terça-feira, 3 de novembro de 2009

IV MOSTRA ETNOGRÁFICA DO AMAZONAS: FILMES ESCOLHIDOS E PREMIADOS

Khemerson Macedo*

Na sexta-feira (30) chegou ao fim a última noite de competição da IV Mostra Amazônica do Filme Etnográfico, com a exibição dos últimos cinco filmes em competição. Falando nestes, embora estas produções tivessem apresentado sua quantidade parcial de falhas, a riqueza dos temas veiculados pelo menos trouxe, em parte, discussões importantes, no que diz respeito à antropologia visual e ao filme etnográfico. No dia seguinte, foram anunciados os vencedores do evento pelos organizadores. Seguem abaixo, as últimas resenhas e os resultados referentes aos vencedores do Troféu Muiraquitã e do prêmio ABD/ AM:

1. Jaú, Sonhos e Memórias, 28 min – Brasil/ SP, 2008

Jaú é um documentário com imagens belíssimas, mas que, no conjunto, carece de um tratamento bem mais eficiente, no que diz respeito à forma como os entrevistados são inseridos na narrativa. Jogados aleatoriamente ao longo do filme, nunca conseguimos compreender quem são de fato aquelas pessoas e quais ligações elas estabelecem entre si, pois nos falta esta noção genealógica, algo importante em se tratando de um filme que lida com a memória coletiva da Reserva do Jaú. A impressão que temos é a de que os depoimentos vão se acumulando até o término do filme, sem conseguirmos estabelecer quaisquer laços com aquelas pessoas, uma vez que é sempre bom nós, espectadores, nos importarmos com o que vemos na tela, principalmente em se tratando de um documentário. O resultado, assim, surge oscilante em vários momentos, nos deixando inevitavelmente frustrados no final, onde num plano contemplativo envolvendo certo entrevistado, o vemos sumir com sua canoa por entre árvores, algo que seria bem mais eficiente, caso nós tivéssemos nos tornado mais íntimos daquelas pessoas.

2.Roraimeira: Expressão Amazônica, 52 min – Brasil/ RR, 2009

Roraimeira é um filme fascinante que, de forma dinâmica, nos apresenta ao movimento cultural e grupo musical homônimo, forçando-nos há conhecer um pouco mais suas histórias individuais e, no processo, nos tornando íntimos dessas pessoas, ao permitir que participemos de seu processo criativo e de suas visões peculiares de mundo. O resultado é igualmente inspirador: enquanto rimos de cada estrofe musical apresentada, conseguimos sair da sala de exibição com a certeza de que conhecemos bem mais do projeto musical do movimento, além de sentirmos uma necessidade inequívoca de adquirir tais canções. Porém, não é possível ignorar as falhas técnicas vistas neste projeto. Em primeiro lugar, em vários trechos do longa tive a impressão de que faltou um pouco mais de sutileza por parte do realizador Thiago Briglia, como nas cenas em que este fotografava as diversas platéias do Roraimeira, resultando em diversos momentos de riso involuntário que simplesmente impedia que mergulhássemos ainda mais na história contada. Além disso, confesso que tive a sensação de que o filme poderia ter tido um melhor tratamento na pós-produção, pois fica óbvio que certos planos não se encaixam como deveriam à proposta inicial do filme. Mesmo assim, é um ótimo documento de divulgação deste movimento que deveria, sim, ser mais explorado e revisitado.

3. Picolé do Aranha, 20 min – Brasil/ AM – 2009

Anderson Mendes é um diretor amazonense que nos últimos anos vem retratando pessoas que, de forma curiosa, travestem-se de super-heróis (dos quadrinhos ou das telas) diferenciando-os da coletividade justamente por causa do estranhamento e exotismo que estas escolhas provocam. Em 2007, Mendes apresentou ao mundo (literalmente), o ator trash Aldenir Coti, o Rambú de São Jorge. Naquele ano, além de chamar atenção da academia (universitária, claro!) para este tipo de produção local, A Incrível História de Coti, Rambú de São Jorge ainda “papou” diversos prêmios no Amazonas Film Festival daquele ano. Este ano, Mendes volta à cena e apresenta desta vez, Nei Valente, o “Homem-Aranha da Cidade Nova”. O resultado, porém, está longe de se aproximar da eficiência do filme de 2007 (algo inevitável de se fazer, já que as propostas temáticas são parecidíssimas).

O que mais fascinava no filme anterior de Mendes era a forma incrivelmente orgânica com que este conduzia sua narrativa, deixando que o próprio Coti contasse sua história sem qualquer tipo de intromissão. Neste O Picolé do Aranha o que ocorre é o inverso: além de incluir uma estranha entrevista com uma psicóloga que, no melhor estilo de telejornal, vai explicando de uma forma absurdamente teórica passagens da vida do personagem, além de tentar explicar outras questões levantadas por Valente. No final ficamos sabendo que a moça é filha do Aranha, o que não explica, no final das contas, a participação da moça daquela maneira. Além do mais, o filme não se decide entre a comédia e o drama, ficando difícil para nós tomarmos partido algum. Só sei que, no final, não achei a menor graça no que vi e fiquei sinceramente, sentindo saudade do Rambú de São Jorge. Pena!

