segunda-feira, 30 de março de 2009

MÁRCIO SOUZA: "SE ESSE PAÍS FOR DECENTE PRESERVARÁ O ENCONTRO DAS ÁGUAS"

O projeto de construção do terminal portuário é da Lajes Logística S/A, empresa controlada pela grupo Log-In Logística Intermodal S/A, tendo a frente à Companhia Vale do Rio Doce. A obra prevista fica próxima ao Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões, no quilômetro 17 da Alameda Cosme Ferreira, Colônia Antonio Aleixo, zona Leste da cidade. A obra estimada em R$ 220 milhões visa atender as operações de cargas do Pólo Industrial de Manaus (PIM).

A construção do Porto das Lajes virou polêmica em Manaus. Entidades e personalidades como o escritor Márcio Souza são contra. Para um dos mais influentes intelectuais do Amazonas, que possui uma vasta obra reconhecida no mundo, o projeto é uma ameaça a identidade da cidade, ao meio ambiente e às comunidades da região. A entrevista do nosso colaborador Márcio Souza mereceu capa no jornal Diário do Amazonas, datado de domingo (29/03), confira.

Por que o senhor é contra a construção do Porto?

Em primeiro Lugar eu sou a favor da construção de um porto. A cidade de Manaus já tem uma grande demanda para contêineres. Acho ótimo, mas temos outras áreas que podem receber esse projeto, principalmente com a criação da região metropolitana.

Qual a importância do Encontro das Águas? Também é Cultural?

Esse projeto vai atingir o Encontro das Águas, que é onde nasce o rio Amazonas. Ele também tem influências sociais, econômicas, ambientais sobre várias comunidades, não só na do Aleixo. É uma questão de identidade cultural também. O carioca aceitaria um projeto que destruísse a praia de Ipanema? Ou o paulista deixaria destruir o Pátio do Colégio? (onde nasceu São Paulo).

O senhor manifesta muita confiança de que esse projeto não vai dar certo.

Se esse País for decente, não. Não há como esse projeto passar, pois a área do Encontro das Águas é um sítio paleontológico e há três ecossistemas diferentes e é muito raro o planeta ter esse tipo de encontro. Há o período Quaternário, o Escudo Guianense, que é Triácico e o Terciário, que podem resolver alguns enigmas da formação do planeta Terra.

Eu acho muito difícil eles conseguirem essa concessão, até porque não é problema do órgão estadual do meio ambiente, porque o rio Amazonas é considerado como águas internacionais e isso é com o governo federal. Eu tenho certeza que o Ministério do Meio Ambiente não vai mesmo aprovar esse projeto. O parecer que Ministério Público Estadual pediu da UFAM mostra os absurdos.

O Ministério da Cultura vai tombar o Encontro das Águas. O ministro já recebeu a documentação com os dados técnicos, assim como o ministro do Meio Ambiente e o Ministério Público Federal, que não pode ser pronunciar, mas já tem todas as informações necessárias. Há pareceres locais científicos. Nesse movimento social tem gente que não é manauara, mas que foi bem recebida pela cidade. Nem todos que são bem recebidos aqui sacaneiam com a cidade.

A região é um patrimônio da Humanidade?

Sim e será atingida por esse projeto, porque fica na área de oito quilômetros e a área que eles querem implantar o projeto é de 800 metros. Eles ficaram perplexos sobre como se questionou essa área. Aquilo ali é o esgoto do Distrito Industrial, onde jogam metais pesados e há assoreamento pela omissão do poder público municipal, estadual e federal.

O Greenpeace e a WWF não se manifestaram de forma contundente contra o projeto. A que o senhor atribui esse comportamento?

Essas entidades são mais show business do que a defesa do meio ambiente. Quando há movimentos sociais, povo no meio, eles não se metem. Então eles não vão se meter até ter a oportunidade de fazer algum show pirotécnico para aparecer em televisão.

O senhor tem feito gestões internacionais sobre a questão?

Entrei em contato com amigos meus na França, Alemanha e nos Estados Unidos, que são ligados a questões de cidadania e da Amazônia. A Segolène (Royal, candidata socialista derrotada por Nicolas Sarkozy à presidência) deverá fazer um pronunciamento no senado da França, que tem uma parte da Amazônia. E sites ligados às questões ambiental e social têm produzido a documentação em inglês e francês.

A discussão desse assunto na esfera internacional não poder ser considerada interferência nas questões internas do País?

