sexta-feira, 13 de março de 2009

POLÍTICA FLORESTAL PARA A AMAZONIA BRASILEIRA

Racionalidade da Exploração

O documento em pauta resgata a participação da Universidade Federal do Amazonas no debate pela preservação de nossa floresta integrada a qualidade de vida das comunidades tradicionais, bem como a utilização e o usufruto dos recursos madeireiros e não madeireiros. O texto postado integra a Proposta de Política Florestal para a Amazônia Brasileira, publicado em 1979, sob a coordenação do professor Luiz Frederico Arruda com a participação dos demais pesquisadores da então Universidade do Amazonas, juntamente com empresários e Formuladores de Políticas Públicas. A Proposta atende ao cumprimento do Decreto 83.518/1979 de autoria do general presidente João Figueiredo, que instituiu um Grupo de Trabalho com objetivo de “estudar e propor medidas para a formulação de uma Política Florestal para a Amazônia brasileira, no prazo de 120 dias.” Finalmente, a proposta se faz atual quando alerta a todos para a necessidade da pesquisa porque, “a compreensão de uma realidade será tanto melhor quanto maior for o número das variáveis de análise. No caso da Amazônia, qualquer tentativa séria de reflexão diagnóstica ainda é muito dificultada pela relativa escassez de conhecimentos científicos disponíveis sobre os mecanismos que garantem a sobrevivência desse fantástico bioma.


Realmente, as informações sobre os ecossistemas que o compõem estão longe de permitir que se possa recomendar a exploração em grande escala e ecologicamente segura, da floresta pluvial tropical. Quando muito, indicam o que não deve ser feito”, eis a lição a seguir.

A Amazônia é a maior e um das últimas grandes reservas florestais do mundo. No momento atual em que fortes pressões econômicas convergem sobre o Brasil, percebe-se a inevitabilidade de tentar-se buscar na região amazônica, de modo muito mais intensivo os problemas que afligem o País.

A experiência de exploração dessas matas, ao longo de quatro séculos, é desabonadora. A predação indiscriminada tem sido uma constante em toda a aventura amazônica e, no momento em que se antevê uma grande intensificação do esforço exploratório, é imprescindível que esta nação detenha-se para refletir seriamente sobre a questão amazônica.

Desenvolvimento e bem-estar social, integração nacional e exploração racional, são expressões que poderão tornar-se vazias de qualquer significado real, representando nada mais que boas intenções, se traduzirem concepções simplistas, mal fundamentadas, da realidade amazônica em seu significado mais amplo.

A progressiva destruição da floresta tem gerado nestes últimos anos um número crescente de protestos. Inicialmente respondia-se a isso com o insano argumento de que outros países destruíram enormes reservas biológicas e que, portanto, caberia ao Brasil o mesmo direito em relação ao seu próprio patrimônio natural. Posteriormente, a exploração da Amazônia passou a ser definida, oficialmente, com a incorporação do racional.

Comumente, quando se enfoca o problema de planificação, seja na área econômica ou em qualquer outro setor, postula-se imediatamente a necessidade de se exercer controle racional sobre determinadas atividades que se pretende realizar, para alcançar objetivos previamente fixados.

Em conseqüência, do ponto de vista das ciências sociais, nada pode deduzir do princípio geral da ação racional que estabelece objetivo e seleciona meios, posto que a condição para que qualquer colocação teórica sobre a exploração racional da floresta tenha alguma validez é que a definição de racionalidade deve ser feita em termos reais e não em termos formais e que ela possa ser analisada e enquadrada dentro das relações sociais de produção anualmente dominantes no Brasil.

Isto significa que o caráter de racional ou irracional dada a exploração da floresta será determinado pela forma como estamos organizados para produzir riquezas. Dessa forma, a entidade abstrata “homem” passa a ser substituída por entidades mais definidas: os agentes de produção.

