sexta-feira, 13 de março de 2009

AMAZÔNIA E O SEU TESOURO BIOLÓGICO

Thomas Lovejoy*

A Amazônia é uma região de superlativos. O rio em si excede qualquer outro: drena uma área aproximadamente igual à de 48 dos Estados Unidos da América somados, e seu fluxo é 11 vezes maior que o do segundo rio do mundo em tamanho. É biologicamente rica. Só a diversidade de peixes, mais conhecida pelo cintilante arco-íris das espécies de aquários, é maior que a do atlântico norte inteiro.

O próprio nome origina-se da convicção dos primeiros exploradores de terem visto as guerreiras amazonas da antiga lenda grega. A Amazônia continuou a ser um lugar onde começam e terminam as lendas. A noção inválida de que a Amazônia é uma das mais importantes fontes líquidas de oxigênio ainda persiste. E ao mesmo tempo, porém, a Amazônia ajudou a derrubar o mito de que a vegetação natural não influi no clima de uma região: pesquisas científicas de ponta no Brasil mostraram que a vegetação desempenha um papel vital na geração de metade da precipitação atmosférica na Amazônia.

Em certo sentido a Amazônia brincou de esconde-esconde com os aventureiros em busca de riquezas. Por vezes verdadeiros tesouros foram descobertos, como na grande saga da borracha ou na mineração dos tempos atuais, tanto por empresas como por indivíduos. O mais freqüente são as pessoas ficarem confusas ante o paradoxo da vegetação exuberante associada ao solo quase sempre pobre. Paradoxo ainda maior é que a maior parte da Amazônia, simplesmente não é apropriada para a agricultura convencional, sendo sua verdadeira riqueza a sua biologia.

A extraordinária biodiversidade na Amazônia é evidente para qualquer pessoa que vá além de um primeiro desconcertante encontro. Pois este não é um lugar como o Pantanal ou o leste da África, onde a vida selvagem é óbvia para todos. A vida animal na floresta não é facilmente vislumbrada e leva-se tempo para desenvolver um olho sofisticado para a biodiversidade na hiléia. O viajante moderno, apressado, provavelmente sairá de Amazônia com a mais superficial das impressões, enquanto aqueles confinados numa metrópole ou capital distante terão ainda menos noção do que pode estar lá e do que possa vir um dia a representar.

Enquanto os povos indígenas claramente tinham e tem uma profunda compreensão da história natural da Amazônia, a expedição de Alexandre Ferreira (XVIII) foi a primeira a explorar sua biologia à maneira sistemática dos europeus. Hoje, embora os pássaros, borboletas e flores estejam razoavelmente bem documentadas pela ciência, a maioria dos outros grupos de plantas e animais é conhecida de forma bastante superficial. É provável que apenas uma em dez espécies amazônicas tenha sido bastante descrita pela ciência, quanto mais estudada em algum detalhe, e mesmo novas espécies de pássaros, borboletas e árvores são descobertas regularmente.

Nos últimos anos, o desflorestamento na Amazônia brasileira vem tornando-se sério, embora ainda não se tenha quantificado tributo da riqueza fundamental da região, que é a sua diversidade biológica. Um esforço conjunto de proteção de flora e da fauna só é viável se acoplado à exploração e inventário biológico. Sob este prima, a recapitulação em 1991 da expedição de Alexandre Ferreira é de fato simbólica. Ironicamente, mais de 200 anos depois o mesmo espírito de curiosidade e exploração que impeliu o autor de Viagem Filosófica – Uma redescoberta da Amazônia torna-se de novo oportuno e relevante, mesmo se associado à moderna tecnologia científica e logística.

O desflorestamento que está cobrando o tão oneroso tributo da extinção provém de múltiplas fontes. A mais difícil de modificar consiste nas necessidades básicas de uma população que cresceu para mais de 10 milhões só na Amazônia brasileira (hoje estimada em mais de 20 milhões). As únicas soluções bem – sucedidas serão que oferecem alternativas àqueles que já vivem na região. Entre elas estão os diversos produtos que podem ser extraídos da floresta sem danificá-la. Outra possibilidade é o turismo ecológico.

Uma solução de mais longo prazo será transformar a imensa riqueza genética em produtos farmacêuticos e outros por intermédio da biotecnologia. O cruzamento da biotecnologia com a biodiversidade já está começando a gerar uma atividade econômica significativa. Isso é de fato um exemplo do que representa na realidade o conceito difuso de desenvolvimento sustentável. Ele não será alcançado da noite para o dia. Embora o mesmo inventário necessário para a conservação também seja fundamental para o uso criterioso. Assim, conquanto a expedição de 1991 simbolize o passado, também simboliza as urgentes necessidades de conservação do presente e a imensa riqueza de longo prazo a ser extraída do tesouro biológico que é a Hiléia.

*Pesquisador do Smithsonian Institution (Introdução) da obra: Viagem Philosophica - uma redescoberta da Amazônia (1792 – 1992). Rio de Janeiro: 1992.

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