Ricardo Lima*
Apresentar um assunto tão complexo como a Teoria da Literatura pode ser uma tarefa monótona e, por vezes, malograda; principalmente quando se trata de expor a um iniciante, da leitura ou da escrita, todas as principais escolas, tendências e enfoques na forma de se analisar e produzir um texto; dificilmente se conseguirá levar á cabo tão espinhosa tarefa sem tornar-se enfadonho ou mesmo redundante; basta lembrar-mos dos velhos e chatíssimos manuais de literatura do nosso combalido ensino médio que, ao invés de criar em nós alunos o gosto pela arte da escrita, inculca-nos uma verdadeira aversão pelos livros.
Mas não é esse o caso de O Texto Nu, de Zé Maria Pinto, um belo ensaio sobre ofício literário. Como já bem diz o titulo, o texto é despido, desmascarado, destrinchado e analisado sob as mais diversas perspectivas. Ao deixar de lado a linguagem obscura de muitos eruditos pedantes, nos apresenta um estilo agradável, leve, saboroso e, por vezes, bem humorado; sem preterir, contudo, a profundidade e o rigor no trato com o conteúdo. Talvez o presente ensaio se encaixe no famoso depoimento de Antonio Cândido sobre a vida de Aurélio Buarque de Holanda, quando o sociólogo da cultura afirmara que se deveria prezar pela seriedade sem, contudo, tornar-se sisudo.
Maria Pinto vai dos primórdios da criação textual e da analise da palavra, começando com a Grécia antiga, a dramaturgia trágica e as tentativas de Platão em explicar a arte, até a nova critica multidisciplinar dos dias de hoje; as características mais elementares de todas as escolas literárias através dos séculos; a distinção entre o texto-obra, artístico, e o texto objeto, usual no cotidiano; as correlações entre a forma e conteúdo; as analises sincrônicas e diacrônicas, esta, uma homologia entre os estilos de época e o quadro evolutivo da literatura ao longo da historia, enquanto aquela detêm-se na classificação literária enquanto modelo formal pertencente a determinado gênero; as variadas formas de se criar boa poesia; a distinção entre estilos individuais, como a marca própria do autor e o estilo coletivo, “o estilo modal dos indivíduos que escrevem em determinada época”; além de uma das teorias mais bem elaboradas para explicar os tramites da arte ocidental: a oposição entre dionisíaco e apolíneo, esboçada pelo grande Friedrich Nietsche em seu livro A Origem da Tragédia.
A parte mais original da obra é a teoria da Letra Poema, em que o autor lança mão de alguns pressupostos para analisar se determinada letra serve para música, e nos apresenta as categorias letra ordinária, letra funcional, letra poética, letra poema, poema letra, como hierarquização qualitativa as letras de musicadas — desconfio de que boa parte das peças de forró safado que tocam pelas espeluncas desta cidade vão ficar na escala mais baixa da classificação...
Contudo, a parte mais interessante, pelo menos para mim que escrevo ficção, é o capitulo IV, sobre a prosa ficcional, em que Maria expõe com simplicidade as mais variadas formas de narrativa desde as explanações preliminares sobre plano de enunciação e enunciado; as formas de narrativa; o narrador neutro, típico de prosas mais simples; o narrador intruso, tão comum em escritores mordazes como Machado de Assis e Sterne; e o narrador seletivo, meu favorito, e talvez a maior contribuição de Flaubert para a arte; além de retomar a discussão, nunca esgotada, sobre a distinção entre novela e romance. Afinal, novela seria um romance condensado ou um enredo em que há varias historias de caráter episódico?
Recomendo, por combinar simplicidade, estilo e rigor, a obra O Texto Nu, como uma bela e instigante lição introdutória sobre a arte de escrever para todo aquele que deseja se lançar nos tortuosos caminhos da palavra.
*Editor e Pesquisador do NCPAM
Apresentar um assunto tão complexo como a Teoria da Literatura pode ser uma tarefa monótona e, por vezes, malograda; principalmente quando se trata de expor a um iniciante, da leitura ou da escrita, todas as principais escolas, tendências e enfoques na forma de se analisar e produzir um texto; dificilmente se conseguirá levar á cabo tão espinhosa tarefa sem tornar-se enfadonho ou mesmo redundante; basta lembrar-mos dos velhos e chatíssimos manuais de literatura do nosso combalido ensino médio que, ao invés de criar em nós alunos o gosto pela arte da escrita, inculca-nos uma verdadeira aversão pelos livros.
Mas não é esse o caso de O Texto Nu, de Zé Maria Pinto, um belo ensaio sobre ofício literário. Como já bem diz o titulo, o texto é despido, desmascarado, destrinchado e analisado sob as mais diversas perspectivas. Ao deixar de lado a linguagem obscura de muitos eruditos pedantes, nos apresenta um estilo agradável, leve, saboroso e, por vezes, bem humorado; sem preterir, contudo, a profundidade e o rigor no trato com o conteúdo. Talvez o presente ensaio se encaixe no famoso depoimento de Antonio Cândido sobre a vida de Aurélio Buarque de Holanda, quando o sociólogo da cultura afirmara que se deveria prezar pela seriedade sem, contudo, tornar-se sisudo.
Maria Pinto vai dos primórdios da criação textual e da analise da palavra, começando com a Grécia antiga, a dramaturgia trágica e as tentativas de Platão em explicar a arte, até a nova critica multidisciplinar dos dias de hoje; as características mais elementares de todas as escolas literárias através dos séculos; a distinção entre o texto-obra, artístico, e o texto objeto, usual no cotidiano; as correlações entre a forma e conteúdo; as analises sincrônicas e diacrônicas, esta, uma homologia entre os estilos de época e o quadro evolutivo da literatura ao longo da historia, enquanto aquela detêm-se na classificação literária enquanto modelo formal pertencente a determinado gênero; as variadas formas de se criar boa poesia; a distinção entre estilos individuais, como a marca própria do autor e o estilo coletivo, “o estilo modal dos indivíduos que escrevem em determinada época”; além de uma das teorias mais bem elaboradas para explicar os tramites da arte ocidental: a oposição entre dionisíaco e apolíneo, esboçada pelo grande Friedrich Nietsche em seu livro A Origem da Tragédia.
A parte mais original da obra é a teoria da Letra Poema, em que o autor lança mão de alguns pressupostos para analisar se determinada letra serve para música, e nos apresenta as categorias letra ordinária, letra funcional, letra poética, letra poema, poema letra, como hierarquização qualitativa as letras de musicadas — desconfio de que boa parte das peças de forró safado que tocam pelas espeluncas desta cidade vão ficar na escala mais baixa da classificação...
Contudo, a parte mais interessante, pelo menos para mim que escrevo ficção, é o capitulo IV, sobre a prosa ficcional, em que Maria expõe com simplicidade as mais variadas formas de narrativa desde as explanações preliminares sobre plano de enunciação e enunciado; as formas de narrativa; o narrador neutro, típico de prosas mais simples; o narrador intruso, tão comum em escritores mordazes como Machado de Assis e Sterne; e o narrador seletivo, meu favorito, e talvez a maior contribuição de Flaubert para a arte; além de retomar a discussão, nunca esgotada, sobre a distinção entre novela e romance. Afinal, novela seria um romance condensado ou um enredo em que há varias historias de caráter episódico?
Recomendo, por combinar simplicidade, estilo e rigor, a obra O Texto Nu, como uma bela e instigante lição introdutória sobre a arte de escrever para todo aquele que deseja se lançar nos tortuosos caminhos da palavra.
*Editor e Pesquisador do NCPAM
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