terça-feira, 3 de março de 2009

FUNDAMENTALISMO CONTRA DARWIN

Querem falar da bíblia, de Adão e Eva, que o mundo tem só seis mil anos e que os dinossauros foram extintos porque não entraram na arca de Noé? Então que usem as palestras de religião para isso. Aulas de biologia devem apresentar conteúdos baseados em observações empíricas, experimentos comprovados sob métodos reconhecidos pela comunidade especializada e capazes de serem reproduzidos em qualquer lugar do mundo, coisa que o criacionismo carece por completo...

Ricardo Lima*

Este é o ano em que se completaram dois séculos de nascimento do grande Charles Darwin. A ciência deveria estar em festa com tão importante data, pois foi este homem, um típico inglês anglicano, que moldara, ao lado de Copérnico, Galileu e Freud, os principais pilares do pensamento ocidental moderno.

Deveria, mas não está...

O autor de A Origem das Espécies com certeza está se revirando do túmulo ao se deparar com o negro panorama em que se encontra o pensamento científico atual. Em pleno século XXI, quando a ciência conquista tantas vitórias para a humanidade, como as pesquisas em células tronco, novas técnicas no tratamento do câncer e o aperfeiçoamento dos coquetéis contra a AIDS, também há, ao mesmo tempo, várias escolas confessionais que parecem ter dado uma guinada para as trevas da história, ministrando criacionismo em aulas de biologia.

Esta guinada do fundamentalismo teve o seu inicio na terra do Tio Sam e, infelizmente, se alastra com uma rapidez impressionante no Brasil.

Uma forma de se compreender melhor o fenômeno é ir buscar suas raízes históricas para responder á pergunta: Porque tantas escolas de confissão protestante vêem em Darwin um monstro a ser combatido?

Durante as primeiras décadas do inicio do século XX o capitalismo alcançou um desenvolvimento muito grande nos E.U.A, alterando brutalmente as relações sociais, os costumes e as representações de como a sociedade fazia de si mesmo; os ideais de bem-estar, consumismo, afrouxamento dos costumes religiosos, as lutas sociais inerentes a essas transformações e os avanços científicos da época, tomaram, aos poucos, o lugar reservado ás explicações religiosas.

Foi então que os grupos religiosos rurais, muitos destes migrados para as cidades, como metodistas, batistas, adventistas, presbiterianos e congêneres, diante de tamanhas transformações na vida social implementada pela modernização, precisaram criar uma nova forma de interpretar o mundo, com um novo código que lhes fosse possível entender as mudanças que os cercavam. Vendo suas antigas formas de religiosidade e regras sociais perderem terreno para a modernização, pregavam um recrudescimento das tradições como forma de escapar ao mundo moderno, tido como maligno.

Tendo seu marco o ano de 1910, quando foi lançada uma série de doze pequenos livros chamados Fundamentals Of Faith (itens fundamentais de fé) no qual havia os pontos chave para a doutrina do protestantismo anti-moderno: a ressurreição física de Jesus, a autenticidade de seus milagres, a prova de sua divindade e a absoluta autenticidade da bíblia. O termo Fundamentalismo, entretanto, só passou a ser usado quando o pastor batista Curti Lee Laws, um dos editores de um jornal protestante conservador Watchman Examiner, nos anos de 1920, cunhou-o para diferenciar os cristãos verdadeiros, ou seja, aqueles que iam até os fundamentos da fé, dos pecadores protestantes liberais, seus piores inimigos.

No fundamentalismo protestante não há espaço para a discussão da palavra escrita, a bíblia tem que ser tomada em seu sentido literal e absoluto, debates sobre sua compreensão a partir de seu sentido histórico, com base no conceito filosófico da hermenêutica, a fim de adaptá-la em seu sentido contemporâneo, como o faz a teologia liberal, são verdadeiras heresias para o protestante conservador. Verdades cientificas, como os pressupostos de Darwin, assim como pesquisas históricas ou arqueológicas que neguem alguns fatos bíblicos são tacitamente repudiados e vistos como artimanhas demoníacas; a ciência deve, então, ser aceita somente na medida em que retifica as coisas escritas no livro sagrado.

Uma ótima definição de fundamentalismo é a descrita pelos sociólogos Anton Shupe e Jeffrey Hadden, que classificam como um movimento:

“(...) que visa recuperar a autoridade sobre uma tradição sagrada que deve ser reintegrada como antídoto contra uma sociedade que se soltou de suas amarras institucionais”.

O berço do fundamentalismo protestante, os Estados Unidos, é onde parecem estar bem mais avançados na luta contra Darwin. Infelizmente, dezenas de estados americanos já aprovaram leis que simplesmente proíbem que o evolucionismo seja ensinado nas escolas e, em seu lugar, o criacionismo é pregado como a “explicação” mais plausível para a criação do mundo.

As associações de cristãos conservadores são extremamente fortes na terra do Tio Sam, basicamente filiados ao partido republicano, são tão poderosas a ponto de influenciarem a escolha de um presidente. Eles já até lançaram um documentário divulgando as suas idéias, chamado: Expllede: No Inteligence Allowed, que basicamente é uma denuncia de uma suposta conspiração para derrubar as idéias criacionistas — com se não fossem eles que pressionam cada vez mais o governo para que suas teses sejam impostas em todas as escolas nos Estados Unidos...

Aqui no Brasil, várias escolas confessionais já adotaram o criacionismo como assunto relevante para as aulas de biologia. Na televisão, o canal Boas Novas faz o seu papel divulgando programas produzidos nos Estados Unidos por canais conservadores que criticam as teorias de Darwin e defendem a tese do design inteligente.

A justificativa para a implantação do criacionismo nas escolas é a da liberdade acadêmica, ou seja, o aluno ter a oportunidade de conhecer o outro lado da moeda. Besteira... Ensinar que deus criou o mundo nas aulas de biologia é um tremando contra senso. Querem falar da bíblia, de Adão e Eva, que o mundo tem só seis mil anos e que os dinossauros foram extintos porque não entraram na arca de Noé? Então que usem as palestras de religião para isso. Aulas de biologia devem apresentar conteúdos baseados em observações empíricas, experimentos comprovados sob métodos reconhecidos pela comunidade especializada e capazes de serem reproduzidos em qualquer lugar do mundo — coisa que o criacionismo carece por completo...

A comunidade acadêmica deve estar atenta para esse preocupante fenômeno e mobilizar-se contra aqueles que querem misturar ciência com superstição, pois, se tiverem a chance, como bem dissera Marhall Berman, transformarão a democracia num regime teocrático policial.

A ofensiva conservadora não é apenas contra Darwin, mas contra todo o espírito cientifico e contra toda uma luta de séculos pela emancipação do pensamento.

NOTA: Partes deste artigo foram adaptados de outro texto intitulado A Ideologia Extremista do Império, outrora publicado em página eletrônica já extinta.

*Editor e pesquisador do NCPAM

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