terça-feira, 2 de março de 2010

A BELLE ÉPOQUE MANAUARA


Belle Époque, segunda consta no verbete da Enciclopeida Wikipédia foi um período na história da França que começou no fim do século XIX e durou até a Primeira Guerra Mundial. Tem sido considerada uma era de ouro da beleza, inovação e paz entre a França e seus vizinhos europeus. Novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, e a cena cultural estava em efervescência: cabarés, o cancan, e o cinema haviam nascido, e a arte tomava novas formas com o Impressionismo e a Art Nouveau. A arte e a arquitetura inspiradas no estilo dessa era, em outras nações, são chamadas algumas vezes de estilo "Belle Époque".
Manaus foi uma das primeiras cidades do Brasil a vivenciar o espírito da belle époque – passando a usufruir os benefícios que a sua próspera situação financeira permitia. Toda riqueza da região era proveniente de uma só fonte — a exploração do trabalho nos seringais. O lucro proveniente da comercialização da borracha sustentou um castelo de areia, gerando uma nova condição econômica que rapidamente repercutia em todos os segmentos da sociedade amazonense.

Assim, o professor da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, Otoni Mesquita, em sua dissertação de mestrado sobre a temática, afirma que a situação de prosperidade “tornava possível financiar os mais diversos projetos de modernização na capital do Estado, iniciando uma era de grandes transformações, na qual muitas obras começaram a ser executada no sentido de equipar a cidade com os melhoramentos exigidos por atualizados conceitos de civilização e progresso”.

Nessa circunstância, a capital do Amazonas, para o mestre da UFAM, “sofreu mudança radical em sua visualidade, sua população foi ampliada com a introdução de elementos de procedências e costumes diversificados aliados a outros fatores, a sociedade local assumiu características bastante cosmopolitas e típicas da belle époque. Pode-se fazer uma analogia desta fase de mudanças com a montagem de uma vitrine”, pois logo se quebraria voltando aos tempos do abandono e da choradeira provinciana.

Embelezamento

O progresso e a modernidade sob a lógica das idéias transplantadas tornaram-se dominantes e passavam a ocupar um lugar relevante nas falas e nos relatórios oficiais. Os governantes passavam a copiar um padrão de civilização, consumindo as últimas novidades lançadas pelo comércio e pela indústria, sonhando transformar Manaus, “na Paris dos Trópicos” .

A melhoria das condições urbanística e arquitetônica de Manaus já era reivindicada desde a época provincial, mas somente “em 1892, na sua primeira mensagem encaminhada ao Congresso Amazonense, o Governador Eduardo Ribeiro solicitava os ‘meios para levar avante os melhoramentos’ de que precisava a ‘bella Manáos, afirmando que suas praças e ruas encontravam-se arruinadas, principalmente depois de ‘um inexeqüível e irracional plano de nivelamento’. Ribeiro aproveitava a situação para alfinetar o seu antecessor e opositor político e justificava sua solicitação baseado nas otimistas previsões dos cofres públicos, cujos saldos eram cada vez maiores. Previa-se ter ‘meios para accudir de prompto as despezas extraordinarias’ exigidas para a execução dos grandes melhoramentos que se faziam necessários”, registra em sua dissertação Otoni Mesquita.

Pode-se afirmar, que historicamente, a partir da administração de Eduardo Ribeiro (1892-896), é que a cidade de Manaus adquiriu uma nova feição, sendo ampliada e embelezada, como garante o professor Otoni, “sem dúvida, a atuação de Ribeiro coincidiu com a fase de maior prosperidade financeira na região, época em que a exportação da borracha gerou os maiores índices e o Estado pode financiar um grande número de obras de melhoramentos da cidade, mas sua marcante atuação foi decisiva para a nova visualidade da cidade e seguindo a analogia feita pode-se apontar Ribeiro como o vitrinista responsável pela definição da vitrine”.

O sucessor de Eduardo Ribeiro, o Governador Fileto Pires Ferreira, em 1897, reconhecia "o desenvolvimento e prosperidade" que atingiram Manaus com a administração de Ribeiro, e afirmava estar consciente da necessidade que tinha como seu sucessor de "não paralysar nem estorvar um só instante a marcha progressiva da bella capital". Neste sentido, dizia "não ter poupado esforços nem regateado sacrifícios", pois estava "convencidissimo" da necessidade do "embellesamento e reforma" da cidade, oferecendo para aqueles que a procuravam "um centro de atração agradavel, benefico e vantajoso". Apoiava, portanto, todos os esforços do Estado no sentido de dotar a cidade de tudo o que pudesse facilitar "essa desejada comodidade".

Branqueamento

A dissertação de mestrado do professor Otoni Mesquita, publicada em Manaus, pela editora Valer, tem por título Manaus: História e arquitetura (1852-1910). Em suas análises, o professor da UFAM afirma, categoricamente, que a atualização de Manaus aos padrões urbanos vigentes da época implicava na adoção de modelos que nem sempre se adequavam às condições da região. Assim foi preciso repensar e redefinir o espaço urbano, modificando-se o antigo traçado de sua área central e desapropriando-se algumas propriedades particulares. Mas. por outro lado, buscava-se atender, também, às exigências de higiene pública e de circulação.

Com esse “conceito de cidade transplantada”, ignorou-se a acidentada topografia do lugar “igarapés foram aterrados, colinas niveladas, artérias calçadas e edifícios foram construídos em moldes europeus, mas nem sempre adaptáveis ao clima tropical. Se por um lado, melhoravam as condições de comunicação, higiene, transporte; por outro, interferia-se na geografia, modificava-se o clima e impunham-se costumes, ignorando as tradições culturais locais”, afirma o professor.