Essa questão é brasileira. O problema vai ser resolvido aqui no Brasil. O Estado vai impedir essa barbaridade.

O senhor acha que há um efetivo envolvimento da sociedade ou há um ‘marasmo’, para usar um termo seu?

Os principais interessados estão lá. Fora isso há uma grande maioria silenciosa. A questão está vinculada a uma luta política no quadro da democracia, não é preciso mobilização de massa. Não é uma eleição, é uma questão técnica, cultural e científica. Vamos discutir no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério da Cultura, que são fóruns para isso. Não precisamos fazer papel de ridículos, de abraçar o Encontro das Águas. O que precisamos é da massa crítica que está a favor da cidade de Manaus.

A localização desse porto é tida como estratégica.

Eles dizem que o porto tem que estar atado ao Distrito Industrial, mas hoje a questão da distância não é um problema, pois a estrutura urbana está preparada. Eles têm Itacoatiara, por exemplo. Poderia ser em outro local, pois há muitas opções, se eles quiserem o bem do Estado e do seu povo.

Eu fico espantado com os herdeiros do grupo Simões participarem de um negócio desses. Se o senhor Simões (Antônio) estivesse vivo ele não aprovaria. Ele foi patrono da minha classe no Colégio Dom Bosco, em 1964. Nós tivemos alguns encontros com o Sr. Simões. Ele era um homem que amava a cidade e eu duvido que ele se envolvesse na destruição do Encontro das Águas.

Temos o exemplo de Toranto, que desativou o porto antigo em frente à cidade, construída sobre um forte, que é o principal aspecto da identidade local, onde as tropas inglesas repeliram a invasão de George Washington. Hoje seria o Canadá americano. Então é um marco da independência deles. Eles transferiram o porto para uma área melhor e mais importante, com todos os cuidados com o meio ambiente e transformaram a áreas do porto antigo.

O senhor é morador do Centro e é ferrenho crítico do descaso com a cidade.

O problema de Manaus é que a cidade sofreu um impacto populacional de migração interna de 1970 para cá, talvez só comparado ao impacto que sofreu no final do século 19 e início do século 20 a cidade de Nova York. Mesmo que nós tivéssemos tido administrações geniais, nós ainda teríamos problemas, como os Estados Unidos tiveram. O nosso azar ao contrário dos prefeitos de Nova York, é que nós tivemos, em sua grande maioria incompetentes e ladrões, desde os anos 70.

Mas veja bem, isso não é só problema de Manaus. A ditadura proporcionou isso. Não se tinha vida política democrática e republicana com a ditadura. Tivemos prefeitos cretinos e analfabetos. As marcas da destruição vão ficar para sujar a memória dos responsáveis pelo descaso.

Nas grandes cidades como no Rio, há programa de recuperação do Centro?

São grandes metrópoles com formação universitária antiga. A nossa universidade só se estruturou de fato nos anos 70. Temos pouca densidade intelectual na cidade. Além disso, tivermos uma grande migração de gente que veio das áreas mais miseráveis do País em busca de esperança.

Não há identidade com Manaus?

Não. Como é que você vai explicar para uma cara que chegou do Maranhão, do Piauí ou de Goiás, onde ele não teve a menor chance de ter freqüentado a escola, sobre a importância do Encontro das Águas? Se ele puder vai poluir. Ele é capaz de entregar a filha para virar prostituta só pra se dar bem. Aliás, esse será um dos grandes negócios do Porto das Lajes.

Há condições de rever a situação de Manaus, ou pelo menos preservar o que ficou de seu patrimônio?

Há o esforço do Robério Braga (Secretário de Estado da Cultura), que faz intervenção em duas praças e só não avançou porque a administração passada da prefeitura não quis fazer, inclusive atrapalhou. Na Praça Heliodoro Balbi (da Polícia) ele teve que passar o tapume porque teriam roubado peças e vendido para o ferro velho. O Amazonino quer fazer o projeto, só que precisa de muito dinheiro. Pelo que eu si ele vai fazer, mas não da noite para o dia. Estamos em uma democracia e temos que dar um destino a essa gente que está trabalhando. Temos exemplo no País, como em Terezina, no Piauí, que é muito mais pobre do que Manaus. Em Aracaju e em João Pessoa, onde não se encontram camelôs nas ruas porque fizeram uma administração republicana. Manaus está entre as cinco cidades com o maior orçamento do Brasil. Então, tem solução.

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