domingo, 5 de setembro de 2010

DESCRENÇA

Márcio Souza (*)

Não consigo acreditar que ainda se possa organizar a cidade de Manaus. Por mais que o prefeito Amazonino reafirme seu compromisso com o choque de ordem, mesmo que um coro de vozes burocráticas cante hosanas pela modernização da cidade, ainda assim a coisa não vai. Tem momentos que estou tão pessimista que chego a pensar que nem cinco Copas do Mundo seriam capazes de mudar a capital baré.

O nível de permissividade chegou a um tal ponto, que provavelmente as mudanças só seriam viáveis após uma catástrofe tipo daquela que se abateu em Novo Orleans. A bagunça, o desrespeito, a ignorância e a prepotência não querem que Manaus se torne um centro urbano organizado e civilizado.

Esta semana de canícula senegalesca, como diria o Genesino Braga, de saudosa memória, tive de sair à rua. A experiência é para deprimir qualquer otimista. Na rua do Barroso, além das sapatarias sobre rodas, que burlam o fisco estadual, há os vendedores de pamonhas e de "ração humana", seja lá o que isso for. Carrinhos de construção enferrujados e com restos de cimento vendem frutas apanhadas do lixo e disputam espaço nas calçadas com os flanelinhas "organizando" os carros em estacionamento duplo.

Na rua Costa Azevedo há um serviço de lavagem de automóveis em praça pública, exatamente em frente ao CREA. Na Vila Municipal, que já foi bairro fino, carros estavam placidamente estacionados nas calçadas, assim como na avenida Getúlio Vargas, um restaurante usa a calçada como estacionamento para os clientes.

Tudo isso ao com estridente dos carros de propaganda e sob o bafio nauseabundo das bancas de lanches. Mas não é a falta de modos desse lumpesinato marginalizado que se vira para sobreviver que me me irrita. É a falta de educação e de cidadania da classe média, que estaciona sobre as calçadas e alimenta por comodismo as contravenções diárias de nossa incivilidade.

E os camelôs? A prefeitura decidiu retirá-los do centro e transferi-los para um galpão entre o prédio da Alfândega e a Capitania dos Portos. Naquele terreno já aconteceu de tudo, de teatro ao ar livre, à saudosa Maloca dos Brarés, a pilhas de containers. Um grupo privado entrou na história, financiando e organizando o espaço, em moldes já adotados em outras cidades. Tudo parecia caminhar bem, o IPHAN validou o empreendimento, as obras começaram e, eis que de repente um sigla ligada à Secretaria de Portos, do Ministério dos Transportes, se sente magoadinha por ter sido ignorada, embarga a obra.

Engraçado, esta ou outra sigla qualquer desta inefável Secretaria de Porto do Ministério dos Transportes Fluviais da região amazônica. Já foram a pique centenas de embarcações matanda milhares de gente pobre, mas isto não provocou sequer uma piscada nesses vigilantes burocratas de Brasília. Muito menos se sentiram obrigados a fiscalizar de perto as centenas de portos que receberam recursos para a sua construção, como o porto de Parintins que em certas épocas do ano é excelente para submarinos. Portos desabaram após a inauguração, outros ficaram na lembranças, mas as siglazinhas cretinas da Secretaria de Portos, nada fizeram.

Agora subitamente movida por uma espírito republicano mais falso que o ouro dos tolos, uma das siglas sai em defesa do patrimônio histórico de Manaus. Coisas de eleição, meus queridos sete leitores, porque o gato está encondido nesta história com o felpudo rabo de fora.

Defesa do Patrimônio histórico? Quem acredita que esses paus mandados prezam o nosso patrimônio histórico? O que eles querem é dar o troco à suposta traição do prefeito Amazonino a certa composição eleitoral que gorou e está minguando a olhos vistos, a despeito dos milhões de reais derramados. A nossa sorte é que ninguém embarga o Balatal.

(*) É Escritor, dramaturgo e articulista de A Crítica.

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