segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

NA BAHIA AUMENTA A TENSÃO ENTRE ÍNDIOS E FAZENDEIROS

Juvenal Payayá (*)

Dois episódios recentes chamam a atenção para o agravamento da crise entre as Organizações indígenas e os fazendeiros capitalistas da Bahia. O primeiro, diz respeito ao fato da FUNAI mediante estudos antropológicos publicar a demarcação das terras indígenas dos Tupinambá na região de Ilhéus, mais precisamente Olivença, balneário mais ao sul do município, abrangendo também parte do município de Buerarema, local de hotéis e muito cobiçado pela produção agrícola. O segundo episódio continua a ser o conflito na região de Pau Brasil, que inclui os Municípios Camacã, onde o cacau e o boi é o elemento chave da produção capitalista.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF), em uma ação inédita até então, concedeu reintegração de posse de uma fazenda aos índios, coisa nunca esperada pelos fazendeiros-capitalistas e políticos – a reação foi instantânea, condoída pelo lado do fazendeiro.

O primeiro fato de caráter indicativo e de reconhecido valor na luta pelos nossos direitos; o outro, jurídico, mas também de reconhecimento dos fatos, fez ascender tanto os espíritos e provocar a cooperação das organizações de classe do capitalismo produtivo.

De um lado os fazendeiros que se sentem donos das terras, apesar de ter contra si todas as provas cabais. Por outro lado os índios que têm a seu favor apenas a história.

Cabe aqui chamar a atenção para o lado desumano do episódio. Os 15 povos indígenas da Bahia nutriram uma enorme esperança quando o governo Jaques Wagner (PT) assumiu as rédeas do Estado por trazer um discurso de apoio às classes oprimidas e combativo anti opressão capitalista. Além do discurso ideológico, ainda havia a questão da política local, o método de governar. Esperava-se que os velhos tempos do arbítrio carlista, como foi decantado nos discursos dos palanques, fossem definitivamente enterrados. Mas eis que a coisa volta com outra aparência, dessa vez voraz e direta.

Primeiramente quanto aos Tupinambá: o secretário de justiça que teve todo o apoio dos povos indígenas, e toda a oposição da casta grossa dos fazendeiros, esteve recentemente no lugar dos conflitos e deu preferência para a reunião com os fazendeiros – antes seus adversários – sem ouvir os índios.

Além disso, deu declaração alimentadora e orientadora do conflito em favor de uma das partes, quando assinalou ser a favor de que a FUNAI devesse refazer o seu laudo antropológico – a técnica errada? A ciência? A história? A conveniência ideológica?

O Secretário de Agricultura afirmou o seu empenho a favor dos fazendeiros e contra os índios Tupinambá. Desse não se esperava muito mais, o lamentável é estar onde está num governo dos trabalhadores.

Quanto à reintegração de posse dada pelo STF aos índios Pataxó-Hãhãhãe, ela foi cumprida através da polícia federal que no ato usou de truculência contra os próprios índios que presenciava o ato. As duas lutas se unem e a mais forte toma a dianteira na luta armada – apesar de ser proibido por lei o uso de arma.

As lideranças do povo estão, em sua maioria, processada, com prisão decretada ou ameaçada de morte por fazendeiros-capitalistas –, a cabeça de um Cacique vale 30 mil reais, assim publicou a Revista Época. Qual fazendeiro da região está em situação parecida?

Nos meses finais de – 2009 –, através de diversas secretarias, inclusive a da Justiça, os índios da Bahia, incluindo até outros estados do Nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais, foram convidados para participarem de diversos encontros onde debateram temas relevantes, como educação, cultura, cidadania, desenvolvimento sustentável, mas nenhum deles específico sobre a questão jurídica e conflitos pela terra. Um desses encontros os índios estiveram presente frente a frente com o Governador da Bahia e o Secretário de Justiça, mais uma vez não se falou de conflito de terra, cobrando uma posição mais firme do Senhor Governador e do Senhor Secretário que vem tendo uma posição ambígua muito ambígua.

