domingo, 17 de janeiro de 2010

A REVOLUÇÃO QUE LIQUIDOU O EMPREGO: O QUE FAZER?

No passado até que era fácil. O cidadão, com o seu canudo universitário debaixo do braço, conseguia emprego em alguma firma, ajeitava-se na escrivaninha e esperava pela promoção por tempo de serviço. Trabalhar na firma não era complicado. Não se gastava neurônio, porque pensar era tarefa do chefe. Não havia risco, porque as decisões fundamentais vinham do patrão e toda a tribo apenas obedecia. As exigências eram poucas. Esperava-se do funcionário que se vestisse adequadamente, fosse assíduo, pontual e cordato. Se ele falasse inglês, era ilustre erudito. Nessa firma tradicional, o inglês era tão útil quanto o iídiche.

Esqueça essa firma em preto e branco, porque ela acabou. Esqueça também esse tipo de emprego. Nos últimos quinze anos, as empresas mudaram tão radicalmente que os especialistas em administração se referem a esse período como anos revolucionários.

Tudo o que se refere ao emprego mudou na mesma intensidade revolucionária. A assiduidade, a pontualidade e o tempo de serviço já não são qualidades sagradas na empresa de hoje. A obediência canina virou defeito e falar inglês tornou-se um item fundamental. Sem ele, dificilmente alguém alcança uma boa posição. O mundo do trabalho tornou-se mais difícil, mais complexo, e quem se comporta segundo padrões antigos se arrisca a ingressar nos gráficos de desemprego do IBGE. Até porque as empresas se reciclaram em busca de produtividade e estão funcionando melhor com menos empregados.

É espantoso que, num cenário cheio de novos conceitos como esses, os pais da classe média ainda eduquem os filhos pensando na experiência ultrapassada que eles próprios tiveram no trabalho. "Os pais reclamam mais da data de validade da margarina do que da formação de seus filhos", diz Marcelo Mariaca, ex-vice-presidente da Du Pont e consultor de recursos humanos em São Paulo. Deveriam se mostrar mais interessados pelo mundo que espera seus filhos - mesmo porque o desemprego os aterroriza pessoalmente.

FAX E COMPUTADOR - Uma pesquisa feita pelo Ibope durante a campanha eleitoral revelou que a segurança, as deficiências do sistema educacional ou os menores abandonados são temas menos angustiantes para a maioria das pessoas do que a perda do relógio de ponto - um fantasma capaz de assombrar 70% dos entrevistados. Há motivos para o temor aumentar. A economia brasileira voltou a crescer, mas a oferta de bons empregos está estacionada. De acordo com a Federação das Indústrias de São Paulo, Fiesp, a indústria paulista está produzindo a mesma quantidade de cinco anos atrás com 25% de trabalhadores a menos. Esse é o problema. O que está acontecendo no Brasil é uma reprodução tardia do fenômeno que atingiu os países desenvolvidos durante a década passada.

A Autolatina, o maior conglomerado industrial privado do país, tinha 55.000 empregados em 1989 e produzia uma média de 41.000 carros por mês. Hoje, a média de produção mensal é de 50.000 automóveis, 9.000 a mais. Se a Autolatina continuasse trabalhando da maneira que funcionava há cinco anos, seriam necessários 67.000 empregados para produzir o volume de carros montados atualmente. Como houve mudanças, em vez dos 67.000 empregados ela tem só 47.000. Perdeu braços, mas ganhou eficiência. "Se não tivéssemos mudado, não seríamos mais competitivos", diz Carlos Augusto Marino, diretor de relações trabalhistas da Autolatina. Isso é muito bom para os seminários de produtividade. Mas é péssimo para os candidatos a emprego.

