sábado, 10 de abril de 2010

MUNDO SÓ

Ademir Ramos (*)

Em dia de chuva no Amazonas, o índio e o caboclo ficam mais calados e pensativos imaginando coisas que a própria natureza desconfia. Perdidos em seus atalhos existências, homens e mulheres nesse aperreio começam a bisbilhotar na memória imagens e representações que trazem dor e alegria.

Nessa viagem estamos sozinhos, num mato sem cachorro, pensando sobre a vida e a respeito daqueles que amamos. No momento, nos debatemos frente a frente com a nossa história, tentando formular perguntas e respostas para compreender a trajetória que seguimos rumo ao futuro tão incerto quanto o presente vivido.

Quando ainda jovem buscamos saídas imediatas, sonhando com a possibilidade de superação seja por meio da Escola, quando se tem acesso, do mercado informal e outros meios que nos impulsionam, quase sempre para fora do núcleo familiar. Nesse mundo só, jovem e adulto são prisioneiros do seu passado e por isso sentem-se impotentes para transporem as armadilhas impostas pela natureza no trajeto de um novo amanhã.

Mas, enquanto a chuva cai copiosamente o mergulho introspecto dos nativos continua às vezes de forma inquieta tentando responder de uma só vez todas as indagações postas. Contudo, o tempo impera como senhor dos homens acalantando neles projetos que muitas vezes se desmancham no horizonte das possibilidades.

O pensamento se torna curto para explicar todas as dúvidas, assim como uma roupa que não nos cabe mais. No entanto, sem nos entregarmos a consolação do destino volta-se a pensar sobre a materialidade das coisas muitas vezes fora do tempo, tentando fazer hoje tal como se fazia no passado. Mas, o tempo e a situação exigem de nós respostas novas e por não sabermos formular tateamos no escuro, sem perspectiva, dando-se por vencidos.

Por conta disso, tornamo-nos incrédulos e passamos anular nossos projetos que plantamos em terras não muito férteis. Dessa feita, os nativos vão se embrutecendo vivendo mais sobre o signo da dor do que da alegria. Para esses homens e mulheres o Estado e a Sociedade são representações vazias e insulsas, que pouco ou nada fazem para promover a alegria dessa gente.

A única lei que se rendem é a máxima expressão da natureza oriunda das águas e da floresta, donde buscam seu alimento e seu bem estar social. No entanto, ainda sem compreender as mudanças e muito menos suas relações com elas partem para dominar a natureza sem conhecimento de causa e muito menos do mundo da política que determina o abandono dessa gente que vive nos beiradões ou no interior da floresta Amazônica.

Sem Governo, sem Estado e excluídos da Sociedade homens e mulheres do interior da Amazônia vivem unicamente sob o império da mãe natureza, onde as intempéries comandam a vida. O restante são promessas anunciadas por governantes eleitoreiros que se valem da oportunidade para se beneficiar das opções dos nativos. Aqui a repetição desses políticos se transformou em pesadelo para o povo, ameaçando não só as instituições democráticas como também a própria vida dos homens, das águas e das florestas.

E a chuva passou!!! Vamos às lides do cotidiano para dar continuidade a limpeza moral e política tão reclamada pela sociedade enquanto expressão da cidadania coletiva.

(*) É professor, antropólogo e coordenador geral do NCPAM/UFAM.

Um comentário:

Khemerson Melo Macedo disse...

Belo artigo que mexe com um dos aspectos mais fascinantes de nosso imaginário: a contemplação. E o autor se utiliza de um momento trivial da vida cabocla pra por em debate este aspecto. É em dia de chuva que os caboclos param pra pensar na própria vida, expandem seu universo para outros cenários e perspectivas, mas esbarram na realidade dura em que se encontram, como bem aponta Ademir Ramos, ele que, com certeza, já deve ter pensado diversas vezes na vida, quando era um garoto em Juruti. Taí um artigo que nos sugere uma grande divagação!