BALNEÁRIOS EM TERRAS INDÍGENA

“Quem deu ao branco o direito de negar o direito do Índio?" J.Payayá.

Nesse fim de ano fui até as terras dos Pataxó no extremo sul da Bahia. Voltei desapontado. Veja o que presenciei em Trancoso, balneário que ganhou fama pelas suas inacreditáveis belezas naturais, hoje badaladíssimo no mundo. A praça principal chama-se Quadrado, abrigam lojas de alto luxo, pousadas e restaurantes de preços salgados, caros mesmo. Lá moravam os índios, viviam livres, nus, o que estimulou os ripe, nas décadas de 60/70 a fazerem o mesmo, e depois os turistas estrangeiros apareceram.

Agora, os descendentes dos primeiros indígenas não são bem vindos no Quadrado nem em lugar nenhum ali. Alguns temam em viver naquele lugar, agora de roupa de branco.

Fiquei desapontado quando encontrei um deles, vendedor de gamelas. Era um rapaz de olhos cozido pelo medo, é que o IBAMA ou os fiscais da prefeitura, poderiam apanhá-lo em flagrante e o prenderem por crime contra a natureza - a causa era a gamela e duas colheres de pau que portava.

- Mas como, se tudo aqui no Quadrado é de madeira, parente! - eu disse me sentindo insultado.

-Mas eles podem, nós, indígena não! respondeu cabisbaixo.

- Mande esse cara para os diabos, parente! Eu estava tremendo os lábios vendo uma mesa de jacarandá exposta no meio da praça rodeada de gringos, todos gargalhando deliciando iguarias atendidos por um sujeito louro, alto, vestido de branco.

o Rapaz já não usa colar, não se pinta e sobre a cabeça usa chapéu para encobrir os cabelos que o identifica como indígena.

Zé Caraiva, um senhor simpático com roupas de branco, diferenciado, porém, dele por um colar de dentes de caça, e pelo aspecto da própria roupa. Me disse que era nativo, ou seja, índio mestiço, por ser filho de mãe indígena e pai alemão, no entanto, considerava-se indígena, ali nascera e ali morreria.

Zé Caraiva lamentou não poder vender mais seus artesanato como antes - querem o Índio ver fora do Quadrado - disse. Não tem um só lugar, além das galhas de cajueiro, para pendurar os colares, brincos de sementes e pulseiras que vende. É preciso ter sorte para alguém passar aqui, parar e comprar alguma coisa da gente.
Tem o desgosto estampado no rosto.

Zé Caraiva com um misto de orgulho e tristeza, apontando para um caminhoneta enferrujada, parecendo mais de vinte anos de uso, disse: É com o artesanato é que eu vivo... Se sair daqui como vou viver?

Na Praia do Trancoso tem as barracas de luxo, lá um pirê de batatas custa R$20,00 e um almoço R$130,00. Ao lado de uma delas com uma cesta nas mãos encontrei dona Dalva Pataxó e seus três netos. Foi disse ser parente, ou seja, indígena Pataxó, que vivia de vender salgadinhos, R$2,00 cada, mas nas praias, mas que os fiscais já a tinha advertido que ela não podia vender ali, não tinha licença para comercializar o produto.

Vendo os netos correndo sobre a areia para cima e para baixo, com colares na mão eu disse: Eles vendem muito? ela disse: Que nada é porquê minha licença é para vender artesanato e não bolinho, mas eu vou tocando...

Depois de comer um salgadinho eu sairia daquele lugar sem consumir mais nada, não fosse minhas companhias que reclamaram, me chamando de intransigente ante as coisas alheias...

Soube ainda que os condomínios dos ricos e dos gringos estão cercando as aldeias indígenas e que muitos parentes já não podem mais transitar livres por onde andavam antes.

Para o povo indígena viver assim é difícil.

(*) É um dos intelectuais indígenas do Brasil a colocar-se a serviço do seu povo http://juvenal.teodoro.blog.uol.com.br/

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