Em certas áreas industriais brasileiras, vive-se uma fase em que tarefas antes feitas por braços humanos são executadas por robôs. Em muitas empresas, demitem-se operários antigos, treinados para tarefas repetitivas em máquinas rudimentares, e contrata-se gente com nível de escolaridade maior para operar equipamentos mais novos e complexos. Em 1989, 65% dos trabalhadores da Autolatina tinham nível de instrução inferior ao 1º grau completo. Alguns eram analfabetos. Hoje, o total de empregados que não completaram o 1º grau caiu para 45% - e a maioria destes prossegue os estudos em cursos mantidos pela própria empresa.

É uma constatação óbvia, não uma surpresa, a mudança ocorrida no trabalho neste século. Galpões lotados de empregados fazendo trabalho manual foram substituídos por linhas de produção automáticas, até em fábricas de bolachas do interior. Nos escritórios e nos bancos, aquela turma sisuda que ficava o dia inteiro empilhando, colando, arquivando e despachando, com três assinaturas em cada folha de papel, está há muito tempo aposentada.

A eletrônica acabou com tudo isso. Parece a velha evolução natural das coisas. O empregado aceita o computador, o fax, o telefone sem a telefonista, mas o resto fica do mesmo jeito, não é? Não, não é mais assim. O mundo do velho emprego está acabando. Pode ser difícil encarar o fato, mas o emprego para toda a vida, aquele conceito de emprego que impregnou a experiência dos pais e avós desta geração, isso tende ao desaparecimento.

MÁQUINA A VAPOR - O emprego de que se fala aqui todo mundo sabe o que significa. O sujeito bate o relógio de ponto, recebe as ordens do chefe e atravessa o dia bovinamente, sem externar idéias próprias e sem contribuir para melhorar o produto da empresa. Executa tarefas repetitivas, como apertar eternamente os mesmos três parafusos numa linha de montagem ou selar e carimbar num escritório, sempre dentro de uma pesada arquitetura hierárquica em forma de pirâmide. Apenas o topo dessa pirâmide ousa ter vida inteligente. Os de baixo, em compensação, cumprem horário e prestam obediência, mas não têm responsabilidade sobre o insucesso da organização.

O empregado é fiel e o patrão dá segurança. Agora, exige-se mais do funcionário e a retribuição também é maior para os competentes. A siderúrgica Mendes Júnior, na cidade mineira de Juiz de Fora, estimula seus funcionários a apresentar sugestões que levem à redução de custos, à melhoria da qualidade do produto e ao aumento da segurança no trabalho. A empresa oferece prêmios em dinheiro e sorteia um automóvel por ano entre os funcionários que têm suas sugestões aprovadas. Empresas de outros setores estão indo para o mesmo caminho.

Essas mudanças refletem a chegada ao Brasil de um fenômeno que atingiu a economia mundial há mais de uma década. "É uma revolução industrial tão ou mais importante do que a provocada pela máquina a vapor, na Europa do século XVIII, e a que acompanhou o modelo americano de produção em série, no início do século XX", aponta o cientista político Sérgio Abranches, do Rio de Janeiro.

As revoluções industriais anteriores caracterizaram-se pela expansão da economia num quadro de crescimento acelerado da oferta de emprego. Acontece diferente na revolução atual, que tem sua origem na competição industrial, na guerra de mercado entre os países e na internacionalização cada vez maior da economia. Observa-se agora um ciclo de expansão econômica seguido da redução na oferta de empregos.

De repente, as empresas passaram a fazer parte de um mundo cujas fronteiras desabaram. O dinheiro, agora sem pátria, circula pelo globo à razão de 27 bilhões de dólares por dia e vai para os países que o remuneram melhor. No comércio também há um intercâmbio febril. O japonês come frutas do Chile, bebe vinho da França, usa roupa da Itália, compra leite dos Estados Unidos e petróleo do mundo inteiro. O americano usa camisa chinesa, sapato brasileiro, eletrônico coreano e carro japonês. O Brasil, de dois ou três anos para cá, pode comprar até macarrão da Itália e carro da Coréia, se tem dinheiro. Chegou meio atrasado, mas já começou a entrar na ciranda internacional.

