terça-feira, 27 de abril de 2010

A CIENTIFICIDADE DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

O nosso Amazonas corre sem dúvida
no Brasil, mas pertence aos Estados Unidos.
É um rio poderoso, mas trabalha
Para donos que nunca viu,
Um dia, entretanto, há
Muito tempo já juramos,
Trabalhará para nós,
Para os que aqui nasceram.

Brecht

O Tombamento do Encontro das Águas dos rios Negro com o Solimões tem movido esforço de nossos pesquisadores para selecionar estudos que justifiquem tanto a interpretação como a compreensão científica desse fenômeno colossal que denuncia valores ambientais, culturais, históricos e econômicos.

As pesquisas do geógrafo brasileiro, Aziz Ab'Sáber, autor de centenas de artigos e de variadas obras, entre as principais destacam-se: Amazônia, do discurso à práxis (1997), pelo qual recebeu o prêmio Jabuti; Litoral do Brasil(2001) e Os domínios de natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas (2004). Obras de valor inestimável, que fez do professor Ab'Sáber, um dos pesquisadores mais comprometidos com a preservação da nossa Amazônia, merecendo respeito e reconhecimento da academia de ciência internacional.

Dessa feita, faz-se um recorte dos estudos do professor Ab'Sáber http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000100002 para demonstrar, empiricamente a dinâmica desse fenômeno das águas, entre os rios Negro e Solimões, situado a sudeste de Manaus. Assim sendo, afirma o professor: "pode-se ter uma idéia precisa da massa de argila carregada pelo Solimões-Amazonas. Trata-se, evidentemente, do curso d'água que transporta o maior volume de argilas dissolvidas em suas águas lodosas, conhecidas no mundo inteiro. Causa estupefação a dinâmica do atrito das águas do rio Negro, completamente destituído de sedimentos argilosos em dissolução. Muita coisa ainda precisa ser estudada no que tange à limpeza das águas escuras do rio Negro, sendo de se notar os componentes biogênicos e bioquímicos, que têm até hoje um papel importante na eliminação da poluição hídrica derivada da cidade de Manaus".

Ademais, explica Aziz Ab'Sáber:"o rio Solimões-Amazonas desce da região pré-andina até o golfão Marajoara sem qualquer acidente em seu leito, muitos dos rios afluentes apresentam alinhamento de quedas entre o seu largo-baixo vale e o seu médio curso. Pedro Moura, geólogo que trabalhou por dois anos no baixo Amazonas, foi o primeiro pesquisador a identificar uma linha de quedas (fall line) entre o baixo e o médio vale dos rios Tocantins, Xingu e Tapajós. Hoje sabemos que existem quadros similares de cachoeiras e corredeiras nos afluentes da margem esquerda do Amazonas, assim como após extensos setores de alguns rios da Amazônia ocidental. A gênese da fall line nesses diferentes setores, mais próximos ou mais distantes do grande rio, dependeu de flutuações no nível do mar por movimentos ditos glácio-eustáticos ocorridos nos fins do quaternário e início do holoceno. Enquanto os mares perdiam nível, rebaixando-se e descendo pela plataforma continental, o paleo-rio Amazonas da época foi forçado a realizar uma erosão regressiva que entalhou colinas e baixos platôs, mas não conseguiu estender-se pelo contato dos terrenos cristalinos resistentes, que bordejavam a bacia sedimentar amazônica. A erosão remontante de talvegue, por seu turno, deve ter sido realizada em um contexto de menor pluviosidade relativa devido à implantação natural de climas tropicais, a duas estações, conforme se deduz pela Teoria dos Redutos e Refúgios".

De tal forma que, continua o mestre: "quando o rio se estendia na plataforma e adentrava no talvegue, deveria ter existido um outro quadro hidro-geomorfológico que restou tamponado e escondido pelo volume e extensão das planícies aluviais. O adentramento lateral de tais processos de erosão regressiva foi bloqueado no contato de rochas cristalinas e rochas sedimentares, onde se formaram as cachoeiras e corredeiras das chamadas fall lines sul-amazônicas. À medida que o nível do mar subiu muito e ficou a mais de três metros de seu nível médio atual, e que as precipitações amazônicas se tornaram maiores e mais extensivas, águas do Amazonas e Solimões afogaram o baixo vale de inúmeros rios da Amazônia, criando baías de ingressão fluvial parecidas com estuários, às quais Francis Ruellan, em uma interpretação pioneira e muito adequada, designou por "rias de água doce".

Bastos Lyra e o Encontro das Águas

Para esse fim também recorremos a Fundação Djalma Batista http://www.fdb.org.br/?pg=artigos,exibir&cd=27 valendo-se da publicação de um verbete de autoria do professor Manoel Bastos Lyra, datado de 20 de junho de 1944 (A Tarde) sob o tiítulo: Encontro das Águas. O pesquisador, que também foi professor da Universidade do Amazonas, analisa o fenômeno buscando compreender suas determinações quanto à especificidade de sua natureza. Leia abaixo o texto de Bastos Lyra, na integra:

Um dos acidentes que impressionam magnificamente aqueles que vêm de fora para pescar novidades por estas plagas, pela “Hiléia”, para falar em termos momentosos, é sem dúvida, o do “encontro das águas”. Sim, a simples confluência do Negro com o Amazonas. Não fora a diferença característica da tonalidade das águas, os dois rivais potâmicos, certamente, em muito teria decrescido o interesse que brota sempre em alguém que se aproxima do ponto, onde as águas do caudaloso rio-mar amarelecem e empurram as escuras do seu maior afluente pelo norte. As interpretações da estranha visão são abundantes. Algumas, repetidas quiçá quantas vezes por dia, fazem estremecer os mais rudimentares conhecimentos científicos. O fato, porém, como observamos através da nosso explicação, não é nem estranho nem extravagante, enquadrando-se completamente nos conhecimentos atuais de coloidologia. Assim, será necessário apenas invocar a questão da precipitação dos suspensóides para que tenhamos enveredado pelo caminho explicativo da pretendida discrepância entre o gênio da água branca e o da preta. O Negro apresenta as suas águas com uma acidez real acentuada se comparada às do Amazonas. Em várias determinações, por nós e feitas, encontramos sempre um pH oscilante entre 5-6 para a do Negro. A diferença mínima de concentração iôntica verificada entre as duas águas explica perfeitamente o desequilíbrio do suspensóide argiloso das águas do Amazonas com pH até de 8. E quando entram em contato com as do Negro, surgindo daí o aspecto surpreendente do “encontro” com a visão nítida duma cortina a separar o inseparável, aqui e ali fremendo ao ímpeto dos gigantescos redemoinhos originados pelas enormes massas líquidas, de velocidades diferentes, a escoarem pelo canal único para o oceano.

O esforço dos pesquisadores do NCPAM continua e gostaríamos de contar com a colaboração de outras instituições e/ou pesquisadores que queiram contribuir para elaboração do Dossiê Encontro das Águas, enviando para nós referência relativa à temática em estudo ou quem sabe assinando determinado parecer sobre o nosso Colosso Amazônico.

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