sábado, 17 de abril de 2010

A ANTROPOLOGIA E SEU STATUS ACADÊMICO NO AMAZONAS


Ademir Ramos (*)

O determinante nesse contexto é a mediação que o protagonista construiu para narrar o fazer antropológico no Amazonas referenciado nos autores e na teia de sua criação, tendo por universo a complexa relação homem/natureza na perspectiva etnográfica ou das interpretações das culturas indígenas numa interlocução com os diversos campos das ciências do homem, com o próprio mercado de bens simbólicos e, sobretudo, ressaltando a importância da formação da antropologia como disciplina acadêmica no âmbito universitário.

Em relação a esses cobiçados bens culturais, o fato está escancarado na prática de Cürt Nimuendajú, quando em 1927, na sua expedição por São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do estado do Amazonas, o etnógrafo exalta suas aquisições mais importantes: “10 máscaras de dança como todos os acessórios; uma coleção de 36 tubos de embaúba ricamente pintados e que eles durante a dança tocam no chão para produzir um som de tambor; duas caixas contendo os enfeites de penas e todos os demais para a toilete da festa; 5 enxós com lâminas de pedra, hoje só usados na dança; uma coleção de maracás gravados; 7 daqueles cilindros de pedra branca, usados no peito; uma coleção de balaios pintados; 5 banquinhos, etc.” (Museu Nacional de Etnologia Assírio & Alvim: (2.000, p.110/11).

Assim como os expedicionários se apropriavam de bens materiais também se valiam dos saberes tradicionais indígenas para saquear a fauna e a flora bem no estilo de Spix e Martius (1781-1825). Tal processo, quando resulta de uma prática religiosa, caso dos padres Salesianos no Rio Negro, a partir de 1914, a erosão das culturas indígenas tem sido muito maior.

Contudo, o narrador conviveu com atores que se relacionaram com os agentes destas ações e por esse motivo se animou ainda mais a estudar a matéria com foco na História da Antropologia. Um deles foi o promotor público Geraldo Pinheiro e o próprio Nunes Pereira. Entre goles e conversas procurava-se conhecer o comportamento desses atores quando, na verdade, estávamos muito mais encantados pelos seus feitos do que em decifrar as suas obras.

Esse encantamento tornou-se ainda maior quando, em Manaus, o protagonista, em 1976, começa a estudar Antropologia no Centro de Estudo de Comportamento Humano, unidade de nível superior, com objetivo de formar Agente Pastoral na Amazônia sob a direção dos padres holandeses, que tinham autonomia curricular e gestão acadêmica voltada à pastoral das Comunidades Eclesiais de Bases.

Embora fosse o curso em nível superior, o professor que ministrava a disciplina Antropologia I/II não tinha titulação acadêmica na área. Tratava-se de um religioso com extensa observação de campo e com uma leitura bastante ortodoxa pautada no funcionalismo durkaiminiano, bem ao molde das instituições, o que favorecia diretamente aos interesses da Igreja. Entretanto, o professor salesiano acumulou um vultoso acervo documental dos povos do Alto Rio Negro, o que lhe deu respeito, reconhecimento e visibilidade na academia.

O narrador presenciou por diversas vezes pesquisadores nacionais e estrangeiros o procurarem para entrevistá-lo e, quando o padre estava de bom humor, tinham até acesso aos documentos da missão, sobretudo, os livros de tombo, suas fichas etnográficas ou as centenas de horas de gravações magnéticas relativo aos mitos dos povos do Rio Negro. No Amazonas, todos nós que iniciamos nesse ofício temos pelo padre Casimiro Beskta um grande respeito.

Lamenta-se que todo esse acervo dos povos do Rio Negro não tenha sido redimensionado para as próprias Organizações Indígenas ou para a Universidade Pública. Ao contrário, parte dessa documentação já foi até transferida para Turim, onde fica a Província dos Salesianos na Itália.

Outro marco regulador na História da Antropologia no Amazonas deu-se quando em 1978, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil institucionalizou o Secretariado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), criando em Manaus, um campo favorável em defesa dos povos indígenas.

A criação do CIMI aliada com a defesa da Amazônia e a luta pela redemocratização do País agregou novos atores tanto da academia como da sociedade organizada. Além da luta política conjuntural articulou-se também vários projetos entre a Universidade Federal do Amazonas por meio dos professores e alunos do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL). Em destaque a criação do jornal Porantim, que tinha como seu editor chefe o professor do Departamento de Comunicação, José Ribamar Bessa Freire.

Nesse mesmo ano de 1978, o professor e antropólogo Paulo Pinto Monte informa-nos também do Curso de Extensão em Antropologia Amazônica promovido pelo Departamento de Filosofia do ICHL através do Projeto de Estudos e Pesquisas Antropológicas. O curso contou com a presença de Darcy Ribeiro, Carmen Junqueira, Márcio Souza, Mário Ypiranga Monteiro, Egídio Schwade, Casimiro Beskta e demais conferencistas.

