domingo, 10 de outubro de 2010

CONTRA O DIRIGISMO CULTURAL

No Amazonas, o orçamento da cultura denuncia o tal dirigismo, favorecendo somente os amigos do rei. (Ribamar Mitoso)

Ademir Ramos (*)

O Patrimônio Histórico tem sido o eixo matricial da política cultural brasileira, desde os anos 30, sob orientação de Mário de Andrade. No entanto, depois de muita discussão, o conceito de patrimônio foi ampliado e garantido na Constituição Federal (CF) de 1988, delegando ao poder público, e em particular aos Municípios, com a colaboração da comunidade, competência para promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro. O que deveria ser feito com determinação e respeito pelo Instituto do Patrimonio Histórico Artístico Nacional no Amazonas.

O artigo 216, da CF é categórico, em prescrever que – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem a Emenda Constitucional nº 42/2003 I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV-as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor históricos, paisagístico, artísticos, arqueológico e científico [...].

Em outro momento, em seu artigo 30, a CF determina à competência do Município quanto à promoção e a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;

Fundamentado nestes marcos, o professor Teixeira Coelho, autor do Dicionário Crítico de Política Cultural (1997) classifica a política brasileira relativa à cultura da seguinte forma: Patrimonialistas, que busca preservar, fomentar e difundir as tradições culturais e artísticas e Criacionistas, que promove a produção, distribuição e uso de novos valores e obras culturais, em geral privilegiando as formas culturais próprias da classe média ou das elites;

No contexto mais amplo, o professor e antropólogo argentino Nestor García Canclini, em Culturas Híbridas (2.000), destaca também 03 modelos ideológicos de práticas de gestão de cultura na América Latina, sendo o primeiro, política de dirigismo cultural, podendo ter como tônica principal à cultura popular ou não; o segundo refere-se à política de liberalismo cultural, que não defende modelos únicos de representação simbólica nem entende, necessariamente, que é dever do Estado promover a cultura e oferecer opções à população e por último, com a mesma importância dos anteriores, políticas de democratização cultural, baseadas no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo que não pode ficar à mercê das disposições ocasionais do mercado, devendo ser apoiada em princípios consensuais;

Nessa perspectiva, o foco da gestão cultural democrática pode ser definido com base nas seguintes práticas: 1. Criar condições para que a produção cultural aconteça; 2. Cuidar da preservação do patrimônio cultural – material e imaterial, primando pela diversidade; 3. Aproximar o produtor cultural do seu público; 4. Criar condições para que as obras entrem num sistema de circulação que lhes possibilite o acesso a pontos públicos de exibição; 5. Avaliar os resultados dos projetos implementados; 6. Estimular a comunidade a desenvolver seu próprio potencial criativo, o que se consegue tanto por intermédio da formação de públicos quanto através da descoberta e da preparação de artistas e dos diversos profissionais da cultura.

As considerações apresentadas são contrárias a prática do dirigismo cultural, que se apropria das iniciativas populares, negando acesso dos protagonistas nas instâncias deliberativas de políticas culturais. Dessa forma, cooptam os atores para os projetos institucionais transplantados, copiando matrizes de universos culturais diferenciados, permitindo aos produtores locais formas de participação coadjuvante nos projetos culturais do Estado. É hora de se compreender que a política cultural é parte integrante do desenvolvimento dos povos e que perpassa as relações sociais, econômicas e ambientais, valorizando o local, para o reconhecimento e afirmação de nossa identidade e soberania.

(*) É professor, antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

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