sexta-feira, 20 de março de 2009

MPF GARANTE DIREITO AS DIFERENÇAS ÉTNICAS

O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) em cumprimento ao preceito Constitucional tem abrigado várias causas populares, em respeito a sua especificidade, primando pela efetividade das normas, que visam à garantia do direito coletivo. Na quarta-feira (18), o MPF/AM promoveu uma reunião técnica, que iniciou às 14h prolongando-se até as 20h para tratar sobre as condições da saúde indígena no Estado, tendo por referencia o caso da Luciane Barreto, quando a direção do Hospital da Rede Pública do Estado, João Lúcio proibiu a entrada dos pajés Tukano para interagir com os médicos no tratamento da criança que tinha sido picada por uma jararaca.

A reunião técnica em formato de audiência pública composta por profissionais de considerado respeito acadêmicos, como também por lideranças políticas e espirituais indígenas foi presidida pela Procuradora Luciana Fernandes Portal Lima Gadelha, contando com o apoio da Procuradora Ludmila Fernandes da Silva Ribeiro, tendo por objeto analisar os sistemas tradicionais indígenas de saúde em relação à medicina clássica ocidental no tratamento do paciente indígena nos hospitais da rede pública.



Na abertura dos trabalhos registrou-se o pronunciamento da procuradora Luciana Gadelha, que agradeceu a todos pela participação e ressaltou “a importância do diálogo intercultural, e de se discutir os aspectos jurídicos do tema, para que possamos traçar uma política no Estado do Amazonas sobre esse tema, e para que o MPF possa fazer uma recomendação aos diversos hospitais da rede pública no Amazonas, a exemplo da que foi feita no caso da menor Luciane, estendendo aos demais pacientes indígenas. Falou sobre o teor do art. 231 da CF/88 e do art. 25 da Convenção 169 da OIT, que trata da cooperação com os povos interessados para os serviços de saúde, levando em consideração as práticas tradicionais”.

Ainda mais, explicou a Procuradora, “o tema está disciplinado na legislação brasileira, inclusive por portaria do Ministério da Saúde, no entanto existem dificuldades no plano prático. Também a política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas trata do reconhecimento da medicina indígena, inclusive na rede SUS. A portaria de 31/01/2002 do MS (ministério da saúde) trata da política nacional de atenção à saúde dos povos indígenas, que traz diretrizes sobre a articulação entre a medicina tradicional e a medicina clássica, e reconhece a eficácia da medicina tradicional, que não deve ser concebida como mera superstição ou fragmento de um pensamento menos evoluído, e reconhece que a utilização dessa medicina tradicional traz efetivas melhoras ao tratamento dos pacientes indígenas, devido a sua abordagem holística da saúde, diferente da medicina ocidental clássica”.

Quanto à cura, a Procuradora Lucina declarou que ”para os índios não é apenas do corpo físico, mas também no plano espiritual. A portaria do MS também prevê a utilização de ervas medicinais no tratamento dos pacientes indígenas e que os médicos tragam contribuições sobre esta matéria”.

Como disse a Procuradora, o objetivo da reunião “é traçar uma atuação do MPF em relação aos demais pacientes indígenas no AM, tendo por pressuposto a igualdade entre as culturas, o diálogo intercultural, ouvindo especialistas e juristas, para enriquecer o debate, pois é um debate interdisciplinar entre diversos setores de conhecimento”.

Relatou ainda as dificuldades práticas que houve no caso da menor Luciane Barreto, dentre as quais o fato de que os profissionais médicos não têm o hábito de aceitar a opinião do terapeuta tradicional (pajés) em relação ao paciente indígena, esquecendo a igualdade das culturas.

Nesse caso foi alegado, segundo a Procuradora, ”o problema da interação medicamentosa entre as ervas dos pajés e os remédios convencionais, assim como as dificuldades em relação à dieta da paciente indígena. No caso da Luciane Barreto houve a contribuição do nutricionista do hospital Getúlio Vargas”. O fato é que há necessidade de os hospitais assegurarem o direto de acesso do pajé ao paciente indígena.

No caso do seu Avelino (pajé Tukano) “este orientou sobre a impossibilidade de haver mulheres grávidas e menstruadas no recinto, assim como de profissionais médicos que tivessem tido relação sexual no dia anterior, o que é preciso respeitar em vista do princípio da igualdade, que não é isonomia formal ou material, e sim um reconhecimento da diferença, ao contrário da política indigenista brasileira anterior que previa a integração cultural do indígena. Hoje se busca garantir o direito a diferença”, afirmou a Procuradora.

Houve também dificuldade, conforme a Procuradora Luciana Gadelha, quanto à instalação de redes para a paciente e seus acompanhantes e principalmente quanto à “relação à cerimônia religiosa da prática curativa dos pajés, porque alegaram o prejuízo ao sossego dos outros pacientes. Não tenho conhecimento se os cursos de medicina do estado têm no seu currículo obrigatório a previsão de uma cadeira que trate sobre saúde indígena, sendo de grande importância para esta população. Convoco a todos a exporem suas opiniões sem receio e sem preconceitos, com liberdade, e com sabedoria para ouvir opiniões divergentes, a fim de haver o aperfeiçoamento da discussão”, explicou.

O gesto da MPF/AM poderá servir de exemplo para orientar as práticas de saúde em outros Estados da Federação.

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