Assim sendo, no final do século 19, surgia com uma nova cidade, que pode ser interpretada como a imagem da vitrine instalada, resultado de uma série de transformações. Para Otoni Mesquita, “o período em que se processaram as transformações, suas obras, a introdução de novos costumes e a adoção de modernos serviços públicos podem ser simbolicamente compreendidos como um rito de passagem do processo de branqueamento no qual a cultura local despia-se das tradições de origem indígena e vestia-se com características ocidentais”.

Cultura e alienação

Ao iniciar o século 20, parte das obras públicas da Cidade de Manaus já estava concluída e a população local, já usufruía alguns melhoramentos urbanos, que eram os mais eficientes mas, incontestavelmente, contribuíam de maneira contundente para o redimensionamento dos espaços urbano. e sociais.

Repentinamente, é o que explica o professor Otoni, “a cidade alcançou um novo status: o insignificante lugarejo provinciano passava a ser descrito como uma cidade moderna, graciosa e com ares europeus, principalmente por sua aparência., entretanto, as mudanças não ocorreram apenas no aspecto arquitetônico ou nas condições urbanísticas, mas também no campo social, os costumes tornaram-se variados, gerando um ambiente bastante cosmopolita. Para isso, contribuiu a entrada de grande número de estrangeiros e brasileiros de outras regiões, contribuiu marcadamente para esta situação.”

O fato é que, parte desta população flutuante era composta por aventureiros em busca da riqueza fácil que a borracha prometia. Além disso, não se pode negar que elite local sofria forte influência da cultura européia, especialmente da França. Pois, lá os filhos “eram enviados para completarem sua educação, e de onde traziam costumes e modismos atualizados que eram consumidos pela sociedade local ávida de idéias modernas e predisposta a ignorar os limites da realidade amazônica”, sintetiza o professor.

Apesar da aparência da cidade, com todo o seu movimento comercial e vida noturna, em 1908, o Duque Estrada, segundo o pesquisador da UFAM , foi um dos primeiros visitantes a perceber o quadro real da situação financeira do Estado. Escreveu que a cidade atravessava uma "crise calamitosa em conseqüência não só da desvalorização da borracha, mas também pelo estado lastimável em que se encontravam as finanças do Estado. Mas apesar deste fato havia " grande animação por toda parte" e a vida corria em todos os lugares da cidade.

Destacava também que "largas ruas, amplas avenidas, soberbas edificações erguiam-se majestosamente à vista do visitante", entretanto, estranhava que em Manaus, "uma cidade bella e luxuosa, com hábitos de conforto e todos os recursos da civilização”, não dispusesse de um hotel, "nem mesmo de segunda ordem", pois pagara 14$000 réis pela diária do Grande Hotel e reclamava, dizendo ser “o serviço detestável, o hotel sem limpeza, os empregados negligentes a tranquilidade nenhuma”.

Outro intérprete desse fausto, citado por Otoni Mesquita, é o escritor Márcio Souza, que com todas as letras, em A Expressão Amazonense, afirma de forma corrosiva que “o Amazonas nunca foi tão alienado quanto durante o ciclo da borracha”.

O autor de Manaus: História e Arquitetura velem-se dos depoimentos de época, como do jornalista e poeta carioca Aníbal Amorim, que esteve na capital do Estado, em 1909, quando a cidade já não era a mesma de dez anos atrás, contudo, "via-se ainda uma cidade européia, assim no aspecto das suas coisas como no ponto de vista do cosmopolitismo". Amorim ficou impressionado com o intenso movimento comercial e urbano de Manaus. Era uma grande variedade de tipos de embarcações no porto, levando-o a afirmar que nunca vira semelhante atividade e classificava como um fato "espantoso", considerando a pequena população de 60 mil habitantes.

Acreditava, o jornalista, que nenhuma outra cidade brasileira tivesse uma população "mais densa que a metropole amazonense", mas justificava que a mesma restringia-se a uma área relativamente pequena, parecia "um ovo", resultando daí o grande movimento urbano. A concentração de carros e carruagens em determinadas ruas, assim como a preferência do público por determinados passeios davam uma excelente impressão aos forasteiros.

Para o “observador participante”, Manaus era "a cidade mais cosmopolita de todo o Brasil" e acreditava que 90% da população era composta de estrangeiros e brasileiros de origem variada, enquanto que o número da população local era "insignificante", pois, durante os quatro meses que permaneceu na cidade não conheceu "dez manáoenses". Talvez, por isso, a cidade tivesse uma vida noturna tão intensa.

O arguto jornalista continua, afirmando dessa vez, que os "cafés-cantantes" multiplicavam-se pelas avenidas da cidade e o mais freqüentado era o Chalet jardim, que ficava na praça da República (atual Praça D. Pedro II, em frente à Assembléia Legislativa), o "ponto de reunião da sociedade de homens e mulheres debochados, que alli vêem correr as horas, entre a cerveja e o champagne". Havia alguns cafés que nunca fechavam, como o Café dos Terríveis (ao lado da matriz), que via "nascer o sol com as suas portas abertas e as sua mezas ainda humidas dos excessos das bebidas derramadas [...]".

Amorim dizia, também, que a vida noturna em Manaus era "digna da penna de um psycologo", as demi-mondaines iam para as avenidas e praças, "de carruagem, e nos terraços passam horas inteiras, na maior liberdade, em companhia de nacionaes e estrangeiros". O autor criticava, ainda, que: homens que, no Rio de Janeiro, eram "o exemplo da austeridade e da moral privada, em chegando à capital do Amazonas, transformam-se por completo". Entregavam-se "a vida livre das cocottes" e gastavam até o último vintém conseguido às vezes com grandes sacrifício.

Foto: Otoni Mesquita

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