segunda-feira, 12 de abril de 2010

APRENDENDO A ESCREVER COM O CINEMA

Márcio Souza (*)

Em 1965 cheguei a São Paulo para estudar. Prestei vestibular e fui aprovado no curso de Ciências Sociais da USP, que funcionava na Rua Maria Antônia. Com a idéia de fazer cinema, fui para na Rua do Triunfo, na Boca do Lixo, onde o cinema paulista acontecia. Consegui ser contratado como roteirista pela Servicine, a produtora do Antônio Palácios. E ali aprendi que o gosto é de escrever Dirigir cinema é outra história. Uma produção cinematográfica dura poucas semanas e funciona intensamente.

Tudo que numa produção teatral acontece de intenso e passional numa temporada de seis meses, no cinema acontece em quatro semanas. Ser roteirista da Servicine foi como seguir uma oficina literária revolucionária.

Aprendi que escrever é um trabalho igual a qualquer outro trabalho. Nós fantasiamos muito esse negócio de escrever. Pertenço a uma tradição literária que faz muito mistério com o ato de escrever. Por isso, estranhei um pouco esse negócio de encomenda, de alguém dizer o que e como devia ser efeito o roteiro, a adaptação de um conto, de um romance. Para virar filme.

Na Servicine eu tinha de escrever dois roteiros por mês. Eles tinham estoque de roteiros.Compravam o direito de livros, de contos, de peças de teatro e passavam para os roteiristas. Algumas vezes apresentávamos sugestões e eles aceitavam: como da vez que consegui aprovar um roteiro baseado livremente na peça de Brecht, “Na Selva da Cidade", com a ação no sertão nordestino.

O filme nunca foi feito e nem fiquei com uma cópia. Quase sempre a coisas acontecia assim, um dos produtores me passavam um do texto, um conto, romance ou sinopse e fazia a encomenda. “Você vai desenvolver esta sinopse num filme de cangaceiro" -dizia um dos produtores, o Palácios ou o Galante. –"Vamos filmar em Itu (grande cenário do nordeste em São Paulo), mas não temos muitos recursos. Escreva dois tiroteios, no máximo. E nada de muitos cavalos. Você sabe como cavalo custa caro. Basta uns dois três, para os chefes cangaceiros, o resto anda a pé.”

De vez em quando eu me entusiasmava e exagerava. Galante e Palácios, com enorme paciência, exercendo anos de experiência, contestavam:- “Está muito bom, mas você terá de mudar alguma cenas. Nesta aqui, por exemplo, há uma explosão na casa da Fazenda. Nada de explosões, custa muito dinheiro Na cena em que os cangaceiros invadem a cidade, há bons momentos, mas não temos uma locação para usar. Você troca para a tomada do acampamento da volante. Tendas são baratas e podemos atear fogo. Mas nada de explosão, é preciso dinamite e teríamos de autorização do exército... e eles podem pensar que somos terroristas”.

Escrevendo roteiro para a Servicine eu me tornei um escritor. Tudo o que eu precisava saber veio com a minha experiência como roteirista: que escrever é um trabalho e não depende de musa mas de disciplina; que não se escreve para o próprio umbigo, mas para ser lido por alguém; que escrever é reescrever e reescrever e cortar e eliminar ter o senso de autocrítica aguçado, sem complacência. Galante e Palácios eram produtores de verdade, não viviam mamando nas tetas do governo, não dependiam da Embrafilmes.

Aliás, como eram os produtores de São Paulo, da Boca do Lixo, embora tenham produzido filmes importantes, ao lado de seus produtos comerciais, eles sabiam que não teriam chances em concorrer com os cineastas do Cinema Novo, que dominava aquela estatal e faziam filmes que estavam pouco ligando se teriam público ou não. Para mim, ao me transformar em escritor, a idéia de ser lido, vendido nas livrarias, tornou-se central. Vivendo no Brasil, país de muitos analfabetos, eu não podia me dar luxo de escrever para meu um umbigo. Posso dizer que o cinema me ensinou a ser escritor profissional.

(*) É Amazonense, dramaturgo, articulista de a Crítica e escritor com reconhecimento internacional pelas publicações de suas obras.

NT. E o curso de Cinema sob a coordenação de Márcio Souza continua todas as noites no SESC da Henrique Martins, em Manaus.

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