Esse conceito sobre racionalidade e sobre a própria economia política, cuja cientificidade está sendo questionada pelas profundas implicações ideológicas que trazem e por serem demasiadamente vagas e ambíguas, deve ser rejeitado por se tratar de uma definição formal e redundante de racionalidade.

O que se questiona, com o apoio de Godelier (Racionalidad e Irracionalidad em la Economia, 1967), é que, para evitar-se cair nesse formalismo vazio, quando se tenta definir a racionalidade de uma atividade – no caso a exploração da floresta amazônica - deve-se estar em condições de:

1. Especificar o conteúdo dos objetivos para deslindar a racionalidade ou irracionalidade da ação homem-floresta, já que toda atividade orientada a um fim tem a possibilidade de possuir uma lógica que assegure a sua eficácia frente a uma série de restrições, e

2. Informar sobre as formas concretas de tal atividade.

Reivindica-se, portanto, a necessidade de precisar com maior rigor o conceito de racionalidade, colocando a questão, ligada à organização social, que é fundamental: quais serão os grupos sociais encarregadas de estabelecer esses objetivos de exploração da floresta? A quem beneficiará essa exploração? Quais conseqüências trarão para o conjunto dos agentes de produção e para a maioria da população? A riqueza retirada da floresta e transformada em valor de troca será usufruída pela comunidade em seu conjunto, ou servirá apenas para proporcionar lucros e aumentar a margem de ganância de determinados grupos minoritários existentes na sociedade?

O conceito de racionalidade apresentado por Godelier leva inevitavelmente a colocar as perguntas acima formuladas. Para ele “a racionalidade econômica entrevista em seu duplo conteúdo de racionalidade dos sistemas econômicos e ao mesmo tempo racionalidade do comportamento dos agentes econômicos no seio destes sistemas só se mostra pelo conhecimento das leis de funcionamento e de evolução destes sistemas”.

Para o empresário, no entanto, o conceito de racionalidade se restringe à atividade em si que se pretende realizar, e em nenhum momento se refere à racionalidade ou irracionalidade dos sistemas dentro dos quais se inscrevem essas ações. Para as ciências sociais, toda e qualquer análise que se fizer no plano teórico sobre o comportamento racional desemboca necessariamente na confrontação dos sistemas econômicos diversos.

Em conclusão, pode-se assumir que um plano racional para o aproveitamento da floresta, ainda que envolva fundamentalmente decisões de ordem técnica e de ciência aplicada, está subordinada à política geral do Estado. Portanto, a racionalidade de tal plano está determinada não apenas pela coerência entre objetivos e meios, isto é, pela racionalidade da atividade em si – a micro-racionalidade -, mas pela racionalidade da política em geral do Estado que depende, em última instância, da racionalidade dos sistemas socioeconômicos nos quais se inscrevem.

Em conseqüência, por ter um duplo conteúdo: a racionalidade de comportamento dos agentes e a racionalidade dos sistemas socioeconômicos, os critérios puramente empresariais ou técnicos não são suficientes para a realização de um plano de exploração da floresta; faz-se necessária a introdução de conceitos de uma teoria geral sobre a sociedade.

Assim sendo, só poderá ser considerada racional uma política florestal cujos objetivos sejam substancialmente os mesmos que o povo amazônida brasileiro, consciente ou inconscientemente, aceita como seus.

O conceito de racionalidade, dessa forma, está estreitamente vinculado a outros termos, tais como eficácia, eficiência, rentabilidade, rendimento, decisão ótima, busca organizada, escolha, cálculo, etc., mas especialmente à necessidade de conhecimento de todas as variáveis que se relacionam com a solução de determinado problema, ou realização de um objetivo. Quando se trata de planificação econômica, outros termos, além dos citados, aparecem ligados à racionalidade: produtividade, minimização dos custos, utilidade máxima, gestão da organização do trabalho e da empresa, etc.

