segunda-feira, 27 de julho de 2009

JÚLIO: UM SIMPLES MORTAL.

José Dantas Cyrino Jr*.

A morte, essa cretina,
da vida não entende nada,
toda vez que vem buscar alguém,
imagina, leva sempre a pessoa errada.

Nunca gostei de discursos em velórios ou enterros, artigos em homenagens póstumas e todas essas formas plangentes de carpideiras. Às vezes me parecem um pouco cabotino, pelo menos quando trazem elogios exagerados aos que já não estão mais em condições de apartear o orador ou redargüir o articulista para pedir moderação.

Mas, quando recebi a notícia da morte do professor e jornalista Narciso Julio Freire Lobo, essa crítica inabalável aos emocionalmente incorretos começou a me abalar e me torturar profundamente porque na mesma hora bateu uma vontade intensa, incontrolável, de fazer um discurso no seu velório ou escrever, como faço agora, algumas linhas em sua homenagem. Não, essa máxima politicamente correta não se aplica ao Narciso. Então assumo a cabotinagem, se assim parecer. Que se danem os politicamente corretos e suas críticas de comportamento.

Mas não quero fazer homenagens óbvias por seus currículos acadêmicos e profissionais – isso todos conhecem: Doutor em Ciências da Comunicação, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia e do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ocupante de uma cadeira de imortal na Academia Amazonense de Letras, membro do conselho do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Autor de obras de Ficção e política. E tantas coisas mais.

Quero falar do Narciso como um ser humano para revelar um segredo: o Narciso Lobo, como era conhecido, não era Narciso Lobo.

O Narciso não era Lobo, era um homem, um ser sensível à dor de seus semelhantes. Um homem doce e dócil, avesso a todas as formas de violência. Um homem solidário, fraterno, um socialista na ampla acepção da palavra. De Lobo só o sobrenome - e por essas contingências da vida, porque (com permissão de seus pais) deveria ter por sobrenome cordeiro. Cordial, terno.

Sabia escutar. Diferentemente dos lobos que são sanguinários e cruéis, ele possuía uma das maiores qualidades de um verdadeiro democrata: a tolerância com os diferentes. Narciso Lobo não era um Lobo. Não devorava os seres diferentes como Lobos que vivem em Manaus.

E Narciso não era Narciso. Era uma pessoa simples no modo de viver, sem luxo, sem ganas nem ostentações materiais, modesto, normal como um José, um Antonio ou um Julio qualquer. Não possuía vaidades, não se entorpecia por ser um professor universitário respeitado, não tinha arrogâncias por ser um doutor, um escritor e até mesmo por ser um imortal. Um Narciso sem vaidades... sem narcisismos...

Diferente da mitologia grega, não era um herói de Téspias, famoso por seu orgulho, mas um herói de Manaus, herói por sua resistência às cretinices e mediocridades de uma cidade perversa e infecunda no trato com a inteligência local, uma cidade que em seu poema Cantos Deslizantes, ele cantava assim: “Manaus, meu porto / meu aeroporto / meu penúltimo e (in) definitivo pouso”.

Narciso Julio Freire Lobo, como se viu, não era Narciso, nem Lobo, mas um simples Julio. Ah, e também não era imortal. Julio, um simples mortal poeta agora repousa em definitivo no seu próprio poema. Mas ainda resta a flor amarela com pétalas brancas.

*Professor da UFAM, advogado e filósofo de formação.

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