Jefrey S. Miller*
Pensar sobre profissões sempre foi algo polêmico e complexo; claro, para alguns. Muito se fala em vocação, mas isso é muito relativo. Existem casos de um gosto específico por tal área de conhecimento e existe ainda aquela situação que não houve saída, que o “destino” direcionou para esse lado, muito se ouve o termo “não pude impedir!” Existem casos de influência da família; tem os casos de influências indiretas, ou seja, às vezes um tio, um amigo, um professor pelo qual você se identificou. Existem aqueles casos de profissões de risco pleno, como é o caso de pilotos, pára-quedistas, alpinistas e outros que sabem do risco que correm — mas a paixão é maior e eles têm a consciência que podem ir e não voltarem mais.
O que sempre percebemos é que nem todo mundo é feliz na profissão que exerce. Sempre ouvimos por aí que muitas pessoas, independente de sua classe social, sejam elas famosas, públicas, ricas, bem sucedidas ou não, são frustradas; às vezes por pura determinação social. Mas na verdade é necessário que exista uma vontade pessoal em busca do que se quer, isso serve para qualquer coisa na vida, sobretudo na escolha e exercício do oficio — não importando qual seja.
Tenho um amigo que conheço desde os sete anos de idade. Um grande homem, íntegro e humanista, sempre foi um apaixonado pela arte, escritor de mão cheia, grande intelectual, não tinha como fugir de sua vocação; iria ser alguém ligado à cultura, educação e arte em geral, tinha tudo para isso. Contudo, por determinação familiar, fora obrigado cursar direito. Ele poderia seria um bacharel e assim continuar exercendo seus dotes artísticos. Bem, ele poderia, mas nem isso foi permitido... A pressão era grande, o homem não conseguia respirar. Eles queriam que ele fosse um renomado advogado, um excelente promotor ou procurador e depois um imponente juiz, com todas as pompas e status — típico dessa nossa sub-cultura dos bacharéis...
Meu amigo passou cinco anos estudando feito um louco, mas não estudava com determinação, mas por fúria. Durante todo esse tempo esteve cercado de depressão e agonia.
Assim passaram dias, semanas, meses e anos. Ele não era mais o mesmo, já não havia mais alegria em seu olhar e em suas atitudes. Sentíamos saudades do amigo de antes, que infelizmente estava morto.
Enfim, formou-se. Já era até chamado de “doutor”. A mãe chorava sem parar, e o pai alegre, dizia para todos: “Este é meu filho...”
Depois veio o exame da ordem dos advogados do Brasil, um dos concursos mais disputados do país — cujas provas têm alunos escrevendo “proçeços”... Conseguiu ser aprovado. Estava ali no charmoso jantar de comemoração, o novo advogado, o orgulho da família... Contudo, por detrás das bajulações, dos apertos de mãos e dos jogos de interesses, só ele sabia o quanto era grande sua decepção, havia um sorriso sem açúcar e sem sal — era o fim de um grande homem, de um grande artista.
Entretanto, lá estava ele, trabalhando num escritório de nome no centro da cidade. Todos os dias, acontecia-lhe de ficar parado diante dos monumentos pitorescos da Paris dos Tristes Trópicos. Seu pensamento ia longe, se imaginando nos grandes redutos da arte pelo mundo — mas sua realidade era cruel.
Meu amigo já não agüentava as loucuras de sua família. Sua mãe, sempre preocupada com o bem estar do filho, já andava a procura de uma garota de classe média alta para namorar seu filho advogado... Era obrigado a freqüentar lugares mesquinhos, cheios de idiotas, com seus sorrisos forçados, pensando grande e falando como se fossem donos do mundo.
Mas um dia as coisas mudaram. Quando ele saia de seu escritório para almoçar, passando pela grande calçada do largo São Sebastião, viu um grupo de hippies bebendo no Bar do Armando. Estavam ali, sentados do lado de fora, se esbaldando numas cervejas geladas.
Era por volta das treze horas. O clima estava atípico; e o sol, em contraste com o ambiente, não brilhava mais que seus olhos. De súbito, vieram à tona muitas lembranças. Seus momentos mais sublimes vieram lhe visitar, entristeceu-se, bem que poderia ter sido tudo antes, nada como uma bela tarde ensolarada para uma visita de pensamentos revolucionários. Meu amigo teve um ataque de choro misturado com raiva.
Num gesto brusco, arrancou seu terno italiano e atirou sua gravata aos pombos famintos que descansam nas sombras das árvores, desabotoou sua camisa e seguiu em direção ao bar.
Fez um comprimento tímido para os “malucos” que lá bebiam e sentou-se abalado a uma mesa. Ele então se preparou, bebeu a primeira cerveja, e logo no primeiro copo foi tomado por uma emoção forte — era o grito de liberdade. Bebeu a segunda e foi telefonando para seus amigos para que fossem imediatamente para tal solenidade.
A partir deste dia meu amigo voltava a ser o que sempre foi. Chegou em casa, comunicou aos familiares que a partir daquele dia não era e nunca mais seria um advogado, pois isso nunca tinha sido o seu desejo. Arrumou suas coisas e foi embora para casa de um tio que lhe compreendia. Em parceria com outro amigo, montou um bar chamado Metamorfose, que logo começou a receber um público seleto de artistas e intelectuais. Muitas pessoas o ajudaram intensamente em seu projeto porque se tratava da reconstrução de um homem e, sobretudo, de um artista.
Seus planos foram se realizando; passou no vestibular para o curso de artes da Federal do Amazonas e retomou seus trabalhos de pintura, literatura e outras coisas.
Com o semblante triste ele falou:
“Meu caro, são as exigências sociais... Não é fácil desafiar a família... Às até vezes queremos, mas não podemos. Temos muitos princípios e regras que governam nossas vidas e muitas vezes ficamos presos a elas. Nos esforçamos tanto para agradar os outros e não nos preocupamos em agradar nós mesmos, é lamentável...”
Foi o que ele me contou, mais tranqüilo, com um sorriso triunfante, enquanto andávamos pelos mesmos lugares pitorescos da nossa infância, fazendo algo que tínhamos paixão: caminhar sob o chuvisco.
*Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas
Um comentário:
Muito profundo esse artigo, onde o autor demonstra de forma clara e objetiva como muitas pessoas na vida, são frutos dos desejos de outros que controlam seu destino.
Que nós vivamos nossa liberde de escolha, de opinião, de ir e vir de ser, de querer.
Hoje nossa juventude anda tão sem referencial que acabam cedendo aos caprichos dos pais, tios e familiares em geral. É hora, de colocarmos pra fora esse grito entalado na garganta e passarmos a viver a nossa vida e não a vivermos as frustaçoes de nossos pais, por exemplo.
Parabéns pelo artigo, vc escreve muito bem, precisa expor mais seus medos, traumas e desejos, por que com certeza vc é um grande escritor que está se descobrindo.
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