segunda-feira, 6 de julho de 2009

PEIXE BOM DE COMER



Chico Mario Feitosa*

Assim como na amazônia - e não somente a brasileira -, centenas de milhares de pessoas utilizam os recursos naturais disponiveis para sua subsistência no Brasil. A fauna de peixes é por sua vez, um desses recursos que são a única fonte de proteína animal e que certamente é sobrexplorada em muitas localidades. Lugares onde antes a exploração dita "sustentável" acontecia, hoje submetem-se a "projetos de produção" que nada mais são do que verdadeiros elefantes brancos, ineptos e desproporcionais para cada realidade onde são implantados.

Advém daí, em muitos casos, um problema que aos olhos de leigos contituem uma mera naturalidade, uma obra do acaso antropológico sobre o ambiente. Várias espécies de peixes exóticos podem promover uma verdadeira chacina quando introduzidos em ambientes onde as espécies nativas levaram milhares de anos para evoluir e ocuparem o seu lugar dentro de cada nicho específico (função exercida por cada espécie em seu ambiente).

Basta olhar para a tilápia (Oreochromis niloticus), uma espécie do rio Nilo, e perceber o quão adaptada ela é no que diz respeito à sua rusticidade, ou seja, capacidade que tem em suportar ambientes adversos e muitas vezes impróprio para outras espécies (em muitos casos, ambientes antropogênicos). Trocando em miúdos, ela é tão adaptável que se encaixa perfeitamente em quase todos os nichos aquáticos conhecidos.

Agora eu me pergunto: Por que, meus caros tomadores de decisão do Piaui, os senhores teimam em introduzir essa tilápia na bacia do Parnaíba? Para aumentar a oferta de pescado? Acho que, sinceramente, os senhores precisam de aulas de ecologia de populações para perceberem a monstruosidade na qual estão tornando as águas do Parnaíba, que certamente vai diminuir a longo prazo a propria oferta de pescado. O motivo? Veremos adiante.

Em levantamento prévio realizado, um trabalho intitulado "Diversidade íctica do rio Parnaíba a partir dos conhecimentos de uma população ribeirinha em Floriano - PI" (Feitosa & Lima, 2008) mostrou que pelo menos duas espécies são introduzidas. Cichla ocellaris (foto) e Colossoma macropomum (tucunaré e caranha, respectivamente) são nativas da amazônia e como a primeira é predador topo de cadeia, pode a curto ou médio prazo, desmantelar a cascata trófica original entre as espécies nativas, ou seja, ela simplesmente pode consumir todo o recurso disponível (os peixes nativos) e acabar ela mesmo sucumbindo pelo esgotamento deste.

Certamente esse problema foi causado por produtores de peixes em cativeiro que, irresponsavelmente, deixaram escapar individuos para a bacia. Esse fato é inerente à pisciculturas e sempre aconteceu, inevitavelmente. Não quero aqui culpar A ou B pelo acontecido, reconheço o papel das pisciculturas. Mas, porque não usar espécies nativas da bacia, que certamente possuem potencial econômico? Alguns biólogos são contra até mesmo essa prática, devido ao empobrecimento genético, mas não vejo outra saída para evitarmos uma superexploração dos recursos ainda disponível para nós e futuras gerações. Como disse Júlio César, "Alea jacta est".

*Biólogo, trabalha com taxonomia de grupos recentes. É estudante de mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior em Manaus, Amazonas

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