Suely Caldas (*)
Na última semana, a divulgação de três pesquisas relativas ao Brasil e uma confissão histórica de el comandante Fidel Castro resumem, com raro senso de oportunidade, certas mudanças - ocorridas no mundo e na economia brasileira - que se complementam e desenham a realidade vivida hoje. Embora com 20 anos de atraso, a confissão do ditador cubano, de que o modelo econômico comunista fracassou e "não funciona mais nem em Cuba", enterra o penúltimo refúgio do sonho marxista-leninista. O último é a Coreia do Norte, já que a China é hoje considerada economia de mercado - embora no plano político ainda conviva com a ditadura do partido único, o Partido Comunista Chinês.
A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade. É o que o filósofo italiano Norberto Bobbio chama de "utopia invertida" ao se referir à União Soviética: "Na primeira vez em que uma utopia igualitária entrou na história, passando do reino dos discursos para o reino das coisas, acabou por se transformar em seu contrário." Mas também é Bobbio a completar: "O comunismo histórico faliu, mas o desafio por ele lançado permaneceu."
Pois bem, é este desafio - perseguir o ideal de igualdade - que o mundo e o Brasil passaram a viver depois da queda do Muro de Berlim, em 1989. E é o desafio retratado nas pesquisas divulgadas há dias. Vamos a elas.
Falta saneamento, sobram celulares - A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 expõe situações extremas de um Brasil que chegou à modernidade de suprir 85% da população com telefones, mas não consegue derrotar um velho e trágico atraso: só 59% da população tem acesso a água e esgoto tratados. Ou seja, já entrou no hábito corriqueiro dos pobres se comunicar a distância pelo celular, mas 41% deles continuam convivendo com valas, fossas mal cuidadas, toda sorte de sujeira e risco de contrair doenças graves por falta de saneamento básico. Por que a diferença?
Há dez anos, telefonia também era um bem com que os pobres não ousavam sonhar. Mas tudo mudou com a privatização da Telebrás, em 1998. Metas de investimento privado definidas pelo governo possibilitaram a massificação do serviço e tarifas acessíveis para o celular pré-pago. Hoje 85% da população é servida por telefone.
Está aí um bom desafio para um novo governante preocupado com o ideal de igualdade: quem sabe, privatizando o setor de saneamento e definindo metas de investimento para as empresas, não consegue obter o mesmo êxito da telefonia?
Fora saneamento, educação e saúde, a Pnad tem mostrado evolução positiva dos indicadores sociais do Brasil, desde o Plano Real e a derrota da inflação, em 1994. E provado que o presidente Lula erra ao atribuir sucessos ao seu governo e fracassos aos que lhe antecederam, como se construir um País dependesse de um único homem. O exemplo está na Pnad: a renda média real do trabalhador vem crescendo nos últimos anos, e em 2009 chegou a R$ 1.106 - a melhor marca do governo Lula. Mas não conseguiu ultrapassar o período do rival Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1998, que sucedeu a queda brusca da inflação, com pico de R$ 1.144, em 1996.
Brasil preferido das múltis - Pesquisa anual da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) com 236 empresas multinacionais e 116 agências de promoção de investimentos colocou o Brasil na terceira posição entre os países de maior interesse de investimentos do mundo, ultrapassando os Estados Unidos, pela primeira vez. É claro que o abalo da crise econômica sobre os países ricos teve influência nesse resultado: dos cinco primeiros colocados, quatro são emergentes - China, Índia, Brasil e Rússia no quinto lugar (o quarto é Estados Unidos). E 9 dos 15 países preferidos das múltis estão em regiões emergentes.
Mas é verdade também que, desde o Plano Real, o País soube manter a sua economia organizada e, nos últimos anos, o mercado interno ampliou e ganhou pujança, atraindo investimento externo. Felizmente, Lula não cumpriu a promessa de "mudar tudo o que está aí" e não seguiu os caminhos da Venezuela, da Bolívia e do Equador, que têm afugentado o investimento externo. Ao contrário dos tempos de economias socialistas fechadas, atualmente, criar empregos, gerar renda, produzir progresso e promover igualdade social implica atrair, não expulsar, o investimento estrangeiro.
