sexta-feira, 23 de abril de 2010

NA POSSE DO TSE, PRESIDENTE DA OAB RECLAMA POR REFORMA POLÍTICA DURADOURA

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou ontem, quinta-feira (22) que o Congresso Nacional continua devendo à sociedade brasileira "uma reforma política duradoura, ao invés de leis de ocasião para atender uma eleição específica". A afirmação foi feita durante solenidade de posse do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, e da vice-presidente, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

No discurso, Ophir fez um apelo aos congressistas para que ninguém mais peça vistas do projeto da reforma eleitoral, que está emperrado na agenda nacional desde 1930. Para que se tenha uma ideia das dificuldades em relação à aprovação da reforma política, o presidente nacional da OAB citou o projeto Ficha Limpa, de iniciativa popular, "que enfrenta terríveis resistências em sua tramitação na Câmara dos Deputados".

Mas, segundo ele, tais dificuldades não intimidam a sociedade civil, "ao contrário, nos estimula a continuar a caminhada em defesa da ética na política para que tenhamos representantes compromissados com os ideais republicanos". Nesse sentido, enfatizou que cumpre ao TSE "a missão institucional de separar o joio do trigo, afastando dirigentes e governantes que praticam abusos, ao cabo do devido processo legal: este é um fundamento vital ao Estado democrático de Direito".

O que ameaça a democracia é a distância que separa uma elite privilegiada dos excluídos e despossuídos de quase tudo. Pois a democracia se fundamenta na igualdade. Leia na íntegra o pronunciamento do Presidente da OAB Naconal, Ophir Cavalcante:

Senhoras e Senhores,

Venho a esta tribuna para saudar, em nome da Advocacia brasileira, os Ministros Ricardo Lewandows e Cármen Lúcia Antunes Rocha, que assumem, respectivamente, a Presidência e Vice-Presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

Desta tribuna, a Ordem dos Advogados do Brasil expressa o sentimento da sociedade civil, de um povo que a cada eleição renova suas esperanças por um país menos desigual e mais justo. A verdadeira ameaça à democracia não é um político corrupto. Contra este temos alguns antídotos, como vimos recentemente. O que ameaça a democracia é a distância que separa uma elite privilegiada dos excluídos e despossuídos de quase tudo. Pois a democracia se fundamenta na igualdade.

Nas eleições de outubro estaremos pondo novamente à prova nossa capacidade de transformar esse preceito numa realidade histórica. Não é tarefa da noite para o dia. Leva anos, talvez décadas. E a Justiça Eleitoral cumpre um papel de alta relevância nessa trajetória, seja pela interpretação e aplicação das leis, seja pelo seu caráter pedagógico, a despertar na sociedade o sentimento cívico de participação.

Embora, ressalvo, algumas decisões sejam tomadas sob uma lógica de difícil compreensão, como os efeitos suspensivos em recursos em que um governante é afastado durante o dia e reentronizado ao cargo à noite. Ou quando nos deparamos com liminares que se eternizam em processos, cujo mérito nunca se discute. Ou ainda quando a morosidade, em certos processos, parece não ter fim.

Mas essas questões ensejam um debate hermenêutico, e este não é o caso, nem o momento.
Enquanto vemos na política o caminho para as transformações sociais, cumpre o Tribunal Superior Eleitoral sua missão institucional de separar o joio do trigo, afastando dirigentes e governantes que praticaram abusos, ao cabo do devido processo legal. Ao mesmo tempo, refreando atitudes intempestivas de políticos em períodos pré-eleitorais. Este é um fundamento vital do Estado democrático de Direito.

No entanto, não podemos generalizar, pois generalizações levam a injustiças, e reconhecemos que existem políticos sérios a honrar seus mandatos. Nossas críticas são pontuais e nosso objetivo é tão-somente construir uma nação com balizamentos éticos em todos os setores da administração, pública e, por que não, privada.

Sendo críticos, no sentido de cobrar resultados, não podemos escapar essa oportunidade e dizer: o nosso Congresso Nacional ainda nos deve uma reforma política duradoura, ao invés de leis de ocasião para atender uma eleição específica.

