quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CINEMA CAÇA NÍQUEL


Ricardo Lima (*)

Lula: o filho do Brasil é uma das maiores barrigas da historia do cinema brasileiro e uma prova de que um orçamento gigantesco não é uma condição determinante para a qualidade das produções.

Fábio Barreto perdeu uma boa oportunidade de fazer um estudo, tomando a trajetória da vida de Lula como tipo ideal, sobre o fenômeno da migração Nordeste-Sudeste e suas implicações para a vida social brasileira, como estes migrantes, que em sua terra natal eram pequenos agricultores, expulsos de suas propriedades em virtude da falência do modo de produção tradicional, atraídos para as grandes capitais, fruto de um modelo de desenvolvimento autoritário modernizante adotado a partir de 1964 e caracterizado por uma industrialização concentradora de renda e dependente.

Barreto também perdeu a chance de mostrar como estes mesmos migrantes, no processo de expropriação/proletarização, se organizam contra a tirania do capital e pautam seu método de resistência a partir da práxis cotidiana — trocando em miúdos, o diretor roteirista poderia ter feito um verdadeiro épico brasileiro, a partir da marcha de milhares de homens e mulheres que singraram para todas as regiões brasileiras e deram esta conformação atual para o Brasil.

Infelizmente foi uma chance perdida. Barreto reduziu a espetacular historia do presidente operário a um capitulo estendido de novela das oito, com todos os chavões e clichês que o gênero precisa ter para agradar as mentalidades mais rasas que fazem parte de sua audiência. Além disso, o endeusamento do futuro presidente é tal, que chega mesmo a dar a impressão de tentar-se compará-lo ao Messias, tirando qualquer possibilidade de representar Luiz Inácio da forma com realmente é: um líder repleto de contradições.

As deficiências do roteiro são dezenas. Num certo momento, quando Lula pede em casamento sua primeira mulher, esta lhe responde: “Se tu morrer eu te mato” (!). Também há outras pérolas que se eu decidisse transcrevê-las aqui encheriam a página. O filme possui várias cenas descoladas, sem qualquer ligação que permita perceber sua contribuição para o andamento da narrativa, como aquela em que Lula, já um jovem operário, chega bêbado em sua casa e sua mãe, interpretada de maneira convincente por Gloria Pires, lhe diz: “Primeiro a obrigação, depois a distração.”

Outra cena mal feita foi a do momento em que Luiz Inácio perde o dedo, parecia mesmo que o diretor a colocou de qualquer maneira no decorrer do filme, como se durante a edição final, esquecendo de contar este fato, fizesse um recorte preguiçoso para sanar a carência.

Parece constrangedor um filme que teve 16 milhões em seu orçamento contar com tanta pobreza de meios para sua realização. Um dos momentos em que isso fica latente é a cena da greve do ABC, que contava com 180 mil grevistas; com uma verba deste tamanho bem que o diretor deveria ter representado aquele momento histórico de proporções homéricas dando-lhe a devida magnitude, mas ao invés disso ele apela para imagens da época, como se tentasse economizar dinheiro, frustrando a expectativa de quem esperava uma representação grandiosa do fato — se a intenção era proporcionar mais realismo, o máximo que conseguiu foi colocar o espectador para fora do filme.

Entretanto, Lula: o filho do Brasil não se resume apenas a erros. A primeira parte da narrativa, retratando a vinda do futuro presidente para a São Paulo é bem convincente, assim como a representação de sua sofrida infância, em que já mostrava carisma no trato com as pessoas: quando ele e seu irmão estão vendendo laranja, e não conseguem nenhum freguês, Luiz Inácio pega uma fruta e aborda uma senhora, dizendo-lhe:

“Olha senhora, esta é a laranja mais gostosa de São Paulo, eu separei uma especialmente pra senhora.”

- “Mas que menino bonitinho! Vou comprar a laranja...”

O ator intérprete de Lula na fase adulta, também dá conta do recado, reproduzindo de maneira convincente, apesar da direção ingrata, a entonação de voz e os trejeitos de seu personagem — note a forma quase idêntica como ele gesticula nas cenas de comício.

Uma das criticas mais infelizes contra a produção, feita por órgãos da imprensa, a direita do espectro político, é a de que a produção é eleitoreira. Pura estupidez! Se estes panfletos neofacistas tivessem o mínimo de honestidade intelectual, perceberiam que o filme não faz nenhuma menção direta ao PT ou a pré-candidata á presidência Dilma Roussef; a película termina exatamente quando Lula é preso no final da década de 1970, vitimado pela ação energética do presidente general João Baptista Figueiredo, que tentava sufocar a greve dos operários do ABC.

Como a necessidade de ganhar dinheiro imediato foi grande demais, Barreto adaptou o filme as mentes mais estreitas, acostumadas aos dramas pastelões que se reproduzem desgraçadamente em nossas televisões. Se não tivesse feito qualquer concessão a mediocridade e realizado uma produção cult, teria auferido para a projeto alguns prêmios, tanto nacionais quando internacionais e, por conseqüência, levado bem mais que os poucos milhões arrecadados com o rendimento mediano de seu filme nas bilheterias nacionais.

O diretor Fábio Barreto transformou Lula: o filho do Brasil num mero caça níquel — e como tal será completamente esquecido daqui há alguns anos.

(*) Graduando de Ciências Sociais e Pesquisador do NCPAM/UFAM

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