Nesse mundo transnacional, de economia globalizada, intensificou-se a competição. Os empresários, acostumados a um ninho mais macio, rangeram os dentes. Mas tiveram de entrar na corrida para não desaparecer. Foi aí que surgiu toda essa mania de renovação de que o cidadão comum toma conhecimento pelo jornal através de expressões como reengenharia, qualidade total, corte de níveis hierárquicos e outras preciosidades da linguagem gerencial. Se esse jargão ainda não entrou no seu raio de interesse, comece a preocupar-se.


REENGENHARIA PESSOAL - Muitos trabalhadores atingidos pelo furacão desconfiam que o objetivo disso tudo, no fundo, no fundo, é demitir o máximo possível e sobrecarregar de trabalho os que ficam. Não estão de todo enganados. Mas poucos entendem o ponto mais delicado da questão. Para sair ganhando nessa fase de transformação das empresas, os empregados terão de fazer em si próprios uma gigantesca reengenharia individual. Terão de se tornar tão flexíveis e aptos quanto as empresas estão ficando nesta véspera do ano 2000.

As exigências que os administradores fazem para contratar funcionários em postos de qualidade dão uma idéia dos desafios para cada candidato. Sem o 1º grau completo está difícil arrumar emprego até na construção civil. Para funções de comando, só se qualifica quem tem formação universitária. O funcionário que não fala inglês não sobe de posto. Quem fala duas línguas, além do português, larga na frente. Se fosse só isso, estaria fácil. Algumas empresas, além de diploma e língua, desejam que os candidatos a um cargo no topo tenham vivido no exterior. "Não exigimos de um candidato a emprego que tenha experiência internacional, mas esse é um fator que pode definir uma contratação", diz Raul Rosenthal, presidente da American Express.

Existem outros requisitos fundamentais. Quem não for bamba num laptop não consegue trabalhar no Citibank. Aliás, os ignorantes em informática não conseguem mais ser bons médicos, advogados, bibliotecários, secretárias ou vendedores de passagens aéreas. Num futuro muito próximo, não conseguirão trabalho nem no caixa do supermercado. "No futuro, quem não souber usar computador terá dificuldades até para ser porteiro", diz Mario Fleck, presidente da Andersen Consulting.

Essas coisas podem ser aprendidas na escola. Outras habilidades exigidas pelas empresas modernas não podem. Elas estão num terreno, por assim dizer, imaterial. As empresas querem empregados flexíveis. A Bayer, indústria química de São Paulo, exige que seus funcionários entendam um pouco de vários assuntos. "Não adianta ser um engenheiro com ótima capacidade técnica, se ele ignora os interesses da empresa na área de marketing", explica Roberto Thomas Arruda, diretor de recursos humanos da Bayer.

A multinacional de cosméticos Avon também quer que seus profissionais sejam capazes de atuar em vários campos ao mesmo tempo. "O economista ou o químico que trabalham conosco devem ser competentes na sua função e funcionar também como uma antena que capta e transmite informações para todas as áreas", diz Ana Maria Rédua Gean Marino, gerente de recursos humanos da Avon.

Outra exigência atual é rotulada pelos consultores empresariais de "curiosidade". A curiosidade pode ser definida como a disposição do profissional de absorver conhecimentos de qualquer experiência - até de uma viagem de férias ao Amazonas. As empresas vêem na curiosidade um uso prático. O consultor paulista Luiz Carlos Cabrera, da PMC & Associados, conta que um executivo paulista visitou a China, numa viagem de lazer, e voltou cheio de idéias. Sua empresa, hoje, por causa dessa viagem, exporta para a China. Na Andersen Consulting, exige-se dos funcionários que leiam os jornais. "Quem não se informa sobre o mundo não consegue resolver os problemas que propomos", diz Eliane Pires, gerente da Andersen. "Quem não leu jornal ao meio-dia à 1 da tarde já perdeu terreno para um grupo grande de pessoas", diz Luiz Cabrera.