Chega a ser risível o contraste entre a revolução tecnológica que nos permitiu a urna eletrônica e o político que oferece uma dentadura em troca do voto. O atraso não está apenas no gesto, aliás, no crime. O atraso também se revela nas opções erradas do passado, de concentrar renda, ao invés de permitir a distribuição; de montar uma infra-estrutura econômica ao invés de uma infra-estrutura social; de privatizar o ensino, ao invés de universalizar o conhecimento...E então chegaremos à boca sem dentes, aos pés descalços, aos sem-camisa, sem teto e sem pão.

É este abismo que faz do poder econômico um anacronismo do processo eleitoral contemporâneo. Uma reforma política profunda e abrangente não pode deixar de contemplar o instituto do financiamento das campanhas, que a nosso ver deve ser público, transparente, com controle social para evitar os famigerados "caixas dois", que compram não apenas os dentes, mas a própria alma dos políticos inescrupulosos.

Uma reforma política profunda e abrangente para fortalecer os partidos políticos, os quais, de eleição em eleição, perdem seus representantes em razão da insatisfação do eleitor com o desempenho do seu candidato. Se tivéssemos maior visibilidade das legendas e do quadro partidário, a identificação dos Partidos com propostas e ações no curso da história, talvez tivéssemos outra configuração nessa questão.

Nunca é demais lembrar que a reforma política está na agenda nacional desde 1930, quando se falou pela primeira vez em sanear o processo eleitoral. No golpe de 1964, foi novamente invocada para justificar a derrubada do governo. Reapareceu na Constituição de 1988 e prossegue nos dias atuais. Fazemos um apelo para que ninguém mais peça vistas a esse processo.

Para que se tenha uma idéia das dificuldades em relação à reforma política, o projeto "Ficha Limpa", de iniciativa popular, enfrenta terríveis resistências em sua tramitação na Câmara dos Deputados. Mas isto não nos intimida, ao contrário, nos estimula a continuar a caminhada em defesa da ética na política para que tenhamos representantes compromissados com os ideais republicanos.

No início desta oração classifiquei como verdadeira ameaça à democracia o regime de apartação, o abismo entre os privilegiados e os despossuídos.

Agora acrescento que o simples gesto de confirmar o voto na urna, nas circunstâncias da realidade em que vivemos, não é garantia para o Estado democrático de Direito em nosso País. Há que se estabelecer salvaguardas ao cidadão para uma efetiva igualdade na escolha dos candidatos.

Esta é uma responsabilidade que se impõe ao TSE, de forma a garantir o direito à participação política em sua plenitude, nos exatos termos do que preconiza o Artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos : "A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto."

Lembro, neste momento, as palavras de Adolfo Perez Esquivel, prêmio Nobel da Paz, segundo as quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos deve se transformar em uma cultura da tolerância e respeito para com o próximo. Segundo ele, a prática democrática deve estar integrada aos planos educativos do país, pois somente assim o povo deixará de ser espectador para assumir o papel de protagonista de sua própria vida e de sua própria história.

Vossa Excelência reúne todas as qualidades para o comando desta Corte numa quadra tão decisiva de nossa vida política. Além de uma trajetória impecável, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pelas portas da Advocacia, o que muito nos honra, e consolidada no Supremo Tribunal Federal, o Sr. por diversas ocasiões mostrou-se sintonizado com os ideais da Ordem dos Advogados, razão pela qual, desde já, faço o convite público para uma conversa franca com o Conselho Federal, cujos membros estão empenhados em contribuir para uma efetiva fiscalização do processo eleitoral de outubro, ao lado das respectivas Seccionais que representam.

Vossa Excelência tem o nosso reconhecimento pela enorme contribuição prestada para o fortalecimento da Justiça Eleitoral. A firmeza das opiniões manifestadas enquanto presidiu a Corte revelaram que o magistrado pode (e deve) ser firme na defesa do direito e da Justiça, sem no entanto perder a candura poética que o caracteriza.

Por fim, sejamos protagonistas da emocionante história de nosso País, lutando pelo voto consciente e comprometido. A verdadeira reforma eleitoral não está só na lei, mas sim no homem, que eleito deve ter a consciência de que é um servidor da sociedade, a quem deve, permanentemente, prestar contar de seus atos e de tudo que usufrui em termos de estrutura que o dinheiro público lhe oferece.

O voto legitima o homem público, mas por si só não irá moldar o seu caráter, cujo julgamento dependerá exclusivamente de seus próprios atos.

Deus os ilumine.
Muito obrigado.

Fonte: OAB Nacional

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