Enquanto por aqui se institucionaliza a Antropologia como disciplina acadêmica nos cursos universitários, no Rio de Janeiro, em 1958, Luis de Castro Faria, então diretor do Museu Nacional, convidara Roberto Cardoso de Oliveira para ingressar em sua equipe, visando dar continuidade ao projeto iniciado por Darcy Ribeiro, que era formar profissionais, oferecendo curso de especialização na área de Antropologia Social.

Por lá, os cursos de especialização começaram a funcionar em 1960 e entre sua primeira turma encontram-se nomes que se tornariam conhecidos para todos nós que estudamos Antropologia na Amazônia: Roberto da Matta, Alcida Ramos e Roque Laraia. Os cursos de especialização foram, sem dúvida, “o ponta pé” para a criação, em 1968, do programa de Pós-graduação.

Com o avanço da Pós-graduação, os antropólogos se voltaram para o campo de pesquisa e o Amazonas passa ser revisitado pelos pesquisadores, em particular as áreas do Solimões/Javari e Rio Negro. Destaque para os trabalhos do Julio Cezar Mellati, que retornou ao campo em 1974/1983 para elaborar um denso estudo entre os Marubo, tornando-se referência para etnologia brasileira, bem como também o professor Orlando Sampaio Silva, que desde 1973/2000 mergulhou no leito da cultura Tükuna construindo suas interfaces tanto material quanto simbólica. Mérito se faça aos trabalhos do professor João Pacheco de Oliveira. Com a mesma determinação reconhecemos a importância dos estudos da Berta Ribeiro, entre os Desâna de Pari Cachoeira/Alto Rio Negro, contribuindo diretamente para a consolidação do saber antropológico na Academia, inaugurando uma prática intercultural promotora da literatura indígena no Brasil, com a publicação do livro “Antes o mundo não Existia” dos autores Desâno.

Com o desatar das ações a Antropologia ganha forma e seus estudos vão se tornando cada vez mais denso frente à diversidade dos valores culturais e ambientais da Amazônia. Nessa perspectiva, o Departamento de Ciências Sociais (DCS) do ICHL ofereceu o Curso de Especialização em Antropologia Amazônica, realizado em Manaus, no período de julho/1983 a dezembro/1984, somando 550 horas/aulas. O curso foi coordenado pela professora Edila Arnaud Moura, contando com a participação de Jane Beltrão, Samuel Sá, José Ribamar Bessa Freire, Philippe Lena, Clodomir Monteiro, Maria Aurora Consuelo Alfaro, entre outros.

Aos poucos, o DCS toma para si o projeto pedagógico da Antropologia e começa oferecer a disciplina aos demais cursos da Universidade Federal do Amazonas. Essa atitude cria um campo favorável para se discutir o valor desse saber integrado aos conteúdos dos cursos a começar pelo próprio DCS. Este por sua vez, por força do autoritarismo, foi reduzido ao bonde.

Qualifica-se dessa forma porque abrigava História, Geografia e por último, 2004, abrigou também os professores de Antropologia. Assim como os outros no passado também saíram para formar a seu próprio Departamento. O curso que dava identidade ao DCS era por sua vez, o de licenciatura curta de Estudos Sociais.

Em 1988, com o avanço das lutas pela redemocratização foi possível operacionalizar a criação do Curso de Ciências Sociais no Amazonas com o referendo do Reitor Roberto dos Santos Vieira. O projeto do curso está centrado na Antropologia, Sociologia e na Ciência Política. Para esse fim contratou-se os seguintes consultores: Octavio Ianni, Miriam Limoeiro, Renato Ortiz, Carlos Moreira Neto e José Paulo Netto.

Em cumprimento a orientação do MEC por meio do Projeto de Expansão das Universidades brasileiras, a Universidade Federal do Amazonas resolveu em 2005 implantar o Curso de Graduação em Antropologia, no município de Benjamin Constant, na região do Alto Solimões, fronteira do Brasil com o Peru, tendo por objetivo: Capacitar profissionais graduados, em nível de bacharelado, para o exercício de antropólogos, com visão inter, multi e transdisciplinar com habilidades e competências para o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão. A frente deste projeto registra a participação do antropólogo Julio Cezar Mellati.

Em 2006, a UFAM cria o Departamento de Antropologia. Em 2007 publica o edital para os cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, concedendo a Antropologia o status de ciência na Academia do Amazonas.

Referência:

MUSEU Nacional de Etnologia Assírio & Alvim. Cartas do Sertão – de Curt Nimuendajú para Estevão de Oliveira./ Apresentação e nota: Thekla Hartmann. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000.

(*) Professor, antropólogo e coordenador do Núcleo de Cultura Política do Amazonas (NCPAM/UFAM).

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