sábado, 6 de março de 2010

CONJUNTURA: SAIBA O QUE PENSA O AUTOR DA TEORIA DA MACROECONOMIA ESTRUTURALISTA

Luiz Antonio Cintra e Sergio Lirio (*)

Luiz Carlos Bresser-Pereira é um economista de muitas ideias na cabeça, todas contrárias à ortodoxia. Uma pode facilmente ser classificada como uma autêntica obsessão, conforme reconhece o professor da FGV-SP e ex-ministro da Fazenda (governo Sarney) e da Reforma Administrativa (FHC). “Há dez anos venho falando do equívoco que é o país crescer com poupança externa”, diz Bresser-Pereira, no confortável escritório onde recebe CartaCapital, em sua casa no bairro do Morumbi, em São Paulo. Cultivada em seminários mundo afora, sua ideia fixa ganhou corpo a ponto de virar um livro (Globalização e Competição, de 2009), com direito a versões em inglês, francês e, ainda no prelo, espanhol. “Somente na introdução da edição espanhola cheguei ao nome da teoria que está por trás, que inventei depois do livro pronto, a Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.” Na entrevista a seguir, Bresser navega por essas e outras águas. Sempre sem perder a chance de alfinetar os seus colegas de ofício, em especial os “phdezinhos” de corte ortodoxo. Confira a íntegra da entrevista abaixo:

CartaCapital(CC): O senhor tem falado da excessiva dependência do Brasil aos investimentos estrangeiros. O senhor poderia resumir a sua análise?
Luiz Carlos Bresser-Pereira (LCBP): A coisa começou com a discussão sobre o crescimento com estabilidade, livro que eu fiz com (Yoshiaki) Nakano. Depois fiz uma crítica do crescimento com poupança externa, seja por meio do endividamento ou do investimento direto. Depois cheguei à doença holandesa. O que resultou desse percurso? Em dois livros, o primeiro chamado Macroeconomia da Estabilização, e o segundo, muito mais interessante por ser mais geral, chamado Globalização e Competição, já publicado também em inglês, francês e que agora está saindo em espanhol. E nesse livro mais recente eu explico o que é o novo desenvolvimentismo, um tema que cada vez atrai mais atenção. E somente na introdução da edição espanhola, que ainda será publicada, cheguei ao nome da teoria que está por trás, que inventei depois, a Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

CC: Em que consiste essa teoria?
LCBP: Trata-se de estudar o desenvolvimento do ponto de vista da demanda, não da oferta, a partir do pressuposto de que o problema fundamental dos países em desenvolvimento se situa no lado da demanda. Claro que existem problemas de oferta, de oferta de educação, o mais importante, de empresários, técnicos, engenheiros, instituições, tudo isso é importante. Mas são problemas de longo prazo. Toda a questão do desenvolvimento é saber usar bem esses recursos escassos, e esse é o problema da demanda. São idéias muito novas, muito novas inclusive em relação à Unicamp, embora atualmente eu esteja absolutamente afinado com a Unicamp, onde tenho grandes amigos. Como tenho grandes amigos na Federal do Rio de Janeiro, e não tenho amigo na PUC ou na FGV do Rio, com exceção do Fernando Holanda Barbosa, um sujeito da melhor qualidade. Mas os ‘phdezinhos’, não.

Ontem, li um artigo do Affonso Celso Pastore, que me parece ser o melhor economista ortodoxo do País, um profissional respeitável. Mas é ortodoxo, o que é sempre um desastre. Aliás, toda ortodoxia é uma porcaria: neoclássica, keynesiana, marxista, schumpeteriana e qualquer outra que você mencionar. Mas o Pastore reclama dos economistas que, como eu, defendem uma taxa de câmbio desvalorizada para que haja desenvolvimento, tendo como referência os países asiáticos.

Na análise de Pastore, a desvalorização não é aplicável e, portanto, o Brasil precisa dramaticamente da poupança externa para se desenvolver. É uma bobagem muito grande. Há dez anos faço a crítica do desenvolvimento com poupança externa.

CC: Quais os principais problemas?
LCBP: Imagina-se que a poupança externa aumentará o investimento, mas não aumenta, o que cresce é o consumo. Às vezes aumenta um pouco também o investimento, mas pouco. Há uma alta taxa de substituição da poupança interna pela externa, e há toda uma teoria para isso.

Quando se decide crescer com a poupança externa, o câmbio se aprecia, necessariamente. A taxa de câmbio que equilibra uma conta corrente com zero de déficit é uma, e a taxa é outra e muito mais valorizada para uma conta corrente com 4,5% de déficit. Quando valoriza o câmbio, os salários aumentam, aumenta o consumo e diminui a poupança interna, já que a propensão marginal a consumir é muito elevada entre os mais pobres, cujos salários aumentaram.

Um outro raciocínio que dá no mesmo resultado: decide-se apreciar o câmbio e ao fazer isso, as oportunidades para investimentos lucrativos em exportação diminuem. Como Keynes, poderíamos dizer também que, quando cai o investimento, cai também a poupança interna. É isso o que o Pastore e os ‘phdezinhos’ não entendem. Eu disse que tenho horror à ortodoxia, não é isso? E também tenho horror ao populismo.

Quando fui ministro da Fazenda, no final dos anos 80, definiu-se o que era o populismo econômico, já que o populismo político é uma coisa muito antiga. Em 1991, organizei um livro sobre o populismo econômico, que significa basicamente gastar mais do que se arrecada, irresponsavelmente. Quando se pensa em populismo, pensa-se em populismo fiscal, o que significa dizer que não se deve ter déficits públicos ou deve-se ter um déficit pequeno que não aumente a dívida pública.

Se você for populista, gasta o que puder, como fez o governo conservador grego, um desastre completo, com a ajuda da Goldman Sachs, para esconder o déficit. Mas não entendo como esses economistas ortodoxos são contra o populismo fiscal, como eu também sou contra, mas são a favor do populismo cambial. Ou seja, o Brasil inteiro gastar mais do que arrecada é bom porque aumentaria o investimento, que já vimos que não aumenta. Que negócio é esse?

(*) Jornalista da Carta Capital.
Fonte: CartaCapital/Edição 586

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