sexta-feira, 13 de março de 2009

O VALOR DO ENCONTRO DAS ÁGUAS

Jackson Fernando Rêgo Matos*

A pressa e a sede do progresso, que fechou os olhos e o ouvido aos gritos dos igarapés e das florestas de Manaus, ameaça agora um bem mais precioso para todos os seres vivos que dependem dos ecossistemas formados pelo encontro das águas do rio Solimões com o Rio Negro. Símbolo da cidade de Manaus, a paisagem que identifica e caracteriza a expressão cênica do estado do Amazonas e a formação do Grande Rio Amazonas, pode vim a se transformar em um local degradado devido a falta de critérios técnicos e do diálogo necessário para que a população possa decidir e opinar sobre o seu próprio futuro e da paisagem que forma a sua identidade cultural.

Na história de toda a humanidade, a paisagem sempre foi um elemento formador da noção de cidadania e muitos países como a Inglaterra, Holanda, Espanha, Japão, França e muitos outros utilizaram a paisagem como pano de fundo de sua história, criando escolas como a de Versalles que se destacam hoje nos estudos de paisagismo, arborização, parques e jardins, influenciando na conservação e na criação de grandes espaços naturais que são protegidos em vários centros urbanos.

Entre os critérios para a proteção de áreas, está a demanda da cidade por paisagens naturais, a ordenação territorial e a inclusão da sociedade que necessita de espaços ambientais adequados para a sua integridade e necessidades de qualidade para uma vida saudável. Numa avaliação da paisagem, vários estudos de seus componentes como análises fisionômicas, tipos florestais, unidades da paisagem, elementos visuais, infra-estrutura, tipos de construções, casas e a própria vida das comunidades que ali vivem são de extrema necessidade. Entre os elementos visuais, a forma do local, as composições, as cores e os movimentos devem ser avaliados criteriosamente para minimizar os efeitos e potencializar a capacidade de expressão da paisagem.

A incidência visual e a acessibilidade, são elementos qualitativos e o mito visual criado no imaginário da população, é o elemento mais valioso, pois gera valores culturais e estéticos que podem através da arte do embelezamento, tornar a área mais atrativa e com maior possibilidade de valoração humana, cultural, ecológica e econômica.

Atualmente, vimos a influência midiática que escolhem cenários a serem definidos como patrimônios da humanidade e isto causam um efeito positivo no turismo e na auto-estima da população, podendo o bioma amazônico ser o grande destaque pela sua biodiversidade e importância no cenário mundial. Os benefícios de uma paisagem refletem-se nas emoções, sensações e aspectos psico-sociais, mentais e comportamentais da população.

O valor paisagístico depende do tipo de construção e dos elementos tradicionais locais que podem refletir em linguagem que harmonizem o desenvolvimento local e o global e dê vida própria ao local. Assim o Mangual das garças, a Estação das docas em Belém e o projeto Orla Pérola do Tapajós em Santarém, são exemplos de potencialização da paisagem na região amazônica que aumentou a auto-estima da população, isto porque arquitetonicamente respeitou as aspirações da população e estes espaços, vem contribuindo na preservação dos habitats e na conscientização da população para a proteção da fauna e da flora amazônica, transformando estes lugares em locais cotidianos de exercício da cidadania e de forte atrativo as atividades de turismo.

Aqui em Manaus, a construção de um Porto no cartão postal que é o encontro das águas, mostra novamente o descaso com que os filhos e filhas do Amazonas e em especial os habitantes dos bairros adjacentes como a Colônia Antonio Aleixo, que certamente serão os maiores atingidos. No embate dos interesses sobre a área em questão, é preciso considerar a sabedoria do rio, dos povos tradicionais amazônicos, dos índios, dos caboclos e dos ribeirinhos e do homem urbano que tem suas necessidades de lazer e recreação e busca nos espaços públicos, reabilitar e renovar sua força produtiva.

Assim, deixar que o rio siga seu curso natural me parece ser a política pública mais sensata, pois é chegada a hora da grande travessia, ou ousamos tomar a nossa geografia nas próprias mãos, ou corremos o risco de ficarmos para sempre, as margens de nós mesmos. A hora é de definirmos conjuntamente, as mudanças que nos farão responsáveis por nosso destino e a questão ambiental oferece uma gama de alternativas viáveis e almejadas pela opinião pública, podendo gerar empregos verdes e renda através da conservação.

A vida como disse Vinicius de Moraes, é a arte do encontro. O encontro do Solimões com o Negro transcende o valor meramente econômico e as necessidades do progresso. O encontro dessas águas é o encontro de muitas vidas e a força desse encontro é a força do Amazonas, a força do povo que trabalha e constrói o maior e mais preservado estado brasileiro. A construção do porto nas Lajes fere a história das mulheres guerreiras que tentaram impedir a passagem do bergantim de Francisco Orellana, gritando, este rio pertence a nós, fere a memória de nosso maior herói, o Tuxaua Ajuricaba, que preferiu morrer nas águas do Rio Negro a ser enforcado nas mãos dos dominadores portugueses.

Esquece Macunaíma e a capacidade de uma pessoa renovar sua consciência na ilha de Marapatá. Esquece o poeta compositor que canta para que não sejamos Liverpool. Esquece o canto da Sereia contemplando sua beleza, esquece os clamores do azul da toada e vermelho do folclore. Perder o encontro das águas é perder a possibilidade do povo simples contemplar o marulhar do rio, sentir o banzeiro, ver o pôr-do-sol e ouvir o retumbar das águas.

Preservá-lo é dar-nos a possibilidade de impregnarmos, sem mais palavras, pela cultura que forma as lendas, as crenças e nossa identidade amazônica. Preservar o encontro é deixar que o Amazonas flua no sonho da construção de uma sociedade equilibrada, respeitando os legítimos donos da natureza criada para o mundo encantar, que são os homens e as mulheres amazônidas.

Sejamos capazes de ser como o Rio, que leva a canoa para o rio das esperanças, a esperança de termos neste local um grande centro de alternativas sustentáveis para o planeta, com cenários representativos da nossa Amazônia e não com símbolos de um modelo que agoniza e busca a salvação na tábua sagrada de um dos recantos mais apreciado do mundo.

*Professor Doutor da UFAM em Desenvolvimento Sustentável e ex-coordenador de extensão do INPA

2 comentários:

Anônimo disse...

O encontro das águas é um dos ícones naturais e culturais que despertam mais paixão entre os amazônidas. Por esse motivo a validade do movimento SOS ENCONTRO DAS ÁGUAS, visto que busca chamar a tenção para o iminente descaso com que vem sendo tratado pelos empresários do Porto das Lajes, desconsiderando toda a trajetória histórica e sentimental que este ícone tem em relação ao ribeirinho amazônico. Cinicamente, os promotores do emprendimento vem se referindo ao Porto das lajes como o porto verde, enganando os desavisados de plantão. É neste contexto emque este contundente e poético artigo se insere. Parabéns. Isso é um grande tema de discussão!

Unknown disse...

Não é possível que o ser humano possa ser tão mesquinho, a ponto de querer ludibriar os povos que, de geração em geração, vivem em contato com a cultura, os mitos,a religiosidade e os costumes amazônicos, e matar o que de mais belo a natureza esculpiu que é o enconto das águas dos rios Negro e Solimões.Meu grito é esse:PAREM DE DESTRUIR,VAMOS DEIXAR A NATUREZA EM PAZ.