A questão se complica ainda mais quando se verifica que boa parte dos chamados economistas-ideólogos aceita a definição da ciência da Economia Política como sendo a própria teoria formal da ação orientada a um fim. É o que pretende expressar Robbins (The subject matter of economics basic book, 1960), através de definição, retomada por Samuelson, de que a Economia Política “é a ciência que estuda o comportamento humano no que se refere à relação entre finalidade e meios escassos que tem usos alternativos”.

Esta definição de economia política foi criticada duramente, entre outros, por Godelier, justamente pelo seu caráter demasiadamente genérico, que pretende apresentá-la com aspecto de toda a atividade humana com a condição de que esta atividade procure “economizar” seus meios. O argumento de Godelier é o de que dessa forma seria impossível um enfoque de outras ciências sobre qualquer outro campo particular da vida social.

E isto porque toda a atividade orientada a um fim, por mais banal que seja se tornaria desta forma uma “atividade econômica”, não se podendo mais diferenciar as teorias econômicas das teorias políticas, religiosas, psicológicas, etc. Godelier propõe que, para definir a racionalidade, é necessário redefinir, em forma mais objetiva e precisa, a própria economia política.

O que interessa aqui, no entanto, é acelerar o conceito do plano racional para exploração da floresta. Quando os empresários falam de racionalidade, neste caso, estão se referindo à seleção dos meios mais adequados para atingir o objetivo geral: a exploração das riquezas florestais. Se esses meios são eficientes e estão adequados aos objetivos, então teremos uma exploração racional. A racionalidade estaria dada pela análise da atividade em si, o equivalente à formulação de objetivos e seleção de meios.

Entretanto, alguns outros setores favoráveis à exploração da floresta pretendem ir um pouco mais longe. Eles não se preocupam apenas com a adequação dos meios aos objetivos, mas se perguntam, também, se esses objetivos do Estado em relação à floresta são coerentes com os objetivos de outras políticas em outras áreas, tais como a política de minérios, a política financeira, a política indigenista, etc. mesmo que desconheça a obra de Maurice Allais (Fundements d’une théorie positive des choix comportant um risque, 1953) eles revelam, na prática, a preocupação que esse autor expressa teoricamente, quando tenta definir “o comportamento racional”. Diz Allais:

“Somos obrigados a recorrer à definição que parece derivar-se da lógica científica, segundo a qual se considera que um homem é racional quando:

a) Persegue finalidades coerentes entre si;

b) Emprega meios apropriados às finalidades perseguidas.
Portanto, uma política racional do e para os empresários seria aquela que utilizasse os meios mais adequados e eficazes para atender os objetivos da exploração da floresta, objetivos estes deveriam ser coerentes com os demais objetivos do Estado; coerência, aqui, seria sinônimo de racionalidade.

Os empresários que defendem o seu conceito de racionalidade na exploração da floresta em nenhum momento questionam os demais objetivos do Estado e a sua própria natureza, o mais longe que vão, no plano teórico, é admitir a necessidade de um certo respeito ao ecossistema da floresta primária, desde que este respeito, no campo prático, não altere as suas margens de lucro.

As técnicas usadas para a exploração da floresta seriam, então, completamente neutras, capazes de enquadrar-se dentro da política de qualquer Estado, não importando os interesses de classe ou do grupo social que este Estado represente. Trata-se de estabelecer objetivos e escolher meios adequados para implementar com eficácia e segurança esses objetivos, sem levar em conta a organização concreta da sociedade.

Objetivos Gerais da Política

A exploração de recursos florestais da região amazônica somente deverá se processar segundo um planejamento rigorosamente científico, o qual, além do aproveitamento eficiente desses recursos naturais e até mesmo como principal conseqüência disto, permita:

1.Conservação do patrimônio ecológico da região;

2.Substancial aumento dos recursos destinados a estudos e pesquisas que visem melhor conhecimento científico da realidade amazônica no seu contexto mais amplo;

3.Preservação das comunidades indígenas brasileiras locais; e

4.Promoção social integrada do homem da Amazônia.

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