quinta-feira, 8 de abril de 2010

REPENSANDO AS INSTITUIÇÕES A PARTIR DOS CLÁSSICOS


APRESENTAÇÃO

Poucos se surpreenderiam hoje com a afirmação de que o Brasil é um país de longa tradição autoritária. No entanto, o entendimento adequado dessa tradição cuja origem se prende aos padrões de relacionamento havido entre o Estado e a sociedade brasileira só começou a ser buscado de forma maia sistemática nos últimos quinze anos, em parte pelo traumatismo causado pelas experiências autoritárias mais recentes, e em parte também pela abertura de novos horizontes intelectuais e analíticos entre os estudiosos da realidade social e política do país. Este livro [ As Bases do Autoritariismo Brasielrio. Simon Swartzman. 3ª edição revista e ampliada - Editora Campus, 1988 (2ª edição, 1982)]. Pretende ser uma contribuição para esse entendimento.

Bases do Autoritarismo Brasileiro deve ser entendido como um reexame aprofundado de São Paulo e o Estado Nacional,do próprio autor com publicação em 1975. Algumas partes do texto de 1975 foram mantidas, outras foram profundamente revistas e materiais novos foram acrescentados.Em geral, esta é uma obra mais declaradamente teórica e conceitual, que pretende ser também mais abrangente e fundamentada.

São Paulo e o Estado Nacional foi escrito em um dos períodos de autoritarismo mais intenso da história brasileira, enquanto que o atual texto foi preparado durante a experiência de relativa abertura política do Governo Figueiredo. A experiência política vivida nestes últimos anos confirma a tese de que o entendimento da vida política brasileira passa necessariamente pela análise das contradições entre o centro econômico e mais organizado da "sociedade civil," no país, localizado em São Paulo, e o núcleo do poder central, muito mais fixado no eixo Rio de Janeiro - Brasília.

Foi de São Paulo que surgiram as pressões sociais mais fortes contra os poderes concentrados no Governo federal, tanto por parte de grupos empresariais quanto pelo movimento sindical organizado; é em São Paulo, em última análise, que se joga a possibilidade de constituição de um sistema político mais aberto e estável, que possa dar ao processo de abertura uma base mais permanente.

Essa constatação, embora promissora, não deve obscurecer o fato de que, historicamente, a sociedade civil brasileira tem sido incapaz de criar um sistema político em condições de se contrapor efetivamente ao peso avassalador do poder central ou contrabalançá-lo. As razões dessa ressalva são muitas e serão examinadas em detalhe no livro. Uma delas, no entanto, é que a oposição ao autoritarismo tende freqüentemente a confundir e misturar dois tipos de problemas totalmente distintos, que vale a pena assinalar desde logo.

Por uma parte, está o contraste entre o Estado patrimonial, irracional, centralizador, autoritário, e os setores da sociedade que se pretendem autônomos, descentralizadores e representantes do racionalismo privado dos grupos sociais mais organizados. Por outra, no entanto, está o contraste entre as ideologia liberais de não-intervencionismo, privatismo, laissez-faíre, e as necessidades ineludíveis de planejamento governamental e intervenção do Estado na vida econômica e, social do país.

Ao juntar as duas dimensões em uma só, a oposição liberal defende, muito justamente, a tese de que o Estado não se deve sobrepor à sociedade e controlá-la, e de que é importante que os setores sociais mais dinâmicos e dotados de recursos próprios e autonomia tenham o direito e a oportunidade de se fazer ouvir e se fazer valer. Ao mesmo tempo, no entanto, essa perspectiva liberal nega a validade do planejamento social, da intervenção do Estado na vida econômica, da possibilidade de definição de valores sociais e nacionais que sejam superiores à simples agregação de interesses privatizados. Ela se confunde, assim, com a defesa do status quo, com a manutenção de privilégios econômicos, com o conservadorismo enfim. O reverso da medalha é a defesa extrema do intervencionismo governamental sem consideração para com os grupos sociais autônomos, sem mecanismos explícitos e eficientes de responsabilização dos governantes em relação aos governados, enfim, o autoritarismo.

O problema crucial dos Estados contemporâneos de origem burocrático-patrimonialista é de como fazer a transição de uma estrutura ineficiente, pesada e embebida por um sistema de valores ultrapassado e conservador, para uma estrutura ágil, moderna e capaz de levar a efeito, finalmente, a passagem do subdesenvolvimento e atraso ao desenvolvimento e justiça. O fundamental é que, nesse processo, tal sistema político em renovação não fique atado a suas bases mais arcaicas de sustentação. nem caia presa do liberalismo novecentista que gerou, em outros tempos e outros lugares, uma democracia que não chegamos a conhecer.

Por razões que este trabalho trata de entender, o fato é que, no Brasil, as ideologias políticas liberais tendem a se localizar predominantemente entre grupos sociais relativamente restritos, ainda que social e economicamente bem postos, e sempre tiveram um conteúdo social bastante reduzido. Os componentes conservadores do liberalismo brasileiro debilitam a legitimidade de suas bandeiras libertárias, que só adquirem maior ressonância em períodos de autoritarismo mais exacerbado; enquanto isto, o eventual conteúdo social e reformista com que se apresentam as diversas ideologias centralizadoras, em todo o espectro da sociedade, tende a se perder e a se esvaziar pelo seu inerente autoritarismo.

O equilíbrio político implantado a partir da República Velha combinava, em certo sentido, o pior de dois mundos, o do liberalismo novecentista e o do patrimonialismo burocrático ineficiente e autoritário O encaminhamento da atual crise política brasileira não pode ser feito a partir de uma ressurreição desse esquema, nem pela subjugação de um de seus lados pelo outro O que o país necessita é completar simultaneamente duas transições fundamentais Do lado do Estado deixar definitivamente para trás o ranço patrimonial ineficiente burocratizado e autoritário, em benefício de uma estrutura mais moderna eficiente aberta a informações e inovações, e consciente de suas responsabilidades de condução da sociedade brasileira. Do lado da sociedade deixar para trás o liberalismo esclerosado, a identificação falaciosa entre liberdade e privatismo, dando condições para o desenvolvimento e implantação de um sistema representativo mais real e diversificado.

Qual a possibilidade de que essas transformações ocorram? É difícil dizer, mas as condições para sua ocorrência são bastante claras: é necessário que as duas transformações se processem. O Estado necessita de novos, ativos e vigorosos interlocutores na sociedade para que possa efetivamente se modernizar e conduzir o país com plenitude; e a sociedade necessita de um Estado eficiente, capaz de desenvolver uma política social de interesse comum a longo prazo.

Do lado do Estado, é necessário que ele assuma cada vez mais sua responsabilidade ante a sociedade, tanto no sentido de quem responde e dá satisfação de seus atos, como no sentido de quem assume a responsabilidade e se imbui da função social que deve desempenhar. Do lado da sociedade, é necessário que os grupos sociais mais articulados se compenetrem de que o Estado e o planejamento da vida social e econômica estão aqui para ficar, que não há mais lugar no mundo de hoje para a simples prevalência dos interesses privados sobre os interesses coletivos, e que por isso, em última análise, seus melhores interesses consistem em aceitar a existência de um Estado nacional que deve ser conduzido a níveis cada vez mais altos de bom funcionamento e acatamento explícito das necessidades sociais.

Deve ser possível, tarde ou cedo, chegar a esse novo pacto social entre Estado e sociedade, quando não seja pelo fato de que não parecem existir outras alternativas exceto o autoritarismo puro e simples.

Nota da Redação: Apresentação é extraída da própria obra do autor.

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