segunda-feira, 9 de março de 2009

O POETA, A CALCINHA E A GLOBALIZAÇÃO DAS ÁGUAS

José Ribamar Mitoso*

Sem ter o que fazer no Domingo, eu e o poeta Marcos Gomes fomos à feira da Panair, próximo ao encontro das águas do Rio Negro com as águas do Rio Solimões. Fui pescar um conto e ele curricar um poema.

Perto dos pescadores, eu observava, enquanto o poeta fotografava.

A feira do peixe, das verduras e das frutas, agora era também dos ratos, baratas e urubus.

Nenhum frigorífigo para conservação e o poeta foi logo me avisando para aguentar o cheiro porque ele correspondia à metade das 90 toneladas pescadas diariamente. Era cinquenta por cento, 45 mil quilos de peixe podre, apodrecido na beira-rio, aguardando os predadores naturais. Peixe pescado por armadores, bem longe de Manaus, bem longe do Rio Negro, porque em sua volta até os lençois freáticos, as águas subterrâneas, estão poluídos.

Por cinco horas conversando com os pescadores e nada de peixe. Só muito "dirijo" para ter paciência. Cinco horas e nada de Cubio, Jatuarana, Bodó, Tamauatá ou Jaraqui. Muito "dirijo" para fumar e ter paciência, mas peixe, nada.

Cinco horas depois, Caboco Sabá Hussein sentiu a linha puxar. No seu palpite deveria ser um cubiozinho ou uma jatuaranazinha de nada e mais nada. O Marco Poeta preparou sua máquina digital e eu preparei a caneta.

Da água, na ponta do anzol, saiu apenas uma calcinha fio-dental. Na frente, em forma de coração, uma mensagem intrigante: "Jeniffer, te amo, Ass: uochinthum." Os pescadores riram.O poeta, não. Talvez sob o efeito de muito "dirijo" e, por isso, bastante sereno, disse que os nomes, globalizados, eram a maior prova da privatização das águas amazônicas. Falei que ele estava hiperbolizando. Que talvez o pai ou a mãe da moça ou ambos gostassem da letra "u". Ele falou que não e, se fosse o caso, por que não colocar urubu? Tem três"U".

Eu não quis discutir porque era setembro. O sol tava muito quente e o poeta nasceu na Ponta Branca, na beira do rio, e eu nasci apenas na beira de um afluente, de um igarapé. Questão de hierarquia ou de experiência natural. Demoramos mais algum tempo e nada de peixe, sequer de calcinha. Sabá perguntou quando a reportagem ia sair no jornal. O poeta falou que havia sido demitido e que não era mais fotógrafo, apenas e simplesmente poeta. Sabá ainda disse um "ora, porra, mano", mas ficou por isso mesmo.

Eu preciso ir na Feira da Panair porque só como peixe. É lá que 90% da população de Manaus compra peixe. Ou comprava. Eu sou um que não compro mais. Para o poeta não faz falta porque ele é ecológico e só come carne de gado, para preservar os peixes. É uma questão de ponto de vista. Isto tudo no Rio Negro. Que devia se chamar I - Pixuna, rio de água escura, em Nheengatu - Tupi. Porque o Solimões há muito tempo é de Salomão. Mas não faz inveja porque agora o Rio Negro é da Lyonesse, embora aqui esta multinacional se chame Águas da Amazônia. Mas o maior acionista amazonense é judeu, quer dizer. Viva o Rio Salomão. Mas não por causa da calcinha do Uochinthum, quer dizer: da Jeniffer.

*Escritor, coodenador do setorial de cultura do Partido dos Trabalhadores Amazonas e professor da UFAM

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