quarta-feira, 7 de abril de 2010

MANAUS CIDADE SEM PORTO


Yudi Oda (*)

“...escuta o que dizem as ondas do mar
Se eu me deixo amarrar por um mês
Na amada de um porto
Noutro porto outra amada é capaz
De outro amor amarrar, ah
Minha vida, querida, não é nenhum mar de rosas
Chora não, vou voltar.”

Chico Buarque

Um compositor amazonense, conhecido entre os universitários da classe média manauara – Torrinho – canta, em uma de suas composições que “o recreio[1] tá aí na beira...” Ponto pra ele. Manaus não tem porto, tem beira. É na beira que o manauara recebe seus parentes interioranos, compra e vende açaí, peixe, farinha, goma, tucupi, tucumã, buriti. É lá também que ele pega o recreio pra viajar por 2, 4, 7 dias ou mais para visitar a família.

Paradoxalmente, Torrinho batizou sua mais conhecida composição – chamada por alguns de “Hino de Manaus” – de “Porto de Lenha”. Marcou. Porto é nome estrangeiro, palavra ausente do manauarês. Portos servem ao comércio e à indústria alienígenas, grande parte delas instaladas na cidade desde o regime militar, na chamada Zona Franca de Manaus. Portos não servem ao manauara. Portos exploram, maltratam a população. Felizmente, grande parte dos recreios continua na beira, informalmente, como sempre, indo e vindo a preços mais acessíveis.

O centro de Manaus, inclusive, tem o desprazer de abrigar o Porto Privatizado de Manaus, uma antiga estrutura pública, doada graciosamente ao amigo ( e ex-senador cassado) Carlos Alberto de Carli, pelo Prefeito Amazonino Mendes (à época e, coincidentemente, o atual também). Ironicamente, outro porto à serviço do grande capital utiliza, como nome o adjetivo Chibatão, que em Manaus não significa “chicotão” e não guarda relação com açoite, sova, surra. Chibata quer dizer “legal”, “pai d’égua”, “maneiro”. É óbvio que o tal Porto do Chibatão está mais pra um açoite no lombo do cidadão manauara. Ao grande capital, à grande indústria, uma mega estrutura. Ao reles cidadão migrante com sua mudança, ao viajante com seu carrinho popular, ao sujeito comum, nem um copo d’água, sombra ou cadeira.

Com os malditos, estúpidos e invasivos portos, os administradores do grande capital em Manaus querem destruir um dos maiores patrimônios naturais da humanidade: o encontro das águas do Rio Negro com o Solimões. Pretendem construir por sobre o Encontro das Águas, o Porto das Lajes.

Não satisfeitos em privar o manauara do contato visual com o majestoso Rio Negro, entulhando o beiradão do centro de Manaus com seus horríveis contêineres, os capatazes barés do Big Brother planejam uma investida mais ousada, evidenciando mais uma vez, o histórico desrespeito pelos valores, pelas tradições, pelas crenças e pelo meio ambiente do seu povo. Querem desfigurar o místico, belo e sagrado Encontro das Águas.

Evidentemente, este seria um crime ambiental para além de mera questão regional ou mesmo crime de lesa-pátria. Este projeto constitui assunto de interesse mundial. E você, vai se mexer ou não?

“Porto de Lenha, tu nunca serás Liverpool”. Nem Liverpool, nem Porto. Graças a Deus.

P.S. Também à serviço do grande capital, o prefeito de Floripa está apresentando um Plano Diretor adulterado que despreza importante processo de discussão coletiva e contém o maior conjunto de crimes ambientais da história da cidade. Um plano que, se concretizado, desfiguraria irremediavelmente esta bela cidade.
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[1] Recreio, no manauarês, é um barco de linha, uma embarcação para passageiros.

(*) É professor da UFAM, cronista do cotidiano absurdo ou do absurdo do cotidiano e amante das ciências, das artes e do mundo comunal (yudioda@yahoo.com.br).

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