E, diferentemente do que apregoam há mais de uma década ideólogos socialistas - como Fidel Castro e os do PT, no Brasil -, a globalização não prejudicou os países pobres na crise de 2008. Ao contrário, ela ajudou a dar a César o que é de César, ou seja: se foram os países ricos que a provocaram, que paguem pelos seus efeitos.
Brasil menos competitivo - Mas, se o Brasil ganha na preferência dos investidores, perde em competitividade. Típico de país não consolidado, o Brasil tem vulnerabilidades que já poderia ter superado ou reduzido, não fosse o governo Lula se orientar pelo interesse político-eleitoral ou por convicções ideológicas ultrapassadas, que acabam favorecendo a persistência da desigualdade social.
Pesquisa do Fórum Econômico Mundial rebaixou o Brasil da 56.ª para a 58.ª posição no ranking das 139 economias mais competitivas do planeta.
Contradição com a pesquisa das múltis? É claro que não. Essa, do fórum, destaca pontos positivos e negativos de cada país. E o Brasil perde justamente naqueles em que progredia lentamente e que no governo Lula sofreram recuos graves e, pior, desnecessários. Corrupção, descrença da população nos políticos, desvio de dinheiro público, crescimento do endividamento, carga tributária e spread bancário elevados, falta de flexibilidade no mercado de trabalho e péssima regulação econômica são algumas taxas negativas que colocam o Brasil na lanterna em competição.
É na busca da superação desses pontos, invertendo a direção de Lula, que o novo governante deve atuar, se quiser ajudar a construir um país socialmente mais igual e mais justo.
(*) É jornalista, professora de comunicação da PUC-Rio e articulista de O Estado de S. Paulo E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
Na última semana, a divulgação de três pesquisas relativas ao Brasil e uma confissão histórica de el comandante Fidel Castro resumem, com raro senso de oportunidade, certas mudanças - ocorridas no mundo e na economia brasileira - que se complementam e desenham a realidade vivida hoje. Embora com 20 anos de atraso, a confissão do ditador cubano, de que o modelo econômico comunista fracassou e "não funciona mais nem em Cuba", enterra o penúltimo refúgio do sonho marxista-leninista. O último é a Coreia do Norte, já que a China é hoje considerada economia de mercado - embora no plano político ainda conviva com a ditadura do partido único, o Partido Comunista Chinês.
A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade. É o que o filósofo italiano Norberto Bobbio chama de "utopia invertida" ao se referir à União Soviética: "Na primeira vez em que uma utopia igualitária entrou na história, passando do reino dos discursos para o reino das coisas, acabou por se transformar em seu contrário." Mas também é Bobbio a completar: "O comunismo histórico faliu, mas o desafio por ele lançado permaneceu."
Pois bem, é este desafio - perseguir o ideal de igualdade - que o mundo e o Brasil passaram a viver depois da queda do Muro de Berlim, em 1989. E é o desafio retratado nas pesquisas divulgadas há dias. Vamos a elas.
Falta saneamento, sobram celulares - A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 expõe situações extremas de um Brasil que chegou à modernidade de suprir 85% da população com telefones, mas não consegue derrotar um velho e trágico atraso: só 59% da população tem acesso a água e esgoto tratados. Ou seja, já entrou no hábito corriqueiro dos pobres se comunicar a distância pelo celular, mas 41% deles continuam convivendo com valas, fossas mal cuidadas, toda sorte de sujeira e risco de contrair doenças graves por falta de saneamento básico. Por que a diferença?