ONDA DE DEMISSÕES - Desde o início da produção em massa, nas primeiras décadas deste século, nunca se fez uma revisão tão grande sobre a maneira como a sociedade produz. As companhias tendem a querer cada vez mais trabalho e a oferecer cada vez menos emprego. Tende-se a pensar que o emprego, na concepção das últimas décadas, sempre existiu. Na era pré-industrial, a pessoa fazia tarefas variadas ao longo do dia para o patrão, conforme as necessidades impostas pela estação do ano, a ocorrência de uma safra ou acontecimentos circunstanciais, como o desabamento de um celeiro ou a chegada de um barco carregado de mantimentos. Passou-se em seguida para o modelo de emprego que sobreviveu até hoje. Começa-se a entrar agora num sistema marcado pela competição acirrada e pelo aumento da produtividade. É óbvio que os empregados estão obrigatoriamente envolvidos nesse processo.

A mudança trouxe muitos efeitos. O mais evidente foi uma onda de demissões que produziu 35 milhões de desempregados nos países desenvolvidos, conforme as estatísticas da OCDE, a organização dos sete países mais ricos do mundo. Os países industrializados da Europa têm problemas seriíssimos nesse campo. Na Espanha, o desemprego é de 23%. Mesmo num país como a Finlândia, encravado no paraíso nórdico, onde o desenvolvimento sempre se revestiu de uma face humana, a taxa dos desempregados bateu nos 19% e o finlandês de hoje já discute a reversão de seu sistema de seguridade social.

O território mais sacrificado é o da indústria - justamente o ramo que puxou o comboio do emprego até pouco tempo atrás. No início dos anos 70, a indústria gerava 26% dos empregos oferecidos nos Estados Unidos. Hoje, gera menos de 20%. Na Alemanha, a participação dos empregos industriais no conjunto dos postos de trabalho caiu de 36% para 32% nos últimos vinte anos.

Apanhado num ciclo de recessão quando iniciava sua abertura econômica, o Brasil corre o risco de confundir esses fatores. Associa-se freqüentemente abertura comercial com queda do emprego nacional. Com a última rodada de rebaixamento das alíquotas de importação, iniciada no mês passado pelo governo, essa discussão voltou a esquentar. Num estudo recente, em que comparam a situação brasileira com a dos países desenvolvidos, os professores Sérgio Abranches, Paulo Fernando Fleury e Edward Amadeo analisam o problema e são claros em seu diagnóstico. Segundo os professores, fechar-se à competição internacional pode significar a manutenção dos níveis de emprego industrial por algum tempo.

Diante da velocidade com que surgem no mundo novos produtos e novas técnicas de produção, essa medida teria porém resultado nefasto. Afastaria gradativamente o Brasil da raia de competição internacional. Com o passar do tempo, a ausência de comércio reduziria o nível de investimentos. A indústria não sobreviveria mesmo com as portas do país fechadas, naufragando "por absoluta inépcia competitiva". "A decisão é enfrentar o problema agora ou deixar para mais tarde, quando a solução será certamente mais difícil", recomenda o economista Paulo Fernando Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

EXECUTIVO MORTO - O maior erro em que pode cair um jovem candidato ao mercado de trabalho é imaginar que sua vida profissional está desligada de todos os desafios de competitividade que cercam a economia brasileira em seu conjunto. A economia, as empresas e os trabalhadores são esferas da mesma engrenagem. As empresas querem gente que se arrisque, saiba trabalhar em equipe, questione ordens, apresente idéias, administre o seu tempo de trabalho. Tem mais. Aquele que entra numa empresa e deseja subir de posto tem de colecionar todas as habilidades listadas e estudar continuamente. "Os cursos de graduação ensinam o que era necessário para uma realidade de dez anos atrás e o profissional já sai com deficiências", diz Charles Stephen Kanitz, economista da USP. Quem está para entrar no mercado do trabalho que saiba desta norma fundamental: não dá mais para parar.

