentado pelos piabeiros, como são chamados os pescadores dos peixes ornamentais da Amazônia, é que 90% dos peixes de água doce coletados no mundo já saem de criações em cativeiro. Como a borracha, logo um estrangeiro se apropriou e aperfeiçoou uma técnica eficaz e outros países ficaram com a fama e o ouro de um produto naturalmente amazônico. Mais uma vez quem perde é o homem da floresta. Essa atividade bem explorada e de maneira eficiente, traria ganhos e a permanência do caboclo no local onde vive. Mesmo assim calcula-se que são capturados em toda a bacia do rio Negro cerca de 40 milhões de piabas por ano. Das 2 mil espécies de peixes ornamentais encontradas nos rios amazônicos os mais cobiçados são o cardinal e o acará disco.

O município de Barcelos, localizado a 396 km de Manaus, tem quase 30 mil habitantes e fica no médio rio Negro. É uma região de lagos, praias, igapós, cachoeiras e onde se localizam o arquipélago Mariuá com 700 ilhas, o Parque Nacional do Jaú e o Parque Estadual de Araçá. A preservação da natureza é latente na área mas por baixo dos cipós a vida dos moradores não é fácil. A pequena produção de banana, arroz e mandioca não supre as necessidades dos seus habitantes e é em torno do comércio de peixes ornamentais e da pesca esportiva do tucunaré que essa pequena cidade, que já foi capital do Amazonas, se movimenta.

Segundo dados da Sepror de 2009 são 350 pescadores cadastrados mas calcula-se que chegam a aproximados 2 mil. Já a Associação de Criadores e Exportadores de Peixes Ornamentais do Amazonas (ACEPOAM) afirma que a cadeia produtiva do setor gera em torno de 8 mil empregos diretos e um faturamento anual de aproximados US$ 3 milhões. Em Tefé, a mais de 500 km de distância de Manaus, a atividade vem crescendo deste 1970.

Para o pesquisador chinês naturalizado brasileiro, Ning Labish Chao, da UFAM e responsável pelo projeto Piaba, essa é uma atividade que não causa tanto impacto ambiental. Os peixes considerados ornamentais “são recursos naturais renováveis cujo estoque se refaz facilmente”. O prejuízo ao meio ambiente é causado pela poluição da água e pelo desmatamento o que põe em risco as espécies aquáticas. Pensando em sua própria sobrevivência é que os coletores são contra a devastação e funcionam de certa forma como fiscais das áreas protegidas.

O atravessador que se locupleta dos lucros exorbitantes da atividade do caboclo só se preocupa em chegar ao local e pegar a “mercadoria”. Como no tempo dos seringais, a exploração é a mesma. Quem tem o poder do dinheiro e o conhecimento acha que pode tudo e manobra vergonhosamente em prol de si próprio. Mas isso só acontece onde o governo não faz a sua parte que é de dar o apoio logístico e o conhecimento técnico aos pescadores, aos produtores de leite, aos agricultores, enfim a todas as atividades que seriam rentáveis ao homem do nosso interior mas que condições como distância, alta temperatura, dificuldade de transporte e estradas precárias tornam difícil a vida na área rural amazonense, fazendo com que uma grande massa de pessoas migrem para a capital provocando as invasões que todos conhecemos.

Até a despesa com o combustível e a manutenção dos barcos usados na captura dos peixinhos é retirada dos parcos ganhos dos pescadores, sobrando muito pouco para uma convivência digna com seus familiares. Não é por que vivem na selva exuberante à beira do rio que têm tudo à disposição e não precisam de nada. Não é bem assim. Os piabeiros trabalham e como qualquer trabalhador precisam ser remunerados adequadamente.

Valorizado mesmo é o peixinho furta cor, o coitado do cardinal, que saindo da Amazônia vai para os aquários da Inglaterra, Estados Unidos e por aí afora. Sai de Barcelos a R$ 2 cada um e nas lojas vale mais de R$ 400. Esses números porém, são muito desencontrados e podem não corresponder a realidade. Mas tem algo muito errado nesses preços. Enquanto os empresários estão “nadando” no dinheiro desse comércio injusto, o pescador fica a contar as canoinhas sem furo para fazer melhor o seu trabalho. É isso ou nada.

(*) É escritora, jornalista e colaboradora do NCPAM/UFAM.

Um comentário:

Anônimo disse...

boa materia, mas o preço do peixe citado no utimo paragrafo esta totalmente incorreto, nas lojas de Sao Paulo estes peixes chegam a ser vendidos por R$1,00 logo é impossivel que saia de Barcelos por R$2,00