sábado, 23 de outubro de 2010

O VALOR DA POESIA: NOSSAS HOMENAGENS A THIAGO DE MELLO

* Ademir Ramos

Na relação dos homens com o mundo a questão recorrente é a origem das coisas, o princípio motor da história, o movimento, a utopia, o encantamento, desencantamento dos homens e suas formas de manifestação. Nesse contexto, pergunta-se o valor da poesia, o seu significado, sua linguagem, seus interpretes e criadores.

O valor da poesia e dos poetas reside na exaltação tanto da criatura quanto do criador. Nessa circunstância se a poesia-criatura for exaltada em si mesma, o poeta-criador transforma-se em página em branco e sua obra passa a ser determinada pela força da natureza empírica. Contrário a esta situação imposta pela natureza há de se destacar o mérito do poeta, sendo capaz de ânimo para cantar o mundo em verso, prosa e arte na forma dialógica de sua existência. Portanto:

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

A indagação de Carlos Drummond de Andrade faz pensar sobre o valor do poeta porque é ele o sujeito significante, o arquiteto da poesia, a construir o universo onde os homens tornam-se criança por formular questões aparentemente óbvias, capazes de abrir portas da consciência e mobilizar a todos para indignação, transformação ou resistência, como bem faz o poeta Thiago de Mello, andarilho do tempo e da esperança:

Volto armado de amor
para trabalhar cantando
na construção da manhã.
Reparto a minha esperança
e canto a clara certeza
da vida nova que vem.

O canto dos poetas tem forma e mensagem diferenciada. São leituras do mundo, que resultam da contemplação ativa ou de uma prática reflexiva fundada numa experiência criativa da compreensão. Por isso, o poeta Drummond de Andrade faz a seguinte recomendação: Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Passado esse momento, os poemas serão expropriados do seu contexto e relidos por atores que julgam responder a alegria, a dor e o convívio dos homens. É a poesia, em sua forma plena operando no mundo.

Poeta e poesia são interfaces que se completam nas formas diversas de compreensão e comunicação. Nessa perspectiva, ampliam-se a fronteiras, despertam-se os sentimentos e emoções, projetando no horizonte o olhar afirmativo da cultura local. Fernando Pessoa é um bom exemplo, destituído de qualquer preconceito, considera-se universal por cantar a sua aldeia. Assim o poeta dos poetas garante: Da Minha Aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.../ Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer/ Porque eu sou do tamanho do que vejo/ E não do tamanho da minha altura. . .

Da mesma forma, o poeta Aníbal Beça busca com estilo decifrar o seu território natal, demarcando seus versos com exclamações pontuais, que muito dizem da força de uma tradição. No galope do poema denuncia a insanidade da cidade com gemidos e suspiros, manifestando o poeta a sua amargura: AH! Manaus, a tua loucura verde/ é algo que não se aceita/ vive-se.

A cumplicidade do poeta com a poesia é de tamanha significância, às vezes, proposital ou não, esquecem a rima, quando de pronto são lembrados pelos consumados leitores ou narradores – filhos da poesia - a retomar o curso dos versos, em resposta à arquitetura do poema e sua própria abstração. Assim sendo, pela sua importância e valor exaltemos a poesia e por mérito, o reconhecimento do poeta como observador participante da nossa história, a cantar fundo o sentimento humano.

(*) Professor, antropólogo e coordenador do NCPAM/UFAM.

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