Peter Weigel (*)
Educação para que ambiente? Desafios teóricos para a Educação ambiental na Amazônia, editores: Vera Maria Fonseca de Almeida e Val, Isolde Dorothea Kossmann Ferraz. Manaus: INPA, 209. 206 p.
A primeira versão desse trabalho foi escrita em 1995, quando as preocupações ambientais com a Amazônia estavam inscritas na agenda dos países mais ricos do mundo e quando a questão ambiental em si ainda reverberava pelo mundo como conseqüência dos resultados da ECO-92.
Nessa mesma época, seguindo as tendências mundiais e em decorrência de seguidas invasões do terreno do Campus I, por movimentos dos “sem teto”, o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) criou o Grupo de Trabalho em Educação Ambiental (GTEA). Essas invasões de propriedades e terras públicas urbanas estavam ocorrendo em ritmo acelerado por toda a cidade de Manaus e faziam parte de um processo de desordenado de expansão da áreas urbana, para acomodar os migrantes do interior e de outros estados que não paravam de chegar.
A utilização da Educação Ambiental era considerada uma ferramenta importante por diversas organizações internacionais, para alertar a população sobre os erros que estavam sendo cometidos pela insistência na utilização de formas tradicionais e predatórias de ocupação da terra.
Esse era um problema grave na Amazônia de então e, infelizmente, continua sendo na atual. Acreditava-se, além disso, que seria muito mais fácil desenvolver atitudes ambientais mais saudáveis, trabalhando-se principalmente com o público jovem das escolas, muito mais aberto a considerar e a incorporar novas idéias e novas estratégias.
A primeira versão, assim, foi escrita em meio a toda a agitação descrita e quando havia a ilusória esperança de que , depois da ECO-92, o mundo começaria a mudar e que novos paradigmas, como o desenvolvimento sustentável, seriam efetivamente utilizados na prática e não apenas só no discurso. Foi elaborado como uma contribuição teórica para o então recém-criado GTEA, por sugestão de sua coordenadora, Dra. Maria Inês Gasparetto Higuchi.
Em meio à agitação pós-ECO.92 começou ganhar força também a idéia de que a biotecnologia poderia ser uma saída econômica viável para a diminuição do ritmo do desmatamento, assim como também as técnicas de manejo florestal.
As discussões em torno da biotecnologia e da súbita importância de a floresta ser mantida em pé, pelo patrimônio genético e pelos princípios ativos nela contidos , levaram à criação de uma organização social que ficou conhecida pelos sigla Bioamazônia, e à construção do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), que deveria ser centro produtor de inovações, alimentadoras de diversos novos ramos produtivos que seriam implantados no Pólo Industrial da Zona Franca de Manaus.
No esquema imaginado pelo governo federal, a Bioamazônia criaria condições para formar um fluxo constante de matéria-prima par CBA e realizaria as articulações necessárias para a implantação dos novos ramos produtivos, enquanto que o CBA se tornaria uma linha de montagem criadora de novos produtos e processos, além de uma incubadora para empresas interessadas nessas novas oportunidades produtivas.
A elaboração de um marco teórico para a educação ambiental em meio a esse ambiente que permitia o exercício de doses razoáveis de otimismo, iniciou com o exame das obras pioneiras dedicadas ao assunto no Brasil e ao material didático disponível na época. Essas publicações pioneiras, elaboradas principalmente para a realidade das regiões mais ricas do país, não se adequavam à realidade amazônica e traziam consigo o risco comum à divulgação de novos conceitos e paradigmas, que é a hegemonização conceitual, que trata de forma igual situações diferentes.
Isso pode ser muito interessante do ponto de vista da expansão e da reprodução do capital, porque a utilização de uma definição conceitual inadequada pode apenas dar um aspecto diferente à continuidade dos mesmos processos destrutivos, com a esperança de que algo irá mudar, porque “novas” idéias estão sendo introduzidas.
É o que vem ocorrendo há muito tempo com o conceito de desenvolvimento sustentável, que virou a base de pronunciamentos oficiais e de planos de governo, virou um rótulo que chancela ações que não conseguem se encaixar em seus preceitos.
Esses materiais didáticos iniciais, se distribuídos para toda a rede pública de ensino, por meio da logística do Ministério da Educação, poderiam vir a criar percepções ilusórias nos alunos de regiões para as quais, ou a partir das quais, os materiais foram pensados e elaborados.
A teoria então discutida nos ambientes acadêmicos, por outro lado, pelo estágio inicial das elaborações teóricas, também não se mostrava adequada para uma realidade tão complexa como a Amazônica. Esses fatos, portanto, estimularam a elaboração de uma discussão teórica esploratória dos possíveis entraves que a educação ambiental iria enfrentar na Amazônia, sem, entretanto, apontar soluções, porque estas não conseguiam ser vislumbradas na época e pode haver difuculdade para chegar a elas hoje em dia.
É interessante constatar que as discussões realizadas nesse trabalho, girando em volta da convicção de que se estava frente a uma mudança iminente de paradigmas na região e da introdução efetiva da biotecnologia como um novo modelo de desenvolvimento a ser adotado, continuam atuais.
O entusiasmo pós-Eco-92 arrefeceu depois de algum tempo, o programa de financiamento de projetos na Amazônia pelo Grupo dos Sete Países Mais Ricos (G-7) sofreu um gradativo esvaziamento e se encerrou, o desenvolvimento da educação ambiental na Amazônia segue ocorrendo a passos extremamente lentos, o desenvolvimento sustentável virou um discurso e o Centro de Biotecnologia da Amazônia só começou a funcionar há poucos anos e, ainda assim, de forma precária.
A Amazônia, assim, voltou rapidamente ao seu cotidiano de desmatamento intenso, de tensas e violentas relações sociais nas áreas rurais e também nos principais centros urbanos, que sofreram um crescimento acelerado e desordenado.
O cenário desenhado pela chegada da biotecnologia à Amazônia e que é utilizado como base nesse trabalho, continua sendo atual e necessário como alternativa econômica concreta para salvar o que resta da floresta. Provavelmente, entretanto, continuará hão tendo nenhum interesse para as forças produtivas e políticas que continuam a comandar os destinos da região e que sempre estiveram muito mais interessadas em retornos econômicos imediatos e para quem a floresta não passa de mato.
É preciso apontar, porém, que mesmo com esse cenário conturbado, onde se fica com uma forte impressão de que não há espaço par esperanças e para a implantação efetiva de alternativas, ocorreram mudanças como o aumento da consciência ambiental e a aceitação tímida, na maioria dos casos, por parte dos governo municipais e estaduais, da necessidades de implantar estruturas para cuidar de forma mais abrangente das questões ambientais sob sua responsabilidade.
A literatura acadêmica hoje disponível sobre a educação ambiental e atividades correlatas cresceu muito mostrando que há um grande reforço de pensamento a serviço dessa causa. Há então, um contexto acadêmico muito mais desenvolvido para abordar as questões teóricas apresentadas por esse trabalho e para que se consiga avançar no desenvolvimento de uma educação ambiental consentânea com as complexas questões socioambientais e culturais existentes na Amazônia. Esse trabalho sofreu alguns ajustes ao longo dos anos, mas manteve a sua essência intocada, podendo ter as suas questões discutidas também no âmbito do cenário amazônico atual.
(*) É pesquisador do INPA com intenso trabalho centrado no Desenvolvimento da Amazônia.
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