A competição é diária, contínua e só termina na aposentadoria. O engenheiro mecânico Carlos Fernandes Costa Novaes investe 10% de sua renda em treinamentos que lhe possam assegurar promoções. Novaes trabalha na locadora de carros Localiza e, de 1990 para cá, já fez vinte cursos nas áreas de compras, marketing e relações interpessoais. Nesse esforço, passou de supervisor de manutenção a assistente de gerente e atualmente está numa terceira faixa. Está concluindo sua pós-graduação em Marketing na Universidade Federal de Minas Gerais e pretende continuar estudando. "Quem não se atualiza está fora", diz ele.

Na década de 70, do século passado, um produto lançado no mercado atravessava dois anos de estado de graça, até que o concorrente descobrisse como foi feito. Na década de 80, esse prazo reduziu-se para seis meses. Hoje, em apenas seis semanas uma empresa perde a exclusividade sobre um lançamento. A velocidade empresarial tornou-se impressionante, e o executivo lerdo morre na competição. "Só haverá dois tipos de administrador - os rápidos e os mortos", disse David Vice, da Northern Telecom, numa frase citada por Tom Peters, um guru da administração.

Com seu exército de milhões de desdentados, o Brasil tem uma perna na áfrica e outra no mercado moderno. Para o pedaço iletrado e subempregado, essas esquisitices de renovação gerencial nada significarão. A esses é preciso dar uma colocação minimamente decente, carteira assinada, alguma assistência social - e nada de conversa sobre economia globalizada. Numa faixa intermediária, o assunto também é tão inacessível quanto o idioma javanês. Por muito tempo, o ambiente de trabalho continuará igual na forja de subúrbio em São Paulo, na confecção de roupas populares em Blumenau e na fábrica de alpercatas em Caruaru, Pernambuco. Mas muitas empresas de grande e até média envergadura já descobriram que a única forma de enfrentar a concorrência brava que está aí é fazer - já - produtos melhores e mais baratos. Quem trabalha num lugar assim pode ter certeza de que a hora da reciclagem chegou.

ESCOLA EFICIENTE - Algumas famílias com recursos suficientes para educar os filhos num modelo de país industrializado já tentam antecipar as mudanças em casa. São casos excepcionais e até luxuosos, mas é interessante ver como funcionam. Em São Paulo, o casal de empresários Aramis e Lais Forte educa os filhos segundo essa visão. As crianças estudam num colégio espanhol porque os pais acham que essa será a segunda língua mundial. Os filhos viajam todo ano para o exterior. Os pais esperam que as férias sirvam de fonte de conhecimento para as crianças. Elas aprendem inglês, brincam e estudam com um computador e debatem com os pais, aos domingos, as notícias publicadas pela imprensa. "As empresas exigem resultados dos funcionários, e aqui em casa nós não premiamos a mediocridade", diz Aramis.

A família Forte é um pouco exagerada, mas sua atitude, em linhas gerais, está correta. Os especialistas dão uma série de conselhos para que os pais adaptem a educação dos filhos aos novos tempos (veja quadro à pág. ao lado). Uma das principais recomendações é saber se a escola é mesmo capaz de preparar a criança para um bom futuro profissional. "Os pais devem exigir que a escola diga onde estão e o que fazem os seus ex-alunos. É um indicador da eficiência da escola", diz o consultor Marcelo Mariaca.

As pessoas podem pensar, diante do volume de sacrifício, que é melhor guardar o dinheiro da educação e presentear o filho com uma franquia da água de Cheiro quando ele fizer 18 anos. Isso é um erro. O treino requerido pelas empresas não serve apenas para os seus empregados. Na verdade, as novas exigências pertencem ao final do século XX e abrangem todos os campos de trabalho. Sem inglês, computador, interesses variados, sintonia com as mudanças e uma nova fileira de habilidades não dá para ser um bom advogado ou um microempresário bem-sucedido.