Há dez anos, telefonia também era um bem com que os pobres não ousavam sonhar. Mas tudo mudou com a privatização da Telebrás, em 1998. Metas de investimento privado definidas pelo governo possibilitaram a massificação do serviço e tarifas acessíveis para o celular pré-pago. Hoje 85% da população é servida por telefone.
Está aí um bom desafio para um novo governante preocupado com o ideal de igualdade: quem sabe, privatizando o setor de saneamento e definindo metas de investimento para as empresas, não consegue obter o mesmo êxito da telefonia?
Fora saneamento, educação e saúde, a Pnad tem mostrado evolução positiva dos indicadores sociais do Brasil, desde o Plano Real e a derrota da inflação, em 1994. E provado que o presidente Lula erra ao atribuir sucessos ao seu governo e fracassos aos que lhe antecederam, como se construir um País dependesse de um único homem. O exemplo está na Pnad: a renda média real do trabalhador vem crescendo nos últimos anos, e em 2009 chegou a R$ 1.106 - a melhor marca do governo Lula. Mas não conseguiu ultrapassar o período do rival Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1998, que sucedeu a queda brusca da inflação, com pico de R$ 1.144, em 1996.
Brasil preferido das múltis - Pesquisa anual da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) com 236 empresas multinacionais e 116 agências de promoção de investimentos colocou o Brasil na terceira posição entre os países de maior interesse de investimentos do mundo, ultrapassando os Estados Unidos, pela primeira vez. É claro que o abalo da crise econômica sobre os países ricos teve influência nesse resultado: dos cinco primeiros colocados, quatro são emergentes - China, Índia, Brasil e Rússia no quinto lugar (o quarto é Estados Unidos). E 9 dos 15 países preferidos das múltis estão em regiões emergentes.
Mas é verdade também que, desde o Plano Real, o País soube manter a sua economia organizada e, nos últimos anos, o mercado interno ampliou e ganhou pujança, atraindo investimento externo. Felizmente, Lula não cumpriu a promessa de "mudar tudo o que está aí" e não seguiu os caminhos da Venezuela, da Bolívia e do Equador, que têm afugentado o investimento externo. Ao contrário dos tempos de economias socialistas fechadas, atualmente, criar empregos, gerar renda, produzir progresso e promover igualdade social implica atrair, não expulsar, o investimento estrangeiro.
E, diferentemente do que apregoam há mais de uma década ideólogos socialistas - como Fidel Castro e os do PT, no Brasil -, a globalização não prejudicou os países pobres na crise de 2008. Ao contrário, ela ajudou a dar a César o que é de César, ou seja: se foram os países ricos que a provocaram, que paguem pelos seus efeitos.
Brasil menos competitivo - Mas, se o Brasil ganha na preferência dos investidores, perde em competitividade. Típico de país não consolidado, o Brasil tem vulnerabilidades que já poderia ter superado ou reduzido, não fosse o governo Lula se orientar pelo interesse político-eleitoral ou por convicções ideológicas ultrapassadas, que acabam favorecendo a persistência da desigualdade social.
Pesquisa do Fórum Econômico Mundial rebaixou o Brasil da 56.ª para a 58.ª posição no ranking das 139 economias mais competitivas do planeta.
Contradição com a pesquisa das múltis? É claro que não. Essa, do fórum, destaca pontos positivos e negativos de cada país. E o Brasil perde justamente naqueles em que progredia lentamente e que no governo Lula sofreram recuos graves e, pior, desnecessários. Corrupção, descrença da população nos políticos, desvio de dinheiro público, crescimento do endividamento, carga tributária e spread bancário elevados, falta de flexibilidade no mercado de trabalho e péssima regulação econômica são algumas taxas negativas que colocam o Brasil na lanterna em competição.
É na busca da superação desses pontos, invertendo a direção de Lula, que o novo governante deve atuar, se quiser ajudar a construir um país socialmente mais igual e mais justo.
(*) É jornalista, professora de comunicação da PUC-Rio e articulista de O Estado de S. Paulo E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
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