segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

VAI BALEIAR!

Sergio Freire (*)

Provavelmente muita gente não entendeu o título deste texto. Como não entendeu ainda as novas formas de reorganização social que têm surgido por meio dos suportes digitais da Internet.
Duas amostras: a primeira foi quando um grupo de cidadãos formadores de opinião decidiu legitimamente demonstrar sua indignação com a aprovação da taxa do lixo de Manaus. Votada pelos vereadores da cidade, a taxa mobilizou tuiteiros a fazer uma vaquinha para publicar dois outdoors com o nome dos vereadores que votaram a favor do projeto do prefeito Amazonino Mendes. Foram arrecadados R$ 1.400,00.

Alguns vereadores se sentiram ofendidos com o movimento e começaram a pressionar empresas de outdoor a não aceitar o serviço, ameaçando inclusive votar um projeto tipo “cidade limpa”, tirando as concessões de outdoor. As empresas recuaram. Uma vereadora não soube dialogar com a diferença e cometeu twiticídio, não sem antes sair atirando em muitos, por esse e por outros motivos.

Triste da cidade em que vereadores sérios têm de fiscalizar vereadores venais, que deveriam fiscalizar o executivo.

O segundo fato, decorrente do primeiro, é a tentativa de intimidação. Uma das coordenadoras da arrecadação da campanha do outdoor foi visitada em seu trabalho por uma equipe de uma rádio, alegadamente a CBN Manaus. A história está aqui: www.oavesso.com.br/omalfazejo. Outros ou estão sendo processados pelo dono da rádio ou já sofreram intimidação em seus locais de trabalho.

Já faz tempo que estudiosos falam da sociedade da informação. Para quem se interessa pelo papo acadêmico, leia Pierre Levy, Manuel Castells ou Adam Schaff. A questão é que alguns sujeitos ainda se comportam como se as relações sociais fossem as mesmas do capitalismo tardio, impermeável à sociedade da informação. Não se deram conta, com suas cabeças cheias de entulho autoritário, que mudou.

Antigamente, o poder que silenciava era o bélico, dos exércitos, da baioneta. Silenciava-se na aniquilação física do inimigo. Até recentemente, era o poder econômico. Para calar sobre um assunto, políticos compravam todo o estoque da revistas que o tinha como matéria e resolvida a questão estava. Aniquilava-se pela supressão da informação.

Hoje, o poder migrou para a informação. Mais especificamente para a distribuição da informação. Com uma diferença: se antes ela era sólida (tira-se daqui para ali, guarda-se pra sempre), hoje ela é líquida (aperte aqui e ela escorre pelos dedos para aparecer em outro lugar, guarde aqui e ela derrete saindo do depósito para ganhar as ruas). Na sociedade 140 bytes só se aniquila alguém com a superação da informação, ou seja, pelo convencimento com argumentos.

As consequências desse descompasso de tempos (o de alguns sujeitos e do tempo em que vivem) são políticos que pagam mais de um milhão a seus testas-de-ferro achando que basta esconder a cópia do empenho e da ordem bancária que ninguém saberá. Esquecem que em sua liquidez a informação vai para os bits públicos, dando real significado ao verbo vazar. Velhos métodos para novos cenários não funcionam.

As consequências disso são pretensos coronéis de barranco se transmutando em alferes de mídia, mudando a patente (mas não suas práticas) e crendo piamente que a intimidação de outros tempos têm o mesmo efeito de outrora nessa época de liquidez. Ledo engano.

A liquidez dos suportes digitais tem efeito especular ampliado para práticas pré-digitais. Funciona como espelho. Do jeito que vem volta refletindo amplificadamente na direção do próprio emissor. Se a CBN Manaus fez isso mesmo – e se não fez precisa se manifestar publicamente sobre o fato, pois há testemunhas -, não tem ideia da jaca em que se meteu.

Seu pretenso ato, covarde nessa ou em qualquer outra época, reverberará negativamente, ecoando vozes coletivas que convergem em princípios e na concisão dos 140 caracteres do Twitter. O efeito resume-se na frase de uma usuária do Twitter: “Eles jogam a merda no ventilador, a gente faz ela feder”. É por aí.

Acontece que o “feder” a que se refere a tuiteira, porta-vozeando outros indignados, é qualificado. São formadores de opinião que reconhecem o estado de direito. Pessoas devidamente letradas como cidadãos ativos que não trocam suas opiniões por dentaduras, promessas de carreta de internet ou afins. São sujeitos de seu tempo, que transitam na liquidez da informação com desenvoltura, águas essas, diga-se de passagem, em que muitos dos mimeógrafo-boys ou CDD-girls quando se metem só tomam caldo, pagando peitinhos ou se arranhando todo nos cachotes dessas ondas, se é que entendem a metáfora.

Já está no ar a campanha #ToNaFilaCBN. Por meio desse hashtag, a bela ironia de que se é para intimidar vai ter que agendar as visitas aos locais de trabalho de muita gente. Aliás, o meu é na UFAM, ICHL, Departamento de Línguas Literaturas Estrangeiras. Só que estou de férias. Só volto dia 18. Nem precisa agendar. Estou de férias do trabalho, diga-se. Ligado na internet, no Twitter, na informação. Não tem como desligar. Ela vem até nós.

Solidarizo-me com a Bianca Abinader, a vítima dessa covardia imbecil. Porque só um imbecil para achar que algodão enxuga gelo. E não tenho a menor dúvida de que vai baleiar para eles. Duvido até que eles saibam o que é isso, o que é hashtag ou o que é fake. #biafacts #carapintadafeelings. Enter.

(*) É professor da Universidade Federal do Amazonas, Depto. de Línguas e Literaturas Estrangeiras http://blogsergiofreire.wordpress.com/

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