sábado, 9 de outubro de 2010

POR QUEM CHORA AS ANGÉLICAS?

Ellza Souza (*)

Para quem não as conheceu, as angélicas eram flores muito comuns nas praças e igrejas de Manaus. Não se faziam casamentos sem as angélicas, brancas e perfumadas, espalhadas no altar e unidas no buquê da noiva. Os jardins das praças e das casas formavam verdadeiras obras de arte com as angélicas, as rosas e outras flores que resistiam ao calor e à mania do homem de arrancar flores, árvores, beleza.

Conheci as angélicas pelas histórias do pintor Moacir Andrade. Moacir me falou delas com saudade e carinho. E numa bela tarde de verão, em seu ateliê, desenhou na hora, um lindo ramalhete dessas flores e me falou delas. Segundo o desenho era um comprido pendão de delicadas flores cujo cheiro marcava o espaço dos canteiros. O próprio jardim de sua madrinha Clotilde ficou na lembrança pelo seu perfume. Ao sair da casa da madrinha, menino ainda, aspirava o cheiro suave das angélicas de seu jardim e isso foi marcante em sua vida.

As angélicas tinham personalidade e vigor. Grande parte vinha do Careiro, do outro lado do rio, junto com o leite para ser vendida na cidade. O inovador empresário Miranda Corrêa vendia as angélicas em sua Casa de Chope que ficava ao lado do Cine Odeon na avenida Eduardo Ribeiro. Difícil de combinar, flores e bebida, mas o mesmo gelo que conservava o chope se prestava a manter as angélicas vivas e fascinantes.

Não entendi até hoje por que as angélicas pereceram. Por que a nova geração não conhece essa flor que foi tão comum em nossos jardins? Assim como as angélicas me arrepio de observar que as orquídeas que já fizeram lama na área da cidade, estão acabando. O homem chegou fazendo suas cidades mas não dá para coexistir pacificamente com as flores e com a beleza? Não podemos culpar apenas o calor pelo desaparecimento de nossas delicadas rosas, orquídeas e angélicas. Parece que a culpa é mesmo do homem que não gosta de mato, de flor, de bicho. Estamos “pebados” como diz o próprio caboco.

Apesar da constatação acima desejo ardentemente que a natureza e a história nunca deixem de fazer parte de suas existências. Sem uma florzinha para colorir a vida e sem poder contar sua própria história, a existência humana fica chata e perde o sentido. Desejo, portanto, que as flores não pereçam nunca mais e cada um possa ouvir e contar as histórias uns dos outros. Como o mestre Moacir faz.

Veja:http://www.jardineiro.net/br/banco/polianthes_tuberosa.php

(*) É joranalista e colaboradora do NCPAM/UFAM.

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