quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A ESCOLHA DE MARINA

Rogério Simões (*)

Dos quatro principais candidatos no primeiro turno presidencial brasileiro, três tinham alguma ligação com o Partido dos Trabalhadores. Plínio de Arruda Sampaio, depois de passar quase 20 anos repetindo o bordão "Lula presidente!", não esperou nem o fim do primeiro mandado lulista para se desligar do partido que ajudara a fundar. Marina Silva ainda se arrastou pelo segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva antes de abandonar o barco. Dilma Rousseff não fazia parte do grupo que criou o PT, mas acabou virando a nova cara de um partido que já teve nomes como Marina e Plínio impressos em seu DNA.

Dos quatro candidatos, José Serra era o único que podia dizer que não tinha nada a ver com o atual governo. Agora, por ironia da vontade do eleitor, um segundo turno, julgado por muitos improvável, pode até mesmo dar a vitória ao solitário candidato tucano. Caso aconteça, será a maior derrota que um superpopular presidente da República já terá sofrido.

Como Plínio teve menos de 1% dos votos válidos no primeiro turno, tanto sua opinião como a do seu partido, o PSOL, contam pouco. Mas algo terá valor inestimável nesta segunda fase da disputa: a escolha de Marina. A ex-candidata apresentou uma lista de dez temas que deverão pautar a opção do seu Partido Verde para o segundo turno, que deve ser anunciada no próximo dia 17. Entre eles, transparência e ética (incluindo compromisso com a liberdade de imprensa), reforma eleitoral e meio ambiente. Mas Marina, que já avisou poder discordar e não seguir a orientação final da sua legenda, não é uma candidata qualquer, equidistante de PT e PSDB. Qualquer que seja sua decisão, mesmo que de neutralidade, o impacto no pleito poderá ser decisivo.

Marina tem um quarto de século de história dentro do PT, no qual estabeleceu uma relação próxima com Lula. Foi ministra do gabinete lulista por pouco mais de cinco anos e, apesar da posterior filiação ao PV, manteve-se aliada politicamente ao PT no Acre. Esse passado de relação quase umbilical com o partido do presidente sugere que Marina, por mais que tenha desenvolvido divergências idológicas e práticas com o governo, venha a optar por Dilma no segundo turno. Esse foi o caminho escolhido por Gilberto Gil, também do PV e ex-ministro de Lula, mostrando coerência com sua recente carreira política. Não haveria por que, em tese, Marina não fazer o mesmo. Entre sua ex-colega de ministério e um candidato que nunca participou de sua história política, entre a candidata do seu antigo companheiro de luta e um ex-membro do governo que ela derrotou em 2002, entre o partido que ela ajudou a consolidar nacionalmente e a legenda que ela mesma combateu durante anos, não deveria ser difícil para Marina decidir seu caminho. Dilma Rousseff tem, então, motivos de sobra para esperar por uma ajuda da ex-companheira, apesar de as duas terem representado interesses distintos dentro do governo federal.

Essa mesma lógica, entretanto, torna ainda mais prejudicial à candidata petista qualquer uma das outras opções de Marina Silva: o apoio a José Serra ou mesmo a neutralidade. Caso fique do lado tucano, Marina terá dado a última apunhalada em seus ex-companheiros petistas, entre eles Lula. Seria quase o mesmo que Hillary Clinton apoiar o republicano John McCain contra Barack Obama após ser preterida nas primárias democratas. A ex-ministra verde pode ter seus motivos para rejeitar o governo de que fez parte, e sua relação com Dilma no ministério certamente não foi das mais amistosas. Mas pode-se dizer que um apoio explícito à candidatura tucana seja bastante improvável. Se acontecer, poderá abalar a campanha governista.

O problema, para Dilma e Lula, é que, como o apoio de Marina à chapa petista seria algo relativamente natural, a neutralidade marineira também colocará a candidatura do governo ainda mais em xeque. Se decidir ficar à margem da disputa, sem apoio a candidato algum, Marina Silva estará dizendo aos eleitores algo nesta linha: "Conheci de perto o trabalho de Dilma Rousseff, fui sua colega de ministério por cinco anos. Também lutei ao lado de Lula e dentro do PT por mais de 20 anos. Mas minha decepção com este governo foi tão grande que, apesar disso tudo, não consigo apoiar a continuidade do projeto político petista." Tais palavras certamente não sairão da sua boca, mas o eleitor, a partir do seu gesto, as lerá nas entrelinhas.
Disputas internas ocorrem em todo e qualquer partido deste planeta. Até mesmo na Coreia do Norte há algum nível de tensão dentro do partido único (com limites e riscos muito maiores, logicamente). O que ocorreu entre Marina Silva e Dilma Rousseff parece ter sido menos grave do que o eterno embate entre Tony Blair e Gordon Brown nos dez anos em que governaram juntos a Grã-Bretanha. Nem por isso Blair deixou de fazer campanha para o ex-amigo/adversário. Em tese, com base em sua biografia política, Marina teria todas as condições e razões para apoiar Dilma Rousseff. Mas talvez a ex-candidata verde tenha se desiludido tanto com o governo Lula que simplesmente não consiga mais sancionar um projeto que abandonou no meio. Nesse caso, José Serra, que já deixou dois ex-petistas para trás na primeira votação, pode acabar rindo por último (e bem melhor). Se tamanho desastre se abater sobre a cabeça do presidente Lula, restará a ele e ao PT apenas olhar para trás e lamentar o que poderia ter sido.

(*) É articulista da BBC Brasil http://www.bbc.co.uk/blogs/portuguese/

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