O técnico químico Lúcio Edno Pereira, mineiro, é um microempresário que provou o sucesso. Ele trabalhou durante quinze anos no laboratório de cores da Ford. Nesse tempo, fez todos os cursos que a empresa lhe ofereceu, mesmo que não tivessem nada a ver com química ou cores. Depois, passou por um banco, por três anos, para aprender a lidar com números. Fez mais um estágio, numa multinacional, antes de abrir o seu negócio. Pereira inventou um método de lavar carros sem usar água e montou uma empresa, a Dry Car, no ano passado. Em julho, resolveu franquear a fórmula da Dry Car. Apareceram vinte interessados, que compraram a franquia. "O meu segredo foi pensar de forma diferente. Troquei o tradicional pelo novo. Arrisquei", conta o ex-técnico. Ele reconhece que a sua empresa deu certo e está crescendo porque ele, Pereira, é um profissional bem treinado por grandes empresas. Pereira saiu do circuito do relógio de ponto por conta própria. Infelizmente, a maioria sai contra a vontade, por demissão. No Brasil, a taxa de desemprego, de 5,5%, é baixa. Mas em áreas concentradas de indústria, comércio e serviços é muito maior. Na Grande São Paulo, de 16%.

GRANDE DEPRESSÃO - De cima a baixo, todos os processos que resultam em ganhos de produtividade têm como efeito colateral o despejo de trabalhadores. "As empresas vão produzir três vezes mais, com menos gente. E quem ficou vai trabalhar mais", diz a consultora Beatriz Martini, da BSM & Associados, uma consultoria de São Paulo. A revolução industrial que apareceu de surpresa no final do século empilhou desempregados aos milhões. Em magnitude, ela é tão grande quanto a depressão mundial de 1929-1933, que desempregou 30 milhões de pessoas. Por enquanto, o mundo está assistindo perplexo à degola dos empregados e ela parece muito injusta. O pior é que não há solução à vista. "O futuro pode apresentar alguma solução, mas hoje ela não é conhecida e não dá para reverter o processo", diz o economista José Pastore, da Universidade de São Paulo, especialista em sociologia do trabalho.

Se as grandes empresas demitiram tanto, a pergunta óbvia é: onde foram gerados os empregos que impediram a explosão catastrófica das estatísticas de desocupação no Brasil? A queda da oferta de trabalho na indústria foi parcialmente compensada pelo aumento da quantidade de vagas em outros segmentos da economia, como o comércio e, principalmente, o setor de prestação de serviços. Muitos dos empregados demitidos pela indústria foram reaproveitados por prestadoras de serviços e hoje continuam fazendo o mesmo trabalho de antes, só que com um patrão novo ou trabalhando por conta própria. Esse fenômeno, a terceirização, atingiu sobretudo a mão-de-obra menos qualificada, como os motoristas, os seguranças e os faxineiros. Também pegou funcionários mais graduados. Muitas empresas hoje em dia contratam de terceiros serviços como o processamento de dados e o atendimento aos clientes.

As franquias também vêm absorvendo dezenas de milhares de pessoas. De 1988 a 1993, foram abertas no Brasil 50.000 franquias. Essas pequenas empresas, que exploram marcas conhecidas e atuam principalmente no comércio de roupas e refeições rápidas, geraram nos últimos anos cerca de 500.000 postos de trabalho. A rede de lanchonetes McDonald's, a maior franqueadora do Brasil, emprega um total de 11.000 jovens nas suas 140 lojas espalhadas pelas principais cidades do país.