4. Xiepihurena, 22 min – Brasil/ AM, 2009

Utilizando-se de uma fotografia granulada que parece tentar reproduzir algum contexto passado e dividindo sua narrativa em capítulos, onde cada segmento busca investigar cada ritual a que somos apresentados, Xiepihurena comete, a meu ver, o mesmo erro básico de Jaú, Sonhos e Memórias: não contextualizar a genealogia dos seus personagens, tampouco nos indicar onde aquele registro está se passando. A própria estratégia da fotografia granulada me confundiu de início, pois achei estar vendo algum filme antigo, remasterizado e apto para contar ao espectador aquela tradição de forma concisa e metódica. Contudo, era só impressão, e o espetáculo visual de Xiepihurena ficou devendo para a própria história em si, deixada de lado em prol de uma abordagem mais burocrática e lenta.

5. O Areal, 54 min – Chile/ Brasil/ Espanha, 2008

Aqui está, a meu ver, um filme capaz de rivalizar com os melhores filmes já apresentados nesses 04 anos de Mostra Etnográfica, ficando no mesmo nível que obras como Buscando El Azul e Pirinop – Meu Primeiro Contato. Indubitavelmente, o melhor filme da Mostra este ano, O Areal ainda constitui-se como a única produção estrangeira neste ano. Contando a história de uma comunidade remanescente de quilombos no Estado do Pará, o diretor Sebastian Sepulveda nos apresenta a personagens que, em seu cotidiano, enquanto lidam com seus afazeres domésticos, nos contam as diversas histórias envolvendo o lugar, dentre estas invariavelmente as histórias de visagens e encantados que povoam o imaginário local sobre o lugar que estes denominam de “O Areal”. Entre homens que viram lobisomem e mulheres que viram Matinta Pereira, cada um nos conta estas histórias a partir de pontos de vista diversos e ricos em detalhes. Amarrando cada lenda, existe uma entidade superior, a “Mãe do Areal”, espécie de juíza e carrasco para aqueles que ousam violar o espaço sagrado do Areal, assim contam os moradores.

Nada disso, porém, seria possível se não fosse à maneira contida, comprometida e concentrada com que Sepulveda retrata aquelas pessoas. Respeitando-as com uma solenidade invejável, ouvimos as histórias e rimos destas, não porque debochamos, mas porque compartilhamos algo com o filme. No terço final do documentário, após testemunharmos durante a projeção a construção de uma ponte em direção ao referido local, somos jogados a uma outra perspectiva que praticamente nos obriga a repensar tudo aquilo que tínhamos testemunhado até então, visto que o impacto provocado pela ponte em todo o entorno do areal e da vila que o cerca nos leva a compreender melhor tudo que tínhamos ouvidos antes, completando a experiência maravilhosa de nos tornarmos íntimos de pessoas tão diferentes a nós, mais não menos fascinantes.

Vencedores do Troféu Muiraquitã e do prêmio ABD/ AM, no sábado, dia 31, último dia do evento

A Mostra Amazônica do Filme Etnográfica despediu-se do público em geral no último sábado, dia 31, com a entrega do já tradicional Troféu Muiraquitã para os documentários vencedores do Grande Prêmio do Júri e do Júri Popular, além do prêmio ABD/ AM para melhor produção amazonense. Segue abaixo os contemplados:

1. Grande Prêmio do Júri Oficial para melhores filmes em média-metragem:

a. Picolé do Aranha, de Anderson Mendes;
b. Salvaterra, Terra de Negro, de Priscilla Brasil e;
c. O Areal, de Sebastian Sepulveda.
2. Grande Prêmio do Júri Popular para melhor filme:
a. Picolé do Aranha.
3. Prêmio ABD/ AM para melhor produção amazonense:
a. Serviços Gerais, de Rafael Ramos e Neuton Gomes.

Comentários das premiações: não é surpresa alguma que O Areal tenha sido premiado. Até mesmo Salvaterra (que infelizmente não vi), havia sido muito elogiado antes mesmo da premiação. Estranhíssimo, aliás, é a dupla premiação de Picolé do Aranha, já que este filme ainda fica muito aquém de outros filmes exibidos na Mostra. O que já não posso dizer dos filmes amazonenses exibidos neste evento, uma vez que premiar Serviços Gerais como melhor filme amazonense da Mostra demonstra que os outros três filmes exibidos realmente eram muito ruins, o que é lamentável, em se tratando de produção local.

Outro ponto fraco diz respeito a não premiação de filmes de curta e longa-metragem nesta Mostra, por estes “não atenderem aos objetivos que se pretendem para [a] Mostra”. Esperemos que em 2010 tenhamos um salto qualitativo e que a Mostra permaneça como este importante fórum de discussão e exibição de documentários amazônicos.

(*) É coordenador de pesquisa do NCPAM/UFAM.

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