Na reestruturação produtiva que ocorre neste final de século, o Brasil leva uma vantagem sobre os países desenvolvidos. Essa vantagem, por estranho que pareça, é a de ter largado na última fila na corrida da competição. "O Brasil tem condições de tirar vantagens de seu atraso. Deve olhar para os países desenvolvidos e copiar o que fizeram certo. Em alguns casos, deve agir diferentemente para reduzir os efeitos negativos causados pela modernização da economia", diz o cientista político Sérgio Abranches. Na avaliação de Abranches, se o Brasil realmente deseja acompanhar o ritmo da evolução mundial, precisa fazer obras de modernização na infra-estrutura de transportes, no sistema de telecomunicações e no sistema educacional. Isso exigirá trabalho de milhões de pessoas e reduzirá por muitos anos o impacto da modernização sobre o nível geral de empregos. Quanto à geração que se prepara para chegar ao mercado de trabalho, é melhor saber desde já que não encontrará nada parecido com o mundo do emprego conhecido pelos seus pais.

Perfil do profissional

Antes da década de 70

•A experiência é a ferramenta usada no comando.
•É acomodado.
•É dependente.
•É carreirista.
•É resistente à mudança.
•Seu salário é determinado pela empresa.
•Seu conhecimento é fruto da experiência profissional.

Entre as décadas de 70 e 90

•O grau de escolaridade é sua ferramenta de comando.
•É confiante.
•É político.
•Procura ser criativo.
•Ajusta-se às mudanças.
•É muito competitivo.
•Seu salário é negociado com a empresa.
•Seu conhecimento é baseado na teoria acadêmica.

Hoje em dia

•Sua performance é sua ferramenta de comando.
•É curioso.
•É independente.
•Gera mudanças.
•É cooperador.
•Seu salário é conquistado pela importância do seu trabalho.
•Seu conhecimento é fruto da aplicação prática da teoria.

De hoje em diante

•As realizações de sua equipe são a ferramenta de seu sucesso.
•É estudioso.
•Tem uma visão global das coisas.
•Lidera mudanças.
•É facilitador.
•Seu salário é conquistado pelo resultado de seu trabalho e de sua equipe.
•Seu conhecimento é fruto do aprendizado contínuo.

De pai para filho

Conselhos de especialistas
para encaminhar os filhos


•Não martirize o adolescente com a escolha do curso universitário. Em empregos de nível médio para cima, ter faculdade é fundamental, mas o curso escolhido não tem muita importância. A faculdade deve servir como um estímulo ao crescimento intelectual
•Incentive a capacidade de experimentar coisas novas. Antes, o bom emprego era no Banco do Brasil. Hoje, uma microempresa é muito melhor.
•Não se assuste se seu filho escolher trabalhar com coisas exóticas. Um ecologista em multinacional ganha mais dinheiro que um médico no Inamps.
•No mundo de hoje as habilidades profissionais, assim como os negócios, são efêmeras. O profissional deve ser continuamente reinventado. Curiosidade e flexibilidade são atributos indispensáveis para a reciclagem. Evite disciplinar seu filho em esquemas rígidos de aprendizado. Se for possível, dê-lhe livros e vídeos sobre outros países e outras culturas, leve-o a museus, faça viagens ou inscreva-o em algum dos muitos cursos de intercâmbio cultural oferecidos pelas escolas. Os limites do mercado de trabalho serão os limites de sua cultura.
•O inglês já foi um apêndice para brilho social. Hoje, multiplica as chances na carreira.
•Assim como foi importante ter noções de datilografia, os jovens devem estar preparados para lidar com o computador, o aparelho de fax e outros equipamentos desse tipo. O ignorante em informática equivale ao analfabeto dos anos 60.
•Valorize a independência. Seu filho pode querer estudar inglês, aprender bateria, treinar vôlei e ginástica olímpica e ainda fazer um curso de computação e outro de fotografia. Se o tempo e o dinheiro não dão para tudo isso, é bom que ele próprio defina as prioridades. Exercitar-se nisso o preparará para programar sua vida profissional.

Fonte: